A aposentadoria rural é um componente essencial da rede de segurança social em muitos países, reconhecendo a contribuição vital dos trabalhadores do campo para a economia e a sociedade. No entanto, em muitos casos, os benefícios da aposentadoria rural podem ser afetados pela situação do cônjuge que trabalha no setor urbano.

 

Esta interação entre diferentes regimes previdenciários pode gerar desigualdades e injustiças que merecem atenção e análise aprofundadas.

 

A pesquisa será desenvolvida com base Constituição Federal Brasileira de 1988 e na Lei 8.213 de 1991 que regula a Previdência Social e nos entendimentos da Turma Nacional de Uniformização.

 

  1. Disparidades nos regimes de Previdência Social

 

Os sistemas de previdência social frequentemente variam entre áreas urbanas e rurais, refletindo as diferentes realidades econômicas e sociais desses ambientes. Enquanto os trabalhadores urbanos podem contribuir para regimes previdenciários mais abrangentes e estruturados, os trabalhadores rurais muitas vezes estão sujeitos a sistemas previdenciários mais fragmentados e menos abrangentes.

 

Essas disparidades nos regimes previdenciários podem levar a diferenças significativas nos benefícios de aposentadoria entre trabalhadores urbanos e rurais, exacerbando as desigualdades socioeconômicas.

 

Além disso, os benefícios de aposentadoria oferecidos pelos regimes previdenciários rural e urbano podem variar em termos de valor e abrangência. Os trabalhadores urbanos, muitas vezes, têm acesso a benefícios mais generosos, uma vez que contribuem com uma parte maior de sua renda para os sistemas previdenciários e podem acumular mais tempo de contribuição ao longo de suas carreiras.

 

Por outro lado, os benefícios de aposentadoria para trabalhadores rurais podem ser mais modestos, refletindo níveis de contribuição mais baixos e uma expectativa de vida potencialmente menor em áreas rurais.

 

Essa discrepância nos níveis de benefícios pode contribuir para desigualdades econômicas entre trabalhadores urbanos e rurais na aposentadoria, colocando os últimos em uma posição de maior vulnerabilidade financeira.

 

Dessa forma, essas disparidades nos regimes de previdência social entre áreas urbanas e rurais destacam a necessidade de políticas que visem reduzir as desigualdades e garantir uma proteção social adequada para todos os trabalhadores, independentemente de sua ocupação ou local de residência.

 

Isso pode incluir medidas para aumentar a cobertura e os benefícios dos regimes previdenciários rurais, bem como iniciativas para melhorar o acesso e a informação sobre os programas de previdência social nas áreas rurais.

 

  1. Impacto financeiro do cônjuge urbano

 

A situação financeira do cônjuge que trabalha no setor urbano pode ter um impacto significativo na aposentadoria do cônjuge que trabalha na área rural. Essa interação pode resultar em diversos efeitos, desde a redução dos benefícios de aposentadoria até a perda completa de certos direitos previdenciários.

 

Porém, a legislação não se mostra clara quanto a esse assunto. A legislação previdenciária, em especial na Lei n. 8.213/1991 ou no Decreto n. 3.048/1999, não traz nenhuma exigência informando que o cônjuge do segurado especial deve ser também um trabalhador rural.

 

O artigo 11, inciso VII, alínea “a” da Lei de Benefícios menciona que:

 

“Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:

 

VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:

 

  1. a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:

agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais;

(…) c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo.”

 

Vejamos que embora do inciso VII, alínea “c” do artigo 11 da Lei 8.213/1991 estenda a condição de segurado especial ao cônjuge do produtor rural, isso não significa que, no caso do esposo ou esposa ser um trabalhador urbano, não possa existir a caracterização.

 

Em tese, a autarquia previdenciária não pode exigir que todos os membros da família sejam segurados rurais. Assim, para dirigir quaisquer dúvidas sobre a matéria, a Turma Nacional de Uniformização fixou teses, que estão no Tema n° 23 e Súmula n° 41. Vejamos:

 

Tema nº 23 TNU

 

“A condição de segurada especial em regime de economia familiar não é descaracterizada pelo trabalho urbano do marido da autora ou mesmo pela paga, posterior, de pensão alimentícia, em razão de separação.”

 

Súmula nº 41 TNU

 

“A circunstância de um dos integrantes do núcleo familiar desempenhar atividade urbana não implica, por si só, a descaracterização do trabalhador rural como segurado especial, condição que deve ser analisada no caso concreto.”

 

Portanto, conforme entendimentos da TNU acostados anteriormente, se esclarece que apesar do cônjuge laborar em ambiente urbano, não necessariamente o outro cônjuge terá seu direito suprimido.

 

  1. Desafios de comprovação de atividade rural

 

Para os trabalhadores rurais que buscam acesso à aposentadoria rural, a comprovação de sua atividade no campo pode ser um desafio significativo. Isso se deve a uma série de fatores que complicam a documentação e a verificação de sua contribuição para a economia rural.

 

O primeiro fator contributivo é a informalidade e falta de registros formais, tendo em vista que, muitos trabalhadores rurais estão envolvidos em atividades agrícolas e pecuárias que são altamente informais e não estão sujeitas a registros formais.

 

Isso pode dificultar a produção de documentos oficiais, como contratos de trabalho ou registros de pagamento, que são frequentemente usados para comprovar a atividade laboral em sistemas previdenciários.

 

O segundo fator determinante é a independência financeira dos lares rurais, pois é comum que os membros da família contribuam para várias atividades agrícolas e pecuárias de forma colaborativa. Isso pode dificultar a atribuição precisa de contribuições individuais e complicar a documentação do trabalho de cada membro da família.

 

Além disso, em muitos casos, a renda e os recursos financeiros da família são combinados e geridos de forma conjunta, tornando difícil distinguir a contribuição de um cônjuge rural em relação ao trabalho realizado pelo cônjuge urbano ou outros membros da família.

 

E como último fator determinante tem-se a falta de educação previdenciária e ausência de conhecimento sobre os programas de previdência social disponíveis e os procedimentos necessários para acessar esses benefícios. Isso pode resultar em trabalhadores rurais não estarem cientes dos documentos necessários ou dos passos a serem seguidos para solicitar a aposentadoria rural.

 

  1. E na prática, qual seria a resolução?

 

Ao se deparar com essa determinada situação, o especialista em Direito Previdenciário deverá analisar minuciosamente o processo administrativo que ensejou o indeferimento do benefício de Aposentadoria Rural pleiteado. Em todo caso, será necessário ajuizar uma ação judicial, perante o órgão competente, e requerer o auxílio jurisdicional.

 

O caso será dirimido por meio de audiência de instrução e julgamento, onde o advogado deverá comprovar por meio de documentos e testemunhas acerca do labor rural e que não se comunica e se descaracteriza pelo labor urbano do cônjuge.

 

Importa salientar que o caso é complexo e para uma chance de êxito o processo deverá estar “fechado”, ou seja, com uma documentação comprobatória robusta e testemunhas hábeis a comprovar o direito do postulante.

 

Faz-se necessário guardar alguns exemplos de documentos rurais necessários para o ajuizamento de uma demanda assim, que seriam, contratos de arrendamento ou parceria rural, declarações de sindicatos rurais, notas fiscais de venda de produtos agrícolas, recibos de compra de insumos agrícolas, declarações de sindicatos rurais, documentos de registro de propriedade rural, além das declarações de testemunhas.

 

Considerações finais

 

Em suma, a interação entre aposentadoria rural e a situação de um cônjuge trabalhador urbano pode criar desafios significativos para quem deseja gozar do benefício futuramente, colocando em risco sua segurança financeira e bem-estar.

 

É crucial que os especialistas em Direito Previdenciário tenham cautela ao ajuizar a ação e reconheçam a natureza única do trabalho rural e adaptem seus critérios de elegibilidade e procedimentos de verificação para atender às necessidades dos trabalhadores rurais. Isso pode ajudar a garantir que os trabalhadores rurais tenham acesso equitativo aos benefícios de aposentadoria e possam desfrutar de uma vida digna na velhice.

 

Referências

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Senado Federal: Centro Gráfico, 1988

 

BRASIL. Lei n. 8.213 de 24 de julho de 1991. Lei de Benefícios e Serviços https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm. Acesso em 15 fev. 2024.

 

CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; Lazzari, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. Editora Conceito Editorial, 2020.

 

Fonte: Conjur

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