RENÚNCIA e ACEITAÇÃO são dois institutos do Direito das Sucessões que juridicamente não possuem significado diferente do que o dicionário deverá apontar para as referidas palavras quando consultadas fora do contexto do direito. O dicionário Oxford define “aceitar” como “consentir em receber (o que é dado ou oferecido)”, enquanto “renunciar” tem definição como “não querer; recusar, rejeitar”. Em Direito das Sucessões “Aceitação” e “Renúncia” são tratados no art. 1.804 e seguintes do Código Civil, valendo anotar que Renúncia será sempre expressa enquanto a Aceitação pode ser expressa e também tácita (e aí que podem começar os problemas). Vale a transcrição:

“Art. 1.804. Aceita a herança, torna-se definitiva a sua transmissão ao herdeiro, desde a abertura da sucessão”.
“Art. 1.805. A aceitação da herança, quando expressa, faz-se por declaração escrita; quando tácita, há de resultar tão-somente de atos próprios da qualidade de herdeiro”.
“Art. 1.806. A renúncia da herança deve constar expressamente de instrumento público ou termo judicial”.

A renúncia à herança, prevista no artigo 1.806 do Código Civil brasileiro, consiste na declaração pela qual o herdeiro REPUDIA ao direito à herança que lhe compete em razão de falecimento de alguém, nos termos do art. 1.829 e 1.784, devendo ser compreendido que seu principal efeito é aquele lapidado no par. único do art. 1.804:

“Parágrafo único. A transmissão tem-se por não verificada quando o herdeiro renuncia à herança”.
Se não houve transmissão, o herdeiro renunciante não recebe a herança e consequentemente não paga imposto causa mortis (ITCMD) pelo fato gerador recebimento da herança. A parte repelida volta para o monte para ser dividida pelos outros herdeiros não renunciantes mas se ele for único, o bolo renunciado deve ser partilhado com os herdeiros da classe subsequente, como determina o art. 1.810 do Código Civil:

“Art. 1.810. Na sucessão legítima, a parte do renunciante acresce à dos outros herdeiros da mesma classe e, sendo ele o único desta, devolve-se aos da subseqüente”.
É relevante observar que a Renúncia é ato solene e, por isso, deve ser manifestada por ESCRITURA PÚBLICA (que tem utilização tanto no Inventário Judicial quanto no Inventário Extrajudicial) ou por TERMO JUDICIAL, que naturalmente, deve ser utilizada no bojo do Inventário Judicial.

Será mesmo que o herdeiro pode renunciar a qualquer momento, desimportando se o Inventário tramita há muito tempo sem solução (por culpa sua ou não) e mesmo que tenha já praticado certos atos que possam ser interpretados como uma ACEITAÇÃO TÁCITA da herança?

Quem aceita a herança não pode, posteriormente, renunciar ao que já tem/já recebeu. Essa premissa é importante especialmente em casos onde passado muito tempo, depois de certas condutas (comissivas ou passivas), determinado herdeiro pretende renunciar à herança – e pode tentar fazer isso movido por diversos motivos, como por exemplo, deixar de pagar imposto (ITCMD) inclusive…. a bem da verdade, se ele concorreu de alguma forma – ativa ou passivamente – de modo a deixar configurar com sua conduta a ACEITAÇÃO TÁCITA a Renúncia não pode ser considerada válida (e, como já falamos em outros ensaios, o remédio para transferir a herança aceita é outro: a Cessão de Direitos Hereditários).

Como reza o art. 1.805 citado acima, a aceitação da herança pode ocorrer de forma EXPRESSA ou TÁCITA. A aceitação expressa se dá mediante declaração formal, por escrito, ou por ato judicial que evidencie tal manifestação, como a assinatura de termo nos autos do inventário. Já a aceitação tácita ocorre quando o herdeiro pratica atos que só seriam justificáveis pela condição de sucessor, tais como a administração dos bens hereditários, o pagamento de dívidas do espólio, ou a alienação de bens pertencentes à herança, dentre outros. A doutrina e a jurisprudência entendem que a aceitação tácita implica a consolidação do direito sucessório, impedindo, assim, a chamada “RENÚNCIA POSTERIOR”.

Portanto, só é possível renunciar ao que ainda não foi aceito (tácita ou expressamente). Caso o herdeiro tenha aceitado a herança, mesmo que tacitamente, não poderá mais renunciar, salvo se houver anulação ou revogação da aceitação, o que é juridicamente muito mais complexo e excepcional. Uma vez aceita a herança (e por isso haverá o fato gerador a justificar o recolhimento de imposto “causa mortis”) não deve mais se falar em renúncia ou repúdio mas sim transmissão daquilo que já se recebeu, na forma do art. 1.793 do Código Civil, via Cessão de Direitos Hereditários que também deve ser feito por ESCRITURA PÚBLICA, exigirá recolhimento do imposto respectivo (ITBI ou ITD) e terá utilização tanto no Inventário Judicial quanto no Inventário Extrajudicial. Nesse sentido, decisão recente do TJMG reputando como inválida a suposta renúncia posterior uma vez identificados no caso analisado “atos próprios de herdeiro” que revelam a aceitação tácita:

“TJMG. 3436203-02.2023.8.13.0000. J. em: 27/06/2024. AGRAVO DE INSTRUMENTO – INVENTÁRIO – ACEITAÇÃO DA HERANÇA – FORMA TÁCITA – ATOS PRÓPRIOS DE HERDEIRO – CONFIGURADOS – IRREVOGABILIDADE – RENUNCIA – POSTERIOR – IMPOSSIBILIDADE. – O artigo 1.805 do Código Civil dispõe que a aceitação da herança, poderá ocorrer de forma expressa por declaração escrita e de forma tácita, como resultado da prática de atos próprios da qualidade de herdeiro – A atuação como inventariante, com a apresentação de primeiras declarações, bem como o TRANSCURSO DE ANOS sem que o herdeiro pleiteasse a renúncia, configuram aceitação tácita – Nos termos do artigo 1.812, a aceitação, assim como a renúncia à herança, possui caráter irrevogável, de modo que, verificada a aceitação, revela-se impossibilitada a posterior renúncia”.

Fonte: Julio Martins

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