A reforma tributária, instituída pela Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023 (EC n° 132/23), é objeto central de discussões políticas, econômicas e empresariais, em razão da sua importância. Dentre as alterações promovidas no Sistema Tributário Nacional, estão a instituição do novo Imposto Seletivo e a manutenção do “velho” IPI, mas com nova roupagem. Trata-se de dois tributos que impactam diretamente a competitividade das indústrias instaladas na Zona Franca de Manaus (ZFM) em relação às demais regiões do país. Desse modo, é de suma importância compreender as referidas mudanças e seus respectivos impactos.
O projeto da reforma tributária tinha como ideia inicial dar ao IPI destino semelhante ao dado para o ICMS, o ISS e o PIS/Cofins. No caso do IPI, o imposto seria extinto e substituído pelo Imposto Seletivo. Contudo, a partir das mudanças no decorrer do processo legislativo, a reforma tributária foi aprovada com a manutenção do IPI, mas revestido com novo objetivo. Nesse novo contexto, o IPI se torna um elemento-chave para assegurar a competitividade da Zona Franca de Manaus, especialmente a partir de 2027, quando suas alíquotas serão reduzidas a zero.
De acordo com o artigo 126, III, alínea “a”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), o IPI terá suas alíquotas reduzidas a zero, exceto em relação aos produtos que tenham industrialização incentivada na Zona Franca de Manaus. Ou seja, enquanto as indústrias da ZFM terão isenção de IPI, as concorrentes situadas em outras regiões do Brasil terão de arcar com o mencionado imposto.
Por conta disso, a partir da reforma tributária, o IPI tem sido chamado de IPI-ZFM, em decorrência da mudança da sua finalidade, permanecendo com a sua natureza extrafiscal, mas com mudança do seu intuito, qual seja, a manutenção do diferencial competitivo da ZFM.
Papéis distintos
Concomitante a permanência do IPI-ZFM em nosso sistema tributário, a partir de 2027 conviveremos também com o Imposto Seletivo, também chamado de Imposto do “pecado”, que terá sua cobrança na sistemática monofásica, ou seja, será pago apenas uma vez na cadeia econômica e incidirá sobre as operações de produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.
Desse modo, verifica-se que, ainda que tenham suas similaridades, o Imposto Seletivo e o IPI-ZFM possuem papéis distintos: o primeiro tem por objetivo tributar operações prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, enquanto o segundo busca privilegiar o produto oriundo da ZFM. Não obstante possuam objetivos distintos, a EC nº 132/23 estabeleceu expressamente que as operações tributadas pelo IPI não podem ser objeto de tributação concomitante do Imposto Seletivo, de modo a evitar uma tributação cumulativa, afastando uma dupla incidência dos tributos.
Apesar disso, inevitavelmente recaem algumas dúvidas quanto à coexistência do Imposto Seletivo e do IPI-ZFM. Veja-se, por exemplo, que, ao menos até o momento, não há previsão normativa dispondo sobre a não incidência do Imposto Seletivo em relação às operações com bens e serviços oriundos da ZFM. Ainda, caso venha a ser produzido na ZFM um bem tributado pelo Imposto Seletivo, diante da impossibilidade da incidência cumulativa com o IPI-ZFM, como ficará o diferencial competitivo da zona franca?
A referida indagação é importante, uma vez que a norma da ADCT que impede a incidência do IPI quando a operação for tributada pelo Imposto Seletivo é geral, não sendo destinada apenas aos casos envolvendo a ZFM. Desse modo, afastada a incidência do IPI em decorrência da cobrança do Imposto Seletivo, cairá por terra o diferencial competitivo criado pelo IPI-ZFM, uma vez que não há previsão legal replicando a norma do IPI-ZFM, a fim de que a incidência do Imposto Seletivo recaia apenas sobre os produtos que forem fabricados fora da zona franca.
Logo, podemos estar diante de uma situação fática que torne ineficaz a norma que buscava garantir o diferencial competitivo para a ZFM.
Em suma, o IPI não será extinto com a reforma tributária, mas sim repaginado para desempenhar papel fundamental junto a ZFM, garantindo a competitividade de seus produtos e serviços. Por sua vez, o Imposto Seletivo tem por objetivo tributar operações prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.
Apesar disso, há dúvidas quanto à efetividade do diferencial do IPI-ZFM nas operações envolvendo bens e serviços tributados pelo Imposto Seletivo.
Conforme visto, há expressa vedação a concomitância de incidência do IPI-ZFM e do Imposto Seletivo sobre uma mesma operação. Porém, não há uma garantia do diferencial competitivo nos casos em que um bem e/ou serviço prejudicial ao meio ambiente ou a saúde sejam produzidos na zona franca. Em tais casos, o Imposto Seletivo funcionará da mesma forma que o IPI-ZFM, não incidindo nas operações com origem na ZFM, mas apenas sobre as demais regiões do Brasil? Ou haverá vedação à instituição e cobrança do Imposto Seletivo na ZFM? Seria o Imposto Seletivo uma exceção ao diferencial competitivo perseguido pela ZFM?
Os questionamentos acima permeiam a nova sistemática constitucional do IPI e do novo Imposto Seletivo e devem ser esclarecidos no decorrer do processo legislativo de regulamentação da reforma tributária.
Fonte: Conjur
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