Apelação n° 1117219-71.2024.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1117219-71.2024.8.26.0100
Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1117219-71.2024.8.26.0100

Registro: 2025.0000273363

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1117219-71.2024.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante ROBERTA SERSON PESTANA, é apelado 4º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 13 de março de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1117219-71.2024.8.26.0100

APELANTE: Roberta Serson Pestana

APELADO: 4º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo

VOTO Nº 43.713

Direito civil – Apelação – Registro de imóveis – Negado provimento.

I. Caso em Exame

1. Apelação interposta contra sentença que negou o registro de escritura pública de doação de imóvel, devido ao registro anterior de instituição de bem de família na matrícula.

II. Questão em Discussão

2. A questão em discussão consiste em determinar se a instituição anterior do bem de família impede o registro da doação do imóvel.

III. Razões de Decidir

3. O Código Civil, em seus artigos 1.717 e 1.719, estabelece que a alienação do bem de família ou sua extinção depende de decisão judicial antecedida pela oitiva dos interessados e do Ministério Público.

4. A jurisprudência do TJSP é uníssona no sentido de que questões que envolvem modificação dos termos da instituição do bem de família são de competência do Juízo da Família e das Sucessões, não sendo possível a alteração na via administrativa.

IV. Dispositivo e Tese

5. Apelação desprovida.

Tese de julgamento: 1. A alienação de bem de família depende de autorização judicial. 2. A competência para decidir sobre a desconstituição de cláusula de be de família é do Juízo da Família e das Sucessões.

Legislação Citada:

– Código Civil, arts. 1.717, 1.719.

Jurisprudência Citada:

– TJSP, Conflito de competência cível 0009286-65.2024.8.26.0000, Rel. Sulaiman Miguel Neto, Câmara Especial, j. 17.04.2024;

– TJSP, Conflito de competência cível 0003413-84.2024.8.26.0000, Rel. Torres de Carvalho, Câmara Especial, j. 06.02.2024;

– TJSP, Conflito de competência cível 0034586-73.2017.8.26.0000, Rel. Xavier de Aquino, Câmara Especial, j. 04.12.2017.

Trata-se de apelação interposta por Roberta Serson Pestana, contra a r. sentença de fls. 52/55, proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do 4º Registro de Imóveis da Capital, que, mantendo a exigência apresentada pela Oficial, negou o registro de escritura pública de doação na matrícula nº 191.690 daquela serventia.

Sustenta a apelante, em síntese, que não é cabível a exigência de cancelamento da cláusula de bem de família para o registro da doação do imóvel, pois não haverá alteração na destinação prevista no ato da instituição da referida cláusula. Pede, ao final, a reforma de sentença para que seja determinado o imediato registro da escritura pública de doação (61/70).

A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls. 94/98).

Após a decisão de fls. 100, a representação processual da apelante foi regularizada (fls. 103/104).

É o relatório.

Pretende a apelante o registro da escritura pública de doação copiada a fls. 12/16, por meio da qual seu pai, Marcio Pestana, lhe doou os imóveis matriculados sob nºs 191.690 (apartamento) e 191.772 (garagem) no 4º Registro de Imóveis da Capital.

O registro não foi admitido nem pelo Oficial nem pela MM. Juíza Corregedora Permanente, sob o argumento de que a instituição voluntária pelo doador do apartamento como bem de família (cf. R.6 da matrícula nº 191.690 – fls. 24) impede a inscrição da doação.

E a desqualificação do título está correta. Preceituam os arts. 1.717 e 1.719 do Código Civil:

Art. 1.717. O prédio e os valores mobiliários, constituídos como bem da família, não podem ter destino diverso do previsto no art. 1.712 ou serem alienados sem o consentimento dos interessados e seus representantes legais, ouvido o Ministério Público.

Art. 1.719. Comprovada a impossibilidade da manutenção do bem de família nas condições em que foi instituído, poderá o juiz, a requerimento dos interessados, extingui-lo ou autorizar a sub-rogação dos bens que o constituem em outros, ouvidos o instituidor e o Ministério Público.

O art. 1.717 do Código Civil trata da alienação do bem de família – categoria em que a doação se enquadra –, enquanto o art. 1.719 do mesmo Código dispõe a respeito da extinção do bem de família instituído voluntariamente.

Embora o art. 1.717 não mencione a necessidade de decisão judicial para a alienação do bem de família voluntário, bastando a oitiva do instituidor e do Ministério Público, há certo consenso na doutrina de que à venda do bem gravado também se aplica o disposto no art. 1.719 do CC, que dispõe que cabe ao juiz decidir se a impossibilidade da manutenção do bem de família está comprovada[1].

No Estado de São Paulo, essa decisão judicial – seja no caso de cancelamento, seja no caso de alienação do bem – é de competência do Juízo da Família e das Sucessões. Nesse sentido:

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE DESCONTITUIÇÃO DE CLÁUSULA DE BEM DE FAMÍLIA. Redistribuição dos autos ao Juízo da Vara Cível. Impossibilidade. Matéria afeita à competência da Vara Especializada da Família e das Sucessões. Inteligência do art. 37, II, “f”, do Código Judiciário do Estado de São Paulo (Decreto-Lei Complementar nº. 3 de 27.08.1969). Precedentes. CONFLITO PROCEDENTE. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO” (TJSP; Conflito de competência cível 0009286-65.2024.8.26.0000; Relator (a): Sulaiman Miguel Neto; Órgão Julgador: Câmara Especial; Foro de Piracicaba – 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 17/04/2024; Data de Registro: 17/04/2024).

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. Pedido de baixa de averbação de bem de família sobre imóvel. Ajuizamento perante a Vara da Família. Redistribuição para a Vara de Registros Públicos. Impossibilidade. Causa que não versa sobre matéria atribuída à Vara especializada, segundo o que prevê o artigo 38 da Lei de Organização Judiciária. Questão relativa à instituição de vínculo de inalienabilidade e impenhorabilidade do bem de família que é matéria prevista no rol de competência da especializada da família. Inteligência do art. 37, II, “a”, do CJ. Ademais, necessidade de nomeação de curador especial para interesses de filho menor. Precedentes. Procedente o conflito. Competência do MM. Juízo Suscitado” (TJSP; Conflito de competência cível 0003413-84.2024.8.26.0000; Relator (a): Torres de Carvalho(Pres. Seção de Direito Público); Órgão Julgador: Câmara Especial; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 06/02/2024; Data de Registro: 06/02/2024).

“Conflito Negativo de Competência – Pedido de alvará judicial para alienação de imóvel, constituído como bem de família – Questão afeta à Vara de Família e Sucessões, conforme ajuizado inicialmente pela própria parte, e não à Vara Cível, ora suscitante, vez que gravado com cláusula de inalienabilidade – Incidência do artigo 37, II, ‘f’, do Código Judiciário do Estado de São Paulo – Conflito procedente – Competência do MM. Juízo Suscitado, 2ª Vara de Família e Sucessões de Osasco – Precedentes desta Câmara” (TJSP; Conflito de competência cível 0034586-73.2017.8.26.0000; Relator (a): Xavier de Aquino (Decano); Órgão Julgador: Câmara Especial; Foro de Osasco – 2ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 04/12/2017; Data de Registro: 19/12/2017).

Em outras palavras, não é pela via administrativa que alterações nos termos da instituição do bem de família podem ser efetuadas.

Nem se argumente que o fato de a apelante residir no imóvel preserva “a finalidade para o qual o bem de família fora instituído, qual seja, ser a moradia de entidade familiar” (fls. 67).

Isso porque o art. 1.716 do Código Civil prevê que os efeitos do bem de família durarão “enquanto viver um dos cônjuges, ou, na falta destes, até que os filhos completem a maioridade”. Por meio desse dispositivo, estabeleceu-se o caráter transitório do bem de família voluntário.

Assim, pouco importa se a apelante, que é maior de idade (fls. 17), reside no bem que lhe foi doado, pois a proteção advinda do bem de família não lhe diz respeito. Não havendo notícia de filhos menores, a proteção perdura enquanto o pai dela viver. Se a intenção é que o imóvel se torne novamente bem de família – desta vez beneficiando a donatária – necessária a autorização judicial para o cancelamento do R.6 da matrícula nº 191.690 (fls. 24), com nova instituição de bem de família, a qual poderá ser realizada inclusive por meio de doação (art. 1.711, parágrafo único, do Código Civil).

Finalmente, o fato de o imóvel estar sendo doado pelo beneficiário da proteção decorrente do bem de família não altera o que foi aqui exposto. Com efeito, em especial na esfera administrativa, não cabe ao intérprete fazer distinção não realizada pela lei (“Ubi lex non distinguir nec nos distinguere debemus”).

Se, sem ressalva alguma, a alienação deve ser autorizada judicialmente, a regra se aplica em todos os casos, inclusive na hipótese de doação realizada pelo instituidor/beneficiário do bem de família.

Desse modo, correto o óbice apontado pelo Oficial e mantido pela MM. Juíza Corregedora Permanente.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Nota:

[1] Nesse sentido, comentário ao art. 1.717 do Código Civil em Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência : Lei n. 10.406 de 10.01.2002 / coordenador Cezar Peluso. – 11. ed. rev. e atual. – Barueri, SP : Manole, 2017, p. 1.928/1.929) (DJe de 26.03.2025 – SP)

Fonte: DJE

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