Apelação Cível nº 1006855-85.2022.8.26.0590

 

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1006855-85.2022.8.26.0590

Comarca: SÃO VICENTE

 

PODER JUDICIÁRIO

 

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

 

Apelação Cível nº 1006855-85.2022.8.26.0590

 

Registro: 2023.0000987609

 

ACÓRDÃO

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1006855-85.2022.8.26.0590, da Comarca de São Vicente, em que é apelante SÉRGIO LUIZ SABINO DA SILVA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMOVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO VICENTE.

 

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

 

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

 

São Paulo, 9 de novembro de 2023.

 

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

 

Corregedor Geral da Justiça e Relator

 

APELAÇÃO CÍVEL nº 1006855-85.2022.8.26.0590

 

APELANTE: Sérgio Luiz Sabino da Silva

 

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São Vicente

 

VOTO Nº 39.198

 

Apelação – Dúvida – Recusa ao Registro de Escritura Pública de venda e compra – Titular de domínio qualificada como solteira na matrícula e divorciada no título levado a registro – Ofensa ao princípio da especialidade subjetiva – Casamento e divórcio realizados na austrália – Inexistência de transcrição – Óbices mantidos – Recurso a que se nega provimento.

 

Cuida-se de apelação interposta por SÉRGIO LUIZ SABINO DA SILVA contra a r. sentença que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de São Vicente, mantendo a recusa ao registro da escritura pública de venda e compra lavrada perante o 1º Tabelião de Notas da mesma Comarca (fls. 102/107).

 

Sustenta o apelante, em suma, ser inviável o cumprimento das exigências formuladas pelo Oficial Registrador, uma vez que a dissolução do casamento ocorreu na Austrália e não há como fazer constar o regime de bens, inexistente naquele país.

 

A D. Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não provimento do recurso (fls. 139/141).

 

É o relatório.

 

Foi apresentada para registro escritura pública de venda e compra lavrada em 30/04/2021 perante o 1º Tabelião de Notas da Comarca de São Vicente, figurando como adquirente Sérgio Luiz Sabino da Silva e como transmitentes Vanessa Aparecida da Silva e Sandro Luiz Sabino da Silva e sua mulher Maria Helena Almeida Sabino da Silva, tendo por objeto 2/3 da propriedade do apartamento n.º 12, localizado no 1º andar ou 2º pavimento do Condomínio Edifício Arcosanti, objeto da matrícula n.º 41.445 do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de São Vicente.

 

O registro do título foi negado nos termos da nota devolutiva de fls. 28/29, em que constaram os seguintes óbices:

 

“Trata-se de escritura pública de venda e compra objeto da matricula n° 41.445 deste Oficial de Registro de Imóveis. Em análise a citada matricula, verifiquei que a proprietária VANESSA APARECIDA DA SILVA, adquiriu o imóvel em questão, no estado civil de SOLTEIRA, no entanto na escritura ora apresentada ela vende como divorciada. Sendo assim, para que se proceda ao registro desta transação, deverá ser feito primeiro a averbação de casamento e divórcio. Ciente do pedido de reconsideração apresentado, mantém-se a devolutiva anteriormente (prenotação n° 496.788) formulada pelos mesmos motivos, abaixo especificados:

 

Nos termos do item 174, das NSCGJ/SP, Cap. XVII Tomo II.

 

  1. O Registro Civil das Pessoas Naturais do 1º Subdistrito da Comarca procederá no livro “E”, para fins de publicidade e efeitos perante terceiros, o traslado da certidão de casamento de estrangeiros realizado no exterior, devidamente legalizada perante autoridade consular brasileira ou apostilada perante autoridade estrangeira competente, assim como traduzida por tradutor público juramentado, inscrito em junta comercial brasileira, para em ato subseqüente, averbar mandado judicial ou escritura pública de separação, divórcio, conversão de separação em divórcio, divórcio direto, nulidade e anulação de casamento.

 

OBSERVAÇÃO MUITO IMPORTANTE: É necessário que conste no traslado o regime de bens equiparado. Sendo que, normalmente, a tarefa da equiparação é firmada pelo consulado australiano. Todavia, bastará, também, que seja apresentado documento assinado pela autoridade competente no consulado da Austrália, no Brasil, do qual conste o regime de bens, por equiparação, adotado pelos nubentes estrangeiros.

 

Deste modo, para que a escritura possa ser registrada, se faz necessário apresentar original ou cópia autenticada da CERTIDÃO DE TRANSCRIÇÃO DE CASAMENTO da proprietária VANESSA APARECIDA DA SILVA, expedida pelo Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais, na qual conste expressamente o regime de bens equiparado, e a averbação de divórcio.

 

Apenas a título de esclarecimento, cumpre informar que houve decisão em caso análogo, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente deste Oficial de Registro de Imóveis, que manteve as exigências formuladas por este Oficial, conforme poderá ser verificado na sentença anexa.”

 

A despeito dos argumentos lançados nas razões recursais, a apelação não comporta provimento.

 

Da matrícula n.º 41.445 consta como um dos proprietários do imóvel a Sra. Vanessa Aparecida da Silva, qualificada como solteira.

 

O Oficial de Registro de Imóveis apresentou óbice, forte na inobservância ao princípio da especialidade subjetiva, uma vez que do título levado a registro consta a mencionada titular de domínio Vanessa como divorciada.

 

No momento da apresentação do título, acostou-se certidão de casamento de Vanessa, realizado na Austrália, acompanhada da sentença de divórcio, também oriunda do mesmo país, ambos documentos devidamente apostilados, traduzidos e registrados no Registro de Títulos e Documentos.

 

O casamento, contudo, não foi transcrito perante o Oficial do Registro Civil de Pessoas Naturais, nos termos do que dispõe o item 174 do Capítulo XVII do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, verbis:

 

“O Registro Civil das Pessoas Naturais do 1º Subdistrito da Comarca procederá no livro “E”, para fins de publicidade e efeitos perante terceiros, o traslado da certidão de casamento de estrangeiros realizado no exterior, devidamente legalizada perante autoridade consular brasileira ou apostilada perante autoridade estrangeira competente, assim como traduzida por tradutor público juramentado, inscrito em junta comercial brasileira, para em ato subseqüente, averbar mandado judicial ou escritura pública de separação, divórcio, conversão de separação em divórcio, divórcio direto, nulidade e anulação de casamento.”

 

Tampouco consta averbação do divórcio realizado na Austrália.

 

A exigência de complementação documental é, de fato, necessária para garantia do encadeamento subjetivo.

 

Além disso, dos documentos apresentados não há informação acerca do regime de bens do matrimônio, de modo que, como bem apontado pelo Oficial Registrador, não se afigura possível inferir se o bem comunicou com o então cônjuge da vendedora ou não, a importar diretamente no controle do Princípio da Disponibilidade.

 

Note-se que, tratando-se de casamento contraído no exterior, deve ser observado o regime de bens vigente naquele país (domicílio dos nubentes), conforme prevê o artigo 7º, §4º, do Decreto- Lei n. 4.657/1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro):

 

“Art. 7º – A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família. (…)

 

  • 4º – O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal.”

 

Nesse sentido, expresso é o comando do item 61.4 do Capítulo XX do Tomo II das NSCGJ, que assim dispõe:

 

“Tratando-se de brasileiros ou de estrangeiros casados no exterior, para evitar dúvida acerca da real situação jurídica dominial do imóvel, o regime de bens deve ser desde logo comprovado para constar do registro.”

 

Outro não foi o entendimento deste C. Conselho Superior da Magistratura:

 

“REGISTRO DE IMÓVEIS – OMISSÃO QUANTO AO REGIME DE BENS ADOTADO QUANDO DO CASAMENTO DA ALIENANTE – CASAMENTO NO EXTERIOR – CÔNJUGE FALECIDO – DÚVIDA PROCEDENTE – RECURSO DESPROVIDO. O regime de bens há de constar expressamente da certidão de casamento. À míngua de expressa menção, não se presume a adoção do regime de reserva previsto na legislação do país em que realizado o matrimônio.” (CSM Apelação n. 1094840-54.2015.8.26.0100, Rel. Des. Pereira Calças j.14.10.2016).

 

E, uma vez inexistente previsão de regime patrimonial para o casamento realizado na Austrália, eventual declaração deve se dar na via judicial, nos termos do art. 1.639, § 2º do Código Civil.

 

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao apelo.

 

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

 

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 06.02.2024 – SP)

 

Fonte: DJE/SP

 

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