Ao comprar um imóvel, evidentemente o melhor cenário é a absoluta ausência de dívidas em nome do vendedor. Contudo, a existência de eventual passivo ameaça a segurança do negócio?

 

O Código de Processo Civil, no artigo 792, inciso IV, disciplina que a venda de determinado bem é considerada fraude à execução “quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência”.

 

Portanto, a regra de ouro é apurar se o bem que está sendo oferecido à venda, uma vez vendido, acarretará a insolvência do vendedor, impedindo que ele arque com sua dívida, de sorte a frustrar a atividade jurisdicional do Estado. Em caso positivo, a consequência pode ser brutal: a declaração de fraude à execução, ensejando a ineficácia da venda do imóvel em relação ao credor prejudicado.

 

Pois bem. E como realizar essa apuração?

 

Primeiramente, há de ser examinada a matrícula do imóvel. Em não sendo identificadas averbações de ações judiciais que possam reduzir o proprietário à insolvência, bem como anotações de restrições, constrições, execuções, ações reais ou pessoais reipersecutórias, o negócio jurídico não poderá ser considerado fraude à execução, a não ser que o credor faça a prova da má-fé do adquirente, conforme preceitua o artigo 54 da lei 13.097/15, em consonância com a Súmula 375 do STJ1 e com o acórdão prolatado nos autos do Recurso Repetitivo 956.943, também do STJ.

 

A lei 13.097/15 é um marco do direito imobiliário, por ter adotado o princípio da concentração dos atos registrais, dispondo que toda e qualquer anotação relacionada a determinado bem imóvel deverá se concentrar na sua respectiva matrícula, desobrigando (indiretamente, em sua redação original) os adquirentes de buscarem certidões em diversas repartições.

 

Com efeito, a lei 13.097/15 condiciona o reconhecimento da fraude à execução à prévia adoção de providências por parte do credor para averbar na matrícula do imóvel a existência de eventuais ações ou restrições, consignando que “não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no registro de imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel”. (§1º do artigo 54).

 

Nas palavras do Registrador JOÃO PEDRO LAMANA PAIVA, “ao invés de repassar à sociedade o custo da investigação, passou-se a exigir uma proatividade de quem deseja alcançar a oponibilidade do seu interesse (o CREDOR), publicizando-o na matrícula do imóvel. Se alguém tem alguma pretensão envolvendo um imóvel deve lhe conferir publicidade para que esteja protegido. Não o fazendo, terá para si o ônus de provar que um adquirente de imóvel não estava de boa-fé”2.

 

Não obstante, é certo que apesar da plena vigência da lei 13.097/15, inúmeros precedentes vêm reconhecendo a ocorrência de fraude à execução na hipótese em que o comprador dispensa a apresentação das certidões do vendedor, mesmo que não conste da matrícula do imóvel a existência de eventuais ações ou restrições. Para expressiva parcela dos magistrados, o adquirente que deixa de tomar as mínimas cautelas no momento de comprar um imóvel, simplesmente não pode ser presumido um terceiro de boa-fé, uma vez que assumiu o risco do vendedor se tornar insolvente ao vender o bem.

 

É possível, contudo, que esse entendimento venha a se tornar minoritário, pois no final de dezembro de 2021 entrou em vigor a Medida Provisória 1.082/21, convertida na lei 14.382/22, acrescentando ao artigo 54 da lei 13.097/15 mais um parágrafo (§2º), dispensando expressamente a apresentação de certidões forenses ou de distribuidores judiciais!

 

Por se tratar de alteração legislativa recente, não houve tempo hábil para a eventual modificação da jurisprudência.

 

Porém, seja qual for o cenário jurisprudencial, continuaremos recomendando aos compradores que contratem a realização de due diligence imobiliária para analisar o risco do negócio, por meio do estudo do título de propriedade e exame das certidões emitidas tanto na comarca onde se situa o imóvel, como na comarca de residência do vendedor. Ora, em se tratando de investimento expressivo, quanto mais informações, maior a segurança. Como se não bastasse, hoje em dia praticamente todas as certidões podem ser solicitadas pela internet, em curto espaço de tempo.

 

Realizada a diligência, em sendo identificado eventual passivo em nome do vendedor, caberá a ele, vendedor, comprovar ao adquirente ser titular de bens suficientes para garantir o seu adimplemento, mesmo que não constem averbações de ações ou restrições na matrícula do imóvel, pois, apenas assim, o negócio estará blindado com efetiva segurança jurídica.

 

Fonte: Migalhas

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