Sucessão familiar exige preparo, estrutura e diálogo. Sem planejamento, há risco de conflitos, crises e até o fim da empresa

A sucessão em empresas familiares é inevitável. Mas o que pode – e deve – ser evitado é a ruptura, o conflito e a descontinuidade.

Em muitos casos, o fundador permanece no comando até o limite da sua capacidade, adiando conversas difíceis e deixando herdeiros despreparados. O resultado? Conflitos societários, quedas de faturamento e até o fim do negócio.

Neste artigo, vamos mostrar como uma sucessão bem planejada é um projeto de continuidade – e não um ato isolado. E, principalmente, como isso se faz com estrutura, tempo e conversa.

(I) O mito da sucessão natural: por que esperar “o momento certo” pode custar caro

A ideia de que a sucessão ocorrerá de forma natural, em um futuro conveniente, é um dos maiores erros de planejamento. Deixar para tratar do assunto apenas quando o fundador não é mais capaz de gerir o negócio costuma resultar em conflitos e desorganização, o que poderá culminar em uma grande crise e ser o fim daquela sociedade. Além disso, a falta de planejamento prévio deixa os herdeiros despreparados para tomar decisões estratégicas e operacionais. Sociedades que não antecipam a sucessão correm o risco de perder competitividade e até mesmo de ver seu patrimônio diluído.

(II) Planejamento sucessório é estratégia, segurança, continuidade e legado

É comum relacionar o planejamento sucessório a somente a transferência dos bens para uma suposta blindagem patrimonial. No entanto, fato é que não existe verdadeira blindagem patrimonial. O valor desse tipo de organização está na sua função estratégica: preservar o negócio enquanto legado, garantir a continuidade da gestão empresarial e reduzir potenciais conflitos entre herdeiros.

O planejamento sucessório permite antecipar decisões que, se deixadas para o momento da sucessão, podem resultar em disputas judiciais, paralisação de negócios ou até dissolução de sociedades. Ao organizar, ainda em vida, a forma como o patrimônio e o comando da sociedade serão transmitidos, o empresário assegura maior estabilidade e previsibilidade para o futuro da família e da atividade econômica, de acordo com seus desejos e com o que é factível em seu contexto familiar.

Para isso, diversas ferramentas podem ser utilizadas – como testamentos, criação de um conselho dentro da sociedade para decidir sobre questões específicas, doações com cláusulas específicas, acordos de sócios – sempre à luz da realidade de cada núcleo familiar e do porte da empresa. A constituição de uma holding, nesse contexto, é uma das formas possíveis de centralizar e organizar bens e participações societárias, favorecendo a governança e facilitando a transição entre gerações, quando bem estruturada e alinhada com os objetivos sucessórios.

O mais importante é compreender que o planejamento sucessório é, antes de tudo, uma medida de proteção e perenidade. Não se trata apenas de evitar conflitos, mas de promover segurança jurídica, organização patrimonial e um modelo de gestão alinhado à visão de longo prazo da família empresária e da própria operação em si.

(III) Papel dos herdeiros e dos gestores profissionais

É comum que as sociedades enfrentem conflitos relacionados ao papel dos herdeiros e dos gestores profissionais. Nem sempre os herdeiros dos fundadores possuem o perfil, o preparo ou mesmo o interesse em assumir a liderança do negócio.

Nesse cenário, torna-se fundamental definir com clareza as funções e responsabilidades de cada parte, considerando inclusive a possibilidade de contar com profissionais externos na gestão da empresa.

A governança corporativa exerce papel essencial nesse processo, ao alinhar interesses, promover a integração entre gerações e garantir a longevidade da organização. A criação de conselhos consultivos ou administrativos com participação de membros independentes, por exemplo, pode ser uma estratégia eficiente para equilibrar tradição e inovação.

Além disso, a adoção de processos decisórios bem definidos e mecanismos de transparência contribui para a redução de conflitos internos e para o fortalecimento de uma cultura organizacional orientada à continuidade e à sustentabilidade do negócio familiar.

(IV) Checklist: sua empresa está pronta para a sucessão?

– Existe um planejamento sucessório formalizado?

– Os herdeiros estão preparados e capacitados para assumir papéis estratégicos?

– Há protocolos e acordos de sócios bem definidos?

– Seu Contrato Social está bem estruturado para disputas societárias e a sucessão?

– O planejamento tributário está alinhado com o planejamento sucessório?

– A governança corporativa está estabelecida e em funcionamento?

A sucessão sem ruptura é um projeto que exige planejamento, diálogo e estrutura. Ao adotar uma abordagem estratégica e organizada, é possível garantir que a troca de mãos ocorra de forma harmoniosa, preservando o patrimônio e o legado da empresa para as próximas gerações.

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RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial: volume único. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2022.

VELLOSO, Simone Pitten; GRISCI, Carmen Ligia Iochins. Governança corporativa e empresas familiares em processo sucessório: a visão de consultores e de famílias empresárias. Revista de Gestão, São Paulo, v. 22, n. 1, p. 72-88, 2015. Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=337232942008. Acesso em: 31 mar. 2025.

BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 1, 11 jan. 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 31 mar. 2025.

BRASIL. Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 1, 17 dez. 1976. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6404consol.htm. Acesso em: 31 mar. 2025.

Fonte: Migalhas

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