A juíza auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça, Liz Rezende, é responsável pelo projeto Autorização Eletrônica de Doação de Órgãos (AEDO) no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Atualmente, é titular da 2ª Vara de Tóxicos da comarca de Salvador, mas antes, exerceu a função de Juíza Auxiliar da Corregedoria-Geral de Justiça da Bahia (2016/2017); de Juíza Auxiliar da Corregedoria das Comarcas do Interior (2020/2021), oportunidade em que coordenou o Núcleo Extrajudicial das Corregedorias.
De novembro de 2022 a setembro de 2023 foi também Juíza Auxiliar da Corregedoria-Geral de Justiça, quando assumiu a atual função. Em entrevista exclusiva ao Jornal do Notário, Liz Rezende, discorreu sobre a sua trajetória profissional, explicou quais foram as mudanças mais significativas que observou na atividade extrajudicial nos últimos anos e esclareceu sobre o papel que desempenhou pela Autorização Eletrônica de Doação de Órgãos (AEDO) junto ao CNJ.
“No Brasil, segundo dados da Coordenação Nacional de Transplantes, existem mais de 42 mil pessoas aguardando na fila por um transplante. Assim, a política adotada com a AEDO tem o propósito de fomentar as doações e viabilizar que milhares de vidas possam ser salvas”, pontuou. “A atividade extrajudicial, ao longo dos últimos anos, vem assumindo um papel cada vez mais relevante para a sociedade”. Leia ao lado a entrevista na íntegra:
Jornal do Notário: Poderia compartilhar conosco um breve relato sobre sua trajetória profissional?
Liz Rezende: Sou juíza do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia desde abril de 1999. Atualmente, titular da 2ª Vara de Tóxicos da comarca de Salvador. Exerci a função de Juíza Auxiliar da CorregedoriaGeral de Justiça da Bahia (2016/2017); de Juíza Auxiliar da Corregedoria das Comarcas do Interior (2020/2021), oportunidade em que coordenei o Núcleo Extrajudicial das Corregedorias; Juíza Auxiliar da Corregedoria-Geral de Justiça, de novembro de 2022 a setembro de 2023, quando assumi a função de Juíza Auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça, com atuação na área extrajudicial, posição que ocupo atualmente.
Jornal do Notário: Desde o início de sua carreira no Judiciário, quais foram as mudanças mais significativas que a senhora observou na atividade extrajudicial?
Liz Rezende: Muitas mudanças expressivas ocorreram, mas posso destacar, na especialidade notas, a criação do e-Notariado, com o Provimento CN/CNJ nº 100/20 e, nos Registros Públicos, a criação do Sistema Eletrônico de Registro Públicos (SERP), com a Lei nº 14.482/22. Também muito importantes os avanços ocorridos na extrajudicialização, especialmente, a partir do ano de 2007, quando o legislador passou a autorizar que os delegatários prestassem diversos serviços antes atribuídos com exclusividade ao Poder Judiciário, como divórcio, separação, inventário, partilha, usucapião e adjudicação, dentre vários outros. A atividade extrajudicial, portanto, ao longo dos últimos anos, vem assumindo um papel cada vez mais relevante para a sociedade.
Jornal do Notário: Poderia nos esclarecer o papel desempenhado pela Autorização Eletrônica de Doação de Órgãos (AEDO) junto ao CNJ?
Liz Rezende: A Autorização Eletrônica de Doação de Órgãos (AEDO) foi regulamentada pela Corregedoria Nacional de Justiça, por meio do Provimento nº 164 /2024, e tem por objetivo simplificar e tornar mais eficiente o processo de autorização para doação de órgãos, tecidos e partes do corpo humano no Brasil, viabilizando a criação de um cadastro positivo de doadores.
A autorização se dá por meio de módulo desenvolvido pelo Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal (CNB/CF) dentro da plataforma e-Notariado. Em caso de falecimento, por morte encefálica ou qualquer outra causa, a Coordenação-Geral do Sistema Nacional de Transplantes ou as Centrais Estaduais de Transplantes poderão consultar as AEDOs, para identificar a existência de declaração de vontade e, com isso, dialogar com familiares do(a) falecido(a), dando-lhes ciência do desejo da pessoa que veio a óbito. No Brasil, vigora o sistema de doação consentida, no qual é obrigatória a autorização dos familiares para a retirada de órgãos para o transplante.
Assim, o conhecimento de que a pessoa que veio a óbito desejava ser doadora pode ser um fator muito importante no processo decisório da família. Isto porque levantamentos mostram que cerca de 40% das famílias recusam a doação de órgãos, muitas vezes, por desconhecerem o desejo do familiar de ser doador. No Brasil, segundo dados da Coordenação Nacional de Transplantes, existem mais de 42 mil pessoas aguardando na fila por um transplante. Assim, a política adotada com a AEDO tem o propósito de fomentar as doações e viabilizar que milhares de vidas possam ser salvas.
Jornal do Notário: De que forma se deu a integração do Ministério da Saúde na campanha da AEDO?
Liz Rezende: A integração do Ministério da Saúde na campanha Um Só Coração se deu através do Acordo de Cooperação Técnica nº 67/2024, por meio do qual assumiu o compromisso de divulgar a AEDO às unidades de saúde credenciadas ao Sistema Nacional de Transplante, bem como diligenciar para que as referidas unidades realizem consultas ao sistema de forma responsável.
Jornal do Notário: A Jornada Notarial 2024, programada para o dia 19/10 em todo o Brasil, terá a AEDO como foco principal. Qual é a sua visão sobre a importância desse evento realizado pelos cartórios de notas em benefício da população?
Liz Rezende: De extrema importância a iniciativa do Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal ao promover, por meio da Jornada Notarial, um ‘mutirão” para a emissão de AEDOs em espaços públicos no país. A medida amplia o acesso da população às informações sobre o cadastro, ajuda a sensibilizar o público para a relevância desse ato e, certamente, possibilitará o incremento no número de autorizações, contribuindo para o sistema de saúde nacional.
Jornal do Notário: Qual é a relevância de fomentar discussões e estudos acerca da rotina dos notários e registradores dentro do âmbito judicial?
Liz Rezende: A realização de cursos para magistrados com foco no foro extrajudicial é medida que se revela bastante salutar para aproximá-los da realidade das serventias extrajudiciais, seus avanços atuais, seus desafios e suas necessidades de aprimoramento, permitindo, na função fiscalizatória atribuída constitucionalmente ao Poder Judiciário, posicionamentos assertivos.
Jornal do Notário: Qual é a sua visão sobre o movimento de desjudicialização e o papel da atuação extrajudicial desempenhada pelos cartórios de notas?
Liz Rezende: O crescente processo de desjudicialização tem encontrado nos serviços de notas e registro uma alternativa importante para a assunção, por parte das várias especialidades do foro extrajudicial, de procedimentos de jurisdição voluntária, quando não se instala o conflito, os quais antes eram processados judicialmente. Os exemplos são vários, como as hipóteses de retificação do registro imobiliário ou do registro civil das pessoas naturais; o registro tardio de nascimento; os divórcios, inventários e partilhas, as recuperações de créditos de financiamento imobiliário, com alienação fiduciária; a recuperação da dívida ativa dos entes federados, e, mais recentemente, o processo de usucapião extrajudicial.
Esses procedimentos simplificaram e agilizaram a solução de demandas que antes, mesmo sem qualquer conflito instalado, se arrastavam desnecessariamente no âmbito judicial, muitas vezes, por conta da sobrecarga de trabalho dos magistrados e servidores. Ficaram reservados, assim, para o foro judicial os processos nos quais haja conflito, quando a atuação do magistrado seja indispensável e o exercício da jurisdição se mostre necessário, o que, em última análise, colabora para a atividade judiciária, com o descongestionamento do sistema de Justiça.
Jornal do Notário: Na opinião da senhora, qual será o maior desafio que o notariado enfrentará no futuro?
Liz Rezende: O notariado, como outras instituições, está diante de um futuro marcado por profundas transformações, impulsionadas, principalmente, pelos avanços tecnológicos e pelas mudanças comportamentais da sociedade. A crescente digitalização dos processos e a ascensão da inteligência artificial representam um grande desafio e, ao mesmo tempo, uma oportunidade para o segmento. Nesse contexto, temas como a smart escritura e o escrow account exsurgem como iniciativas inovadoras, que prometem impactar a relação entre o notariado e os usuários dos seus serviços.
A democratização do acesso à internet e a propagação das redes sociais têm modificado a relação entre a sociedade e os serviços extrajudiciais, contribuindo para a formação de cidadãos mais conscientes dos seus direitos, os quais demandam a prestação de serviços digitais mais modernos, desburocratizados e acessíveis. Um dos desafios, portanto, é atender, de forma eficiente, a essas atuais necessidades dos usuários dos seus serviços.
Fonte: Jornal do Notário
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