O gafanhoto é um pequeno inseto fitófago, que pode consumir em um único dia matéria vegetal equivalente a seu próprio peso. Considerado isoladamente, é absolutamente inofensivo. Entretanto, algumas espécies apresentam comportamento gregário e podem se agrupar em quantidades incomuns, formando a chamada nuvem de gafanhotos, praga agrícola capaz de devastar plantações inteiras.

A analogia se aplica às demandas predatórias: um único processo malicioso pode malferir apenas o interesse da parte demandada, mas a manipulação do sistema judiciário com a interposição em massa das chamadas fake lides atinge a própria coletividade, vulnerando o legítimo direito de acesso à Justiça e a qualidade da prestação jurisdicional.

Com efeito, as demandas predatórias são usualmente produzidas em escala, como em linha de montagem industrial: múltiplas ações em diferentes juízos, com petições iniciais idênticas ou semelhantes, com o mesmo relato fático, geralmente divorciado da versão apresentada pelo autor. São instruídas com procurações genéricas ou documentos fraudados, sem que o efetivo demandante tenha sequer conhecimento da lide ou de seu objeto. Para mascarar o desconhecimento do autor, as iniciais geralmente pedem dispensa de conciliação e instrução, a fim de que o suposto interessado jamais seja chamado em Juízo. O pedido de gratuidade de Justiça também é corriqueiro, evitando-se os custos da aventura.

Gastos com litigância predatória

Conforme levantamento do Numopede (Núcleo de Monitoramento de Perfis de Demandas do Tribunal de Justiça de São Paulo), a prática da litigância predatória gerou, de 2016 a 2021, em média 337 mil novos processos por ano, somente no Estado de São Paulo, gerando prejuízo anual de aproximadamente R$ 2,7 bilhões, com custos superiores a R$ 16 bilhões no período estudado. A conclusão do relatório referente ao biênio 2022/2023 aponta que a litigância predatória, além de prejudicar a parte contrária, gera transtornos a toda a sociedade, pois consome recursos do Judiciário, colaborando para o aumento dos índices de morosidade e de congestionamento, já que a movimentação processual provocada por essas demandas é significativa.

São, portanto, como pragas de gafanhotos, consumindo com voracidade o orçamento da Justiça e comprometendo a qualidade da prestação jurisdicional, em prejuízo dos próprios jurisdicionados. Entretanto, os gafanhotos são conhecidos por aquilo que são: insetos vorazes, com grande apetite.

No caso das demandas predatórias, os profissionais que levam essas demandas ao Judiciários se apresentam como lobos em pele de cordeiro, valendo-se normalmente de pessoas vulneráveis, que na maioria das vezes sequer têm conhecimento da propositura da ação. Estudo realizado pelo Numopede do Tribunal de Justiça de Mato Grosso identificou, por exemplo, que as partes que aparecem como autores de demandas predatórias ou fraudulentas naquele estado são, em sua maioria, idosos, aposentados, pensionistas, analfabetos e indígenas, com diversos graus de vulnerabilidade social, exploradas por advogados inescrupulosos.

Manipulação do sistema de Justiça

Essas demandas predatórias são propostas com o intento de manipular o sistema de Justiça por meio do abuso de garantias constitucionais cidadãs, como os direitos de petição e à prestação jurisdicional. Afinal, conforme destacado em acórdão do Superior Tribunal de Justiça, “o chicaneiro nunca se apresenta como tal, mas, ao revés, age alegadamente sob o manto dos princípios mais caros, como o acesso à Justiça, o devido processo legal e a ampla defesa, para cometer e ocultar as suas vilezas” (RE 1.817.845/MS, 3ª Turma, ministra Nancy Andrighi, j. 10/10/2019).

Portanto, pior que nuvem de gafanhotos ou lobo solitário em pele de cordeiro, por traz da litigância predatória há matilhas de advogados vorazes e sem mínimos escrúpulos, que tratam a lide como ardil e o processo como simulacro, movidos pelo malicioso propósito de auferir vantagens indevidas sob o manto sagrado do Poder Judiciário e em desprestígio de toda a classe de honrados profissionais da advocacia.

Para combater essa praga, é necessário esforço coletivo e coordenado da sociedade, em especial dos principais atores interessados: Poder Judiciário, Ordem dos Advogados do Brasil e Congresso Nacional. Até aqui, a despeito dos louváveis esforços do Conselho Nacional de Justiça e das Corregedorias dos Tribunais de diversos estados, as iniciativas têm sido tímidas. É necessário muito mais.

Fonte: Conjur

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