A evolução do conceito de família, não foi acompanhado pela legislação, tendo como aliados doutrina e jurisprudência. Esse abismo entre legislação e realidade trouxe para o assunto sucessão a importância do planejamento sucessório
Família, comunhão de vida, afetos, igualdade, amor solidariedade, responsabilidade e lealdade.
Desfocando a proteção do grupo familiar para o sujeito, o envolvimento afetivo ganha maior notoriedade.
O nome para identificar a família pelo seu envolvimento afetivo em trabalhos publicados e doutrina é “família eudemonista”.
Eudemonismo é a doutrina que enfatiza o sentido de busca pelo sujeito de sua felicidade. Dessa forma, a família representa instrumento de bem-estar e comunhão de afetos, gerando o pluralismo das relações familiares.
Partindo desse princípio, conversar sobre os bens da família pode ser uma necessidade para proteção desta família em termos materiais.
Proteção que envolve assunto delicado e potencialmente controverso, a herança.
Apesar de toda comunhão partilhada em vida, pensar no advento morte é deixado para outro momento, até que não se tem esse momento. Predomina o desinteresse pelo destino do patrimônio, por medo ou reconhecimento de finitude, qualquer que seja o motivo prevalece a máxima de que o inventário está aí para isso, função dos herdeiros.
Nas palavras de Gladston Mamede e Eduarda Cotta Mamede,
“por medo ou egoísmo, muitos não se interessam pelo tema da própria morte. Não é um problema para eles, mas para os filhos e, havendo, para outros herdeiros. Eles que resolvam, quando a hora chegar. …. Mas há sempre um risco e é tolo achar que tudo se resolverá bem no fim das contas, ainda que se estranhem um pouco com isso ou aquilo. O problema é que a sucessão pode se tornar o fato negativo na vida de uma família, no ponto em que as coisas desandam e nunca mais voltam a ser como antes”. (2015, p. 2)
A sucessão pode desandar em consequência das constantes e complexas evoluções do conceito de família, na doutrina e na jurisprudência os questionamentos em direito sucessório têm sua razão de existirem. Boa parte em função das novas configurações não elencadas na sucessão legítima.
Maria Berenice Dias, em artigo de seu site, corrobora a pouca efetividade da legislação no quesito afetividade familiar, principalmente em direito sucessório, tendo a jurisprudência importante papel na garantia de direitos.
Adentrando no Código Civil, este estabelece a ordem de vocação hereditária, diferenciando herdeiro necessário, sucessor obrigatório e legatário, sem referências à socioafetividade especificamente.
Organizando os conceitos jurídicos, mesmo que de forma resumida, percebe-se que os vínculos afetivos familiares, para além da descrita na norma, só se contemplam quando utilizado ao menos uma ferramenta do instrumento planejamento sucessório, o testamento, vejamos.
Herdeiro necessário é aquele que tem garantido por lei o direito a uma parcela da herança, os descendentes (filhos, netos, bisnetos), os ascendentes (pais, avós, bisavós) e o cônjuge sobrevivente.
Seguindo, o sucessor obrigatório é o cônjuge sobrevivente, que tem direito a uma parte da herança, mesmo que o falecido tenha deixado testamento como descrito no código no artigo 1.832 detalha-se a concorrência com os descendentes, a qual o testamento não tem poder para suplantar.
É importante destacar que os herdeiros necessários têm prioridade em relação aos demais herdeiros e não podem ser excluídos da herança, o cônjuge sobrevivente, mesmo que não seja um herdeiro necessário, tem direito a uma parte da herança como sucessor obrigatório, que é garantido por lei.
O artigo 1.789 define que havendo herdeiros, o testador só poderá dispor de metade da sua herança, inserindo a figura do legatário
Só aparece a figura do legatário se houver testamento, a este cabe o disposto no artigo 1923 do código civil.
O legatário, portanto, não é um herdeiro necessário ou sucessor obrigatório, mas sim uma pessoa beneficiada por uma disposição testamentária específica. O legado é uma forma de o testador deixar um bem ou um conjunto de bens a uma pessoa determinada, sem precisar dividir a herança em partes iguais entre todos os herdeiros, resguardando as obrigações de partilha.
Na sucessão legítima, o inventário figura como um procedimento necessário e importante para a partilha dos bens deixados por uma pessoa após sua morte. O inventário é um processo judicial que visa identificar, avaliar e dividir os bens deixados pelo falecido entre os herdeiros.
O inventário afeta diretamente a distribuição dos bens entre os herdeiros e, portanto, pode afetar a vida financeira das pessoas envolvidas. Além disso, o inventário também pode ajudar a esclarecer eventuais conflitos e disputas entre os herdeiros.
Os doutrinadores de direito de família também reconhecem que o inventário pode ser um processo complexo e pode levar tempo para ser concluído, pois “os meus, os seus e os nossos” não estão necessariamente incluídos na sucessão, a socioafetividade precisa ser comprovada judicialmente e paralisa o inventário, se concomitante.
A demora no processo de inventário pode ser frustrante e estressante para os envolvidos.
Alguns mecanismos, como o inventário extrajudicial, a antecipação do pagamento de impostos, as negociações prévias entre os herdeiros e o planejamento sucessório, podem agilizar o processo.
Sobre o planejamento sucessório, é importante frisar que este não extingue o inventário completamente, apesar de figurar como importante instrumento para facilitar a distribuição de bens, outros necessariamente figurarão em nome do de cujos.
Quando adentramos em Planejamento Sucessório, o tema não está especificado em lei, mas pode ajudar a minimizar os efeitos do inventário e facilitar a transmissão dos bens para os herdeiros de forma mais tranquila e eficiente, sendo consideradas as relações de afeto, “os meus, os seus e os nossos”, dentro dos requisitos legais e observando as disposições sobre herdeiros necessários, sucessor obrigatório e legatários.
Para conceituar e inserir o planejamento sucessório como instituto jurídico, é preciso compreender antes, o instituto jurídico da partilha de bens.
Sendo a partilha a fase processual do procedimento de inventário, em que se identificam os bens do de cujus, listando o acervo hereditário com base nos princípios da unicidade e da saisine, o planejamento sucessório é a organização do acervo hereditário pelo hereditando no intuito de transmitir os bens evitando conflitos hereditários, altos custos e deterioração dos bens.
Tais medidas tem em conta destinacional consciente e preservação dos bens, prevenção de discussões e disputas, proteção de herdeiros e socioafetividade, preservação de atividade empresarial, quando houver, entre outros motivos pessoais.
Apesar de figurar como um procedimento capaz de viabilizar uma sucessão mais tranquila, as controvérsias geram alguns desafios, tais como:
- Legitimidade do planejamento, pois trata-se de um registro, um conjunto de medidas que viabilizarão a sucessão mais tranquila e que precisam atender à legislação.
- Disputas entre herdeiros, inviabilizam a paz tanto no inventário tradicional como no planejamento sucessório. Por isso, é necessário que o planejamento seja realizado de forma clara e transparente.
- A complexidade de cada caso concreto em específico precisa ser minuciosamente observada.
- Mudanças no quantitativo patrimonial, o que comumente é contornado deixando de fora os bens com alguma rotatividade, como veículos por exemplo.
- Mudanças na legislação, mesmo que pontuais, sobre direito sucessório, podem afetar os planejamentos sucessórios realizados anteriormente.
Como se nota, pelo rol exemplificativo acima, o planejamento sucessório em seu conjunto de ações implementadas gera a responsabilidade do acompanhamento para, a longo prazo, manter-se em conformidade com a legislação vigente.
O planejamento sucessório está encerrado, basicamente, nos limites do direito necessário, nas alterações familiares, nas mudanças no quantitativo patrimonial e nas mudanças na legislação.
Existem diversos instrumentos que podem ser utilizados no planejamento sucessório, cada um com suas particularidades e formas de utilização. Tais como: testamento, doação em vida, constituição de uma holding patrimonial, usufruto, fideicomisso, criação de um testamento vital, seguro de vida, plano de previdência, trust, entre outros.
E, neste ponto, o Direito de Família e Sucessões remete a uma interdisciplinaridade com o Direito Tributário, (em poucas palavras, pois isso também seria assunto para outro artigo), e em alguns casos empresarial.
O planejamento sucessório e o planejamento tributário são duas áreas distintas, mas relacionadas, que têm impactos significativos nas finanças e nos negócios de uma pessoa ou de uma empresa.
De forma bem resumida; o planejamento sucessório refere-se ao processo de planejar a transferência dos bens e ativos de uma pessoa após sua morte, e, em se tratando de planejamento tributário, é o processo de estruturar as finanças e os negócios de uma pessoa ou empresa de forma a minimizar a carga tributária.
A estruturação pode envolver a escolha de modelos empresariais específicos, a utilização de deduções e isenções fiscais ou a realização de transações financeiras que minimizem os impostos a serem pagos.
Embora o planejamento sucessório e o planejamento tributário sejam duas áreas distintas, eles muitas vezes se sobrepõem. Um bom planejamento sucessório pode ajudar a minimizar a carga tributária para os herdeiros e beneficiários, enquanto um bom planejamento tributário pode ajudar a preservar a riqueza de uma pessoa ou empresa, tornando a transferência de ativos mais fácil e menos onerosa.
Ademais, a estruturação adequada do planejamento sucessório pode ajudar a evitar a dupla tributação dos ativos herdados, reduzindo, assim, a carga tributária geral. Por essas razões, muitas vezes é recomendado que pessoas e empresas realizem, tanto o planejamento sucessório, quanto o planejamento tributário de forma integrada, a fim de maximizar os benefícios de ambas as áreas.
Concluindo, sem um planejamento sucessório adequado ao caso concreto, os herdeiros podem se tornar apenados pela incerteza, pelos custos elevados, por diversos problemas que dificultem a transferência dos bens e a administração do patrimônio deixado pelo falecido, sendo o mais comum, o longo tempo de espera.
O planejamento sucessório efetivo começa reunindo “os meus, os seus e os nossos”, momento que exige uma escuta atenta às preocupações, realiza planos que se efetivarão, discute a situação e mantem o diálogo.
Em última instância, até um mediador pode ser acionado antes da equipe jurídica, mas isso; é assunto para outro momento.
Fonte: Migalhas
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