A adjudicação compulsória extrajudicial, inserida no art. 216-B da lei 6.015/1973, pela lei 14.382/2022, ainda é tema em ebulição, cuja repercussão prática vem sendo discutida. Vários aspectos, inclusive, foram abordados no XXII Congresso Paulista de Direito Notarial em Campos do Jordão, que ocorreu em maio de 2023 e, na coluna de hoje, iremos expor alguns deles com a nossa opinião.

 

Inicialmente, questiona-se acerca da possibilidade de a notificação já ser realizada pelo tabelião de notas quando da lavratura da ata notarial.

 

Não se vislumbra qualquer impedimento para que o próprio Tabelião de Notas realize a notificação extrajudicial do promitente vendedor, pelo contrário. A notificação efetuada pelo Tabelião também é dotada de fé-pública e tem plena validade para os procedimentos extrajudiciais. O Tabelião de Notas é profissional extremamente capacitado e indicado para efetivar a notificação.

 

Além disso, realizar a notificação antes de se promover o restante do procedimento tem muito sentido para fins de economia das partes e facilitação do procedimento dentro das serventias extrajudiciais. É mais lógico que a prova do inadimplemento pelo promitente vendedor notificado que não outorgar escritura pública definitiva ocorra antes do restante do procedimento.

 

Se o promitente vendedor responder à notificação com o consentimento expresso, o tabelião poderá promover a lavratura da escritura definitiva e os demais atos para a adjudicação extrajudicial compulsória serão desnecessários, uma vez que o compromissário comprador terá a documentação necessária para promover o registro da transferência da propriedade.

 

Quanto à competência do Tabelião de Notas para a realização da notificação, bem como da lavratura da ata notarial, é adequado aplicar-se a regra legal dos arts. 8º e 9º1 da lei 8.935/1994 e do Provimento nº 100 do CNJ.

 

O procedimento da adjudicação compulsória já foi regulamentado nas normas de alguns estados e pode-se observar alguns formatos para sua aplicação. Em São Paulo, nas NSCGJ, Capítulo XX, Seção XVI, de cuja leitura se extrai a repetição do texto legal da LRP com alguns acréscimos acerca da realização da notificação do promitente vendedor e diligências. Não há qualquer previsão sobre suspensão do prazo da prenotação.

 

No estado de Pernambuco, o novo Código de Normas, por outro lado, prevê, uma possibilidade de prorrogação do prazo da prenotação até sua rejeição ou acolhimento.

 

Art. 1691. O  requerimento,  juntamente  com  todos  os  documentos  que  o  instruírem,   será   autuado   pelo   oficial   do   registro   de   imóveis   competente,   prorrogando-se  os  efeitos  da  prenotação  até  o  acolhimento  ou  rejeição  do  pedido.

 

  • 1º Todas as notificações destinadas ao requerente serão efetivadas na pessoa do seu advogado, inclusive por e-mail ou aplicativo de mensagens.

 

  • 2º A desídia do requerente, previamente dela alertado com prazo de 20 dias úteis para diligenciar, poderá acarretar o arquivamento do pedido, com perda da eficácia da prenotação, nos termos do art. 205 da Lei 6.015/1973.

 

Nesse caso, percebe-se que é possível iniciar o procedimento no RI, ganhando-se os efeitos da prenotação, para, após, juntar os demais documentos exigidos pela lei. Ou seja, poder-se-ia valer-se dos efeitos da prenotação, já protocolando o requerimento no RI, para que depois o advogado consiga a documentação faltante, como a lavratura da ata notarial (que pode levar alguns meses para confecção), não perdendo a prioridade.

 

Outro ponto de debate é quanto à caracterização da mora do promitente vendedor para a outorga da escritura pública definitiva após o pagamento integral de preço pelo compromissário comprador.

 

Como se sabe, a mora nas obrigações pode ser ex re ou ex persona. No primeiro caso, a mora se constitui pelo próprio descumprimento da obrigação, independente de interpelação ou notificação da pessoa em mora; na segunda hipótese, a mora apenas se constituí após a interpelação ou citação promovida pela parte contrária.

 

Muito embora a mora do promitente vendedor, que não outorga a escritura pública definitiva após o adimplemento de todas as parcelas, constitua-se ex re, ou seja, independentemente de interpelação ou citação, para que o compromissário comprador promova o procedimento de adjudicação compulsória extrajudicial, é imprescindível a notificação.

 

Isso não significa que a mora do compromissário comprador se torna ex persona nos compromissos de compra e venda, mas, para a aplicação do procedimento em específico, a notificação faz-se um requisito necessário pela própria previsão legal.

 

O regime jurídico do compromisso de compra e venda também foi alvo de discussões. É possível que esse contrato se constitua sob a égide das seguintes legislações: decreto-lei 58/1937, que dispõe sobre o loteamento e a venda de terrenos para pagamento em prestações; lei 4.591/1964, sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias; o próprio Código Civil de 2002; e a lei 6.766/1979, sobre o parcelamento do solo urbano.

 

A controvérsia existe sobre a aplicabilidade da adjudicação compulsória extrajudicial para os compromissos de compra e venda constituídos em âmbito do parcelamento do solo urbano, regidos pela lei 6.766/1979, por conta da disposição do art. 26, §6º:

 

Art. 26, § 6º. Os compromissos de compra e venda, as cessões e as promessas de cessão valerão como título para o registro da propriedade do lote adquirido, quando acompanhados da respectiva prova de quitação.

 

Verifica-se que o próprio texto legal autoriza o registro da transferência da propriedade definitiva ao compromissário comprador independentemente da outorga de escritura pública definitiva pelo promitente vendedor, desde que seja apresentada a prova de quitação junto do título. Dessa forma, seria desnecessário o procedimento de adjudicação compulsória, bastando a apresentação do contrato e da prova de pagamento diretamente pelo compromissário comprador.

 

Contudo, não parece adequado restringir a aplicação da adjudicação compulsória extrajudicial aos compromissos regulamentados pela lei 6.766/1979 por uma questão simples: não é em todo caso concreto que o registrador consegue verificar a prova da quitação na documentação apresentada pela parte.

 

Para tais casos, não parece haver qualquer impedimento legal para a aplicação da adjudicação compulsória extrajudicial. O texto do art. 216-B da LRP aduz que o procedimento é aplicável a “imóvel objeto de promessa de venda ou de cessão”, sem restringir o regime jurídico que regula a promessa de compra e venda em questão.

 

Assim, entende-se viável a utilização da adjudicação compulsória extrajudicial inclusive para os contratos firmados em âmbito de parcelamento do solo urbano, podendo o compromissário comprador tanto se utilizar do art. 26, §6º da referida lei quanto da adjudicação compulsória extrajudicial, se necessário ao caso concreto.

 

Além disso, cumpre relembrar a mesma situação para a hipótese do art. 41 da referida lei:

 

Art. 41. Regularizado o loteamento ou desmembramento pela Prefeitura Municipal, ou pelo Distrito Federal quando for o caso, o adquirente do lote, comprovando o depósito de todas as prestações do preço avençado, poderá obter o registro, de propriedade do lote adquirido, valendo para tanto o compromisso de venda e compra devidamente firmado.

 

Outro ponto de discussão é com relação a qual tipo de direito se constitui a adjudicação compulsória extrajudicial: direito subjetivo ou potestativo. Surge a controvérsia por conta do entendimento de que, se tratasse de direito subjetivo, incidiria prazo prescricional para o compromissário comprador promover o registro da transmissão da propriedade; assim, perdendo-se o prazo, o promitente vendedor cobraria um valor a mais do compromissário comprador para realizar a outorga da escritura definitiva.

 

Contudo, entende-se que a adjudicação compulsória extrajudicial está na esfera dos direitos potestativos, cabendo o procedimento ainda que a quitação do contrato tenha sido efetuada há muitos anos. A intenção é poder abarcar os contratos que permaneceram quitados, mas sem a outorga da escritura definitiva remanescentes ainda dos anos 1980-1990 (e mais recentes), facilitando a regularização da propriedade imobiliária para o compromissário comprador que não mais dependeria do promitente vendedor para regularizar um contrato há muito tempo já quitado.

 

Por fim, discute-se o momento do recolhimento do ITBI. Nos termos do art. 216-B, no momento da solicitação do requerimento da adjudicação compulsória já seria necessário apresentar o comprovante do recolhimento do imposto. Contudo, entende-se que a dicção legislativa deveria ser adequada para que o ITBI fosse recolhido apenas após a qualificação positiva pelo registrador de imóveis, visto que o fato gerador do ITBI é a transferência da propriedade imóvel e que os documentos apresentados para a adjudicação compulsória extrajudicial podem ser devolvidos. Parece ideal que, após a qualificação positiva, o compromissário comprador fosse intimado para promover o pagamento do ITBI em prazo determinado.

 

Aguardaremos a repercussão prática do instituto para observar com mais detalhes os efeitos de sua utilização.

 

Sejam felizes!

 

Fonte: Migalhas

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