A Usucapião Extrajudicial é um procedimento administrativo – resolvido inteiramente no âmbito dos Cartórios Extrajudiciais, sem a necessidade de um processo judicial – que visa o reconhecimento da aquisição de um bem imóvel por meio da posse prolongada e ininterrupta, conforme previsto no Código Civil, Código de Processo Civil e na Lei de Registros Publicos. O processo, que precisa da assistência obrigatória de Advogado, foi desenhado para ter solução rápida e menos burocrática – e de fato assim deve acontecer na grande maioria das vezes – porém, mesmo na VIA EXTRAJUDICIAL, ninguém está imune a incidentes corriqueiros presentes no processo de Usucapião da VIA JUDICIAL – como por exemplo, o falecimento do requerente durante a tramitação da demanda, antes do encerramento com a apreciação de seus pedidos. Como proceder então, quando a parte falece antes do encerramento do procedimento em Cartório?

Em primeiro lugar, é importante destacar que o falecimento do requerente não deve extinguir automaticamente o procedimento de Usucapião Extrajudicial, da mesma forma como deve acontecer na via judicial (que inclusive já detalhamos em https://www.juliomartins.net/pt-br/node/155). Os direitos do requerente agora falecido – inclusive os direitos possessórios veiculados na forma do art. 216-A para convertê-los em propriedade pelo reconhecimento extrajudicial da Usucapião – transmitem-se aos seus herdeiros com a carga patrimonial do Espólio haja vista que ninguém há de contestar a potencialidade que envolve os direitos possessórios – dotados de evidente importância patrimonial e jurídica. Os herdeiros podem se habilitar no procedimento, apresentando a certidão de óbito do requerente e suas certidões do registro civil que comprove a qualidade de herdeiros, para que possam dar continuidade ao procedimento em nome do Espólio.

Um aspecto interessante é que não resolvido o Espólio (ou seja, não realizado o Inventário – judicial ou extrajudicialmente) eventual reconhecimento da aquisição da propriedade imobiliária deve se dar em nome do ESPÓLIO e não em nome dos eventuais herdeiros. Nesse sentido importante decisão do TJSP, muito didática por sinal e perfeitamente aplicável à Usucapião Extrajudicial:

“TJSP. 2068700-57.2024.8.26.0000. J. em: 05/06/2024.. AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE USUCAPIÃO – Decisão que indeferiu pedido de habilitação – Insurgência dos requerentes – Sucessão processual em ação de usucapião – Possibilidade de ingresso direto dos herdeiros no polo ativo, por não ter sido aberto inventário – Princípio da saisine – Hipótese que não implica alteração no pedido, devendo, em caso de procedência, ser registrado o bem EM NOME DO FALECIDO, e posteriormente submetido o bem a INVENTÁRIO – Estado de indivisão que cessará somente após a partilha – Decisão reformada – Agravo provido”.
É lógico que se reconhecida a aquisição da propriedade imobiliária pela Usucapião em favor do Espólio, posteriormente a partilha deste bem titularizado pelo Espólio em favor dos herdeiros deverá ser resolvida, seja de forma judicial, seja de forma extrajudicial se preenchidos os requisitos – e parece que a decisão acima expressa isso para espancar quaisquer dúvidas mesmo.

Doutro turno, se partilhados os direitos possessórios entre os herdeiros (já que a transmissão do complexo de bens e direitos não partilhados – ou universalidade, como queira – é automática na forma do art. 1.784 do Código Civil – mas isso não significa que o Inventário deva ser dispensado, embora alguns assim ainda entendam) entendemos que, nos termos dos arts. 1.207 e 1.243 do mesmo Códex, se preenchidos os requisitos legais, a SOMA DAS POSSES (sucessio possessionis) deve ser admitida e, nesse caso – realizado um NOVO PEDIDO perante o RGI, agora pelos novos requerentes com a invocação da sucessio possessionis em seu favor – o reconhecimento da Usucapião deverá ser declarado já em seus nomes diretamente.

Em Cartório, em se tratando de Usucapião Extrajudicial, não se esqueça: novo pedido perante o RGI e instrução de nova Ata Notarial, sem prejuízo de eventuais anteriores já lavradas.

Por fim, decisão igualmente importante do mesmo TJSP que, corrigindo sentença do primeiro grau, determina que o reconhecimento da Usucapião seja feito em nome do ESPÓLIO e não diretamente dos herdeiros habilitados haja vista a necessidade do Inventário já que o reconhecimento da Usucapião – como sabemos – tem efeitos retroativos que declaram a propriedade desde o início do exercício da posse qualificada pelo usucapiente (lição do mestre BENEDITO SILVÉRIO em seu Tratado de Usucapião):

“TJSP. 1121009-44.2016.8.26.0100. J. em: 28/04/2022. Usucapião. Autora que faleceu no curso da ação, sendo sucedida pelos herdeiros. Sentença que julgou procedente o feito, declarando a propriedade, diretamente, em nome dos herdeiros. Sucessão processual, conforme o artigo 110 do CPC, que se pode dar pelos herdeiros, no caso ausente abertura de inventário, o que se reforça na ação de usucapião, embora com o que não se confunda o mérito da demanda. Circunstância que não se altera pelo falecimento da demandante ou pelo princípio da saisine. Divisão que se deve levar ao Inventário. Sentença em parte revista. Recurso parcialmente provido”.

Fonte: Julio Martins

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