Abordagem sobre condutas abusivas frequentemente praticada em distratos imobiliários, ocasionados por inadimplemento do promitente vendedor/construtor, com enfoque nos direitos do adquirente
No dia a dia da prática forense, tenho me deparado com um preocupante e crescente cenário consistente na adoção de práticas abusivas, por parte de algumas construtoras, em situações de distrato imobiliário ocasionados por inadimplemento do próprio empreendedor, tais como:
- Imposição unilateral de prazo de até 180 dias, após a expedição do habite-se, para restituição das parcelas pagas pelo adquirente;
- Cobrança indevida de multa rescisória, sobre os valores a serem devolvidos, em prejuízo do adquirente;
- Recusa em aplicar índices de correção monetária na restituição das quantias pagas;
- Recusa em reembolsar os valores despendidos pelo adquirente a título de comissão de corretagem.
As seguintes considerações aplicam-se a qualquer fato imputável ao responsável pela atividade empresarial imobiliária, e que resulte no inadimplemento e rescisão do contrato de aquisição, ou seja, quando a construtora for a parte inadimplente.
No entanto, por motivos didáticos, me concentrarei em uma das maiores causas de distratos imobiliários, isto é, atraso na conclusão das obras, e entrega de empreendimentos.
Pois bem.
Não raramente, construtoras desrespeitam o prazo contratual (e de tolerância de 180 dias, previsto no art. 43-A, da lei 4.591/64, pela redação conferida pela lei 13.786/18) para conclusão das obras, o que per si é caso de inadimplemento contratual imputável ao empreendedor imobiliário, ressalvada hipóteses excepcionais de exclusão da responsabilidade civil (v.g. fortuito externo, e força maior).
Fato é que, com certa frequência, existem dificuldades que são impostas por algumas empresas do ramo, no momento de restituírem os valores pagos pelos consumidores, por ocasião da celebração do distrato imobiliário.
Abordarei nos tópicos subsequentes, os pontos nevrálgicos, e que demandam uma maior atenção, em negociações desta natureza.
A) O direito à restituição imediata e integral, das quantias pagas, de acordo com a súmula 543 do STJ, no caso de inadimplemento do contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao CDC – Código de Defesa do Consumidor, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor.
Salvo hipóteses excepcionalíssimas, a grande maioria dos contratos de promessa de compra e venda de imóveis comercializados “na planta” são regidos pelo CDC.
Inclusive, à luz da teoria finalista mitigada, a incidência do Diploma Consumerista (lei Federal 8.078/90), nessas relações jurídicas, é atraída também para os casos nos quais o adquirente formaliza o negócio com o propósito de investimento e proteção inflacionária, sobretudo nas situações em que se trata de “investidor ocasional”, sem expertise no ramo, hipótese que o insere em evidente quadro de vulnerabilidade técnica, se comparado à figura da construtora, conforme a tradicional jurisprudência do Colendo STJ (REsp 1.785.802/SP, relator ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/2/19, DJe 6/3/19).
Sendo assim, nos episódios em que o inadimplemento contratual for ocasionado por culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor (p.ex., atraso na entrega do imóvel em período que extrapola o prazo de tolerância contratual e legal), o adquirente possui direito à imediata restituição das parcelas pagas, de maneira integral, tal como preceitua o enunciado da súmula 543, do STJ, in ipsis litteris: “Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao CDC, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento.”.
Aliás, o mencionado verbete sumular encontra substrato no próprio art. 475, do Código Civil, segundo o qual “A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”.
Portanto, em tais circunstâncias, é absolutamente indevida a exigência de cláusula penal (como subterfúgio ao abatimento do saldo de parcelas a serem restituídas) em desfavor do promitente comprador na ocasião em que for celebrado o respectivo termo de distrato imobiliário.
De igual modo, se revela abusiva a adoção de um prazo unilateral extenso para o reembolso das parcelas pagas, tendo em vista que o ressarcimento deve ser imediato, isto é, em um curto lapso temporal.
B) O direito do promitente comprador em receber os valores devidamente corrigidos, segundo índices inflacionários, inclusive com acréscimo de cláusula penal, previstas contratualmente.
Segundo o art. 389, do Código Civil, na sua última redação conferida pela lei 14.905/24, “Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros, atualização monetária e honorários de advogado.”.
Portanto, a incidência de correção monetária nas parcelas que serão ressarcidas ao promitente adquirente independe de previsão expressa no contrato, e se opera “ope legis”, consistindo em um imprescindível mecanismo legal de proteção contra perdas inflacionárias.
Por sua vez, a cláusula penal (multa contratual), tem como função primordial a estipulação da indenização em caso de descumprimento contratual (prévia fixação das perdas e danos), sem prejuízo da sua incumbência “coercitiva”, eis que também estimula a observância dos exatos termos do pacto firmado pelos contratantes.
Em vista disso, uma vez estabelecida cláusula penal em desfavor do promitente vendedor/construtor, para as hipóteses de inexecução do contrato por sua culpa exclusiva, o adquirente terá o direito subjetivo de exigir o pagamento desta quantia pecuniária, comumente estipulada em percentuais que variam de 10% a 20% do valor contratual.
Deste modo, ad cautelam, quando o promitente adquirente for celebrar o respectivo distrato imobiliário, deverá observar se estão sendo adotados os índices de correção monetária respectivos, aplicados sobre cada parcela desembolsada, além de eventual cláusula penal que faça jus, direitos estes que frequentemente são vilipendiados em negociações desta natureza.
C) O direito de obter o ressarcimento de valores pagos a título de comissão de corretagem, em observância ao princípio da reparação integral.
A lei 8.079/90 prestigiou o princípio da reparação integral em favor do consumidor (art. 6º, inciso VI, CDC), visando a sua restituição ao status quo ante, isto é, ao momento que precedeu o inadimplemento contratual, como forma de indenizá-lo de todos os prejuízos que lhe foram ocasionados pelo inadimplemento contratual do fornecedor.
Isto significa que, nas situações em que o promitente vendedor/construtor for o único responsável pela resolução do pacto, certamente deverá ressarcir o adquirente de todas as perdas e danos que sofreu (art. 475, Código Civil), incluindo a comissão de corretagem.
Não desconhecendo aqueles que adotam conclusão diversa, sou adepto à corrente ideológica, segundo a qual, em observância ao princípio supramencionado, a comissão de corretagem integra o conceito de perdas e danos a serem ressarcidas ao promitente adquirente pelo promitente vendedor/construtor, tendo em vista que se classifica como evidente dano emergente (prejuízo financeiro imediato) suportado pelo consumidor, unicamente em razão da desídia contratual do empreendedor imobiliário.
E neste ponto, defendo que mesmo em situações nas quais a comissão de corretagem foi repassada ao corretor de imóveis (seja ele vinculado ou não à construtora), tal ressarcimento deverá ocorrer, tendo em vista que se trata de situação inerente ao risco do negócio assumido pelo empreendedor/construtor de imóveis.
Neste sentido, aliás, existem inúmeros precedentes judiciais, dos quais cito verbi gratia: (TJ/SP – Apelação Cível: 1019178-40.2022.8.26.0100 São Paulo, Relator: Dimas Rubens Fonseca, Data de Julgamento: 19/1/23, 28ª câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 19/1/23); (TJ/SP – AC: 10089912220178260011 SP 1008991-22.2017.8.26.0011, Relator: Silvério da Silva, Data de Julgamento: 23/2/21, 8ª câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 23/2/21).
D) Conclusão
Pelas considerações expostas, é sempre recomendável ao consumidor observar as nuances legais que envolvem o distrato imobiliário, sobretudo os seus direitos previstos no ordenamento jurídico brasileiro, amparados em sólidas orientações jurisprudenciais do Poder Judiciário, como forma de evitar prejuízos desproporcionais que lhe possam ser causados.
Eventual imposição de práticas abusivas por parte do promitente vendedor/construtor, não apenas violam os princípios da boa-fé objetiva e do equilíbrio contratual, os quais balizam o sistema civilista e consumerista brasileiro, mas também impõem ao consumidor um ônus desproporcional, contrariando as disposições legais que balizam o tema.
Fonte: Migalhas
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