Como o controle da conta notarial é feito por tabeliães, a novidade é vista como uma medida de desjudicialização
Os cartórios de notas brasileiros passaram a oferecer um serviço equivalente às contas “escrow” dos Estados Unidos: uma conta bancária em que o contratante deposita o pagamento por um serviço, a quantia fica sob custódia da instituição financeira, e só é repassada ao vendedor após todas as condições do contrato terem sido cumpridas. Como o controle é feito pelos tabeliães, a novidade é vista como medida de desjudicialização.
A conta notarial foi prevista pelo Marco Legal das Garantias (Lei nº 14.711/23) e regulamentada pelo Provimento nº 197/2025 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Além dos contratos com cláusulas condicionantes, ela poderá ser usada na compra e venda de automóvel ou imóvel, acordos extrajudiciais, partilhas de bens, entre outros.
A novidade poderá transformar os negócios no país, segundo Giselle Oliveira de Barros, presidente do Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal (CNB/CF). “Ao garantir que o valor só será liberado com o cumprimento do que foi pactuado, a Conta Notarial protege ambos os lados do contrato e ainda ajuda a reduzir tanto o custo do crédito, quanto o número de disputas judiciais, ao contribuir com a desjudicialização”, afirma.
O serviço oferecido em fase piloto por alguns cartórios durante um ano já está disponível em cerca de 400 cartórios. Caberá a cada estabelecimento se cadastrar junto ao CNB para passar a ofertar o produto. Atualmente, há 8.500 cartórios de notas no país.
Especialistas afirmam que, hoje, não existe nenhum instrumento legal parecido no país. É possível fazer operações equivalentes diretamente com os bancos, mas eles não têm condições de verificar o cumprimento das cláusulas dos contratos da mesma forma que os tabeliães poderão fazer, de acordo com os especialistas.
Para Arthur Mendes Lobo, do Wambier, Yamasaki, Bevervanço & Lobo Advogados, a grande inovação do Provimento nº 197 foi introduzir o tabelião de notas como agente de confiança para a operação. “O tabelião, por ser um agente público, aprovado em concurso, com formação jurídica sólida e investido de fé pública, oferece à operação um grau superior de segurança técnica e neutralidade. Ele possui a capacidade jurídica necessária para verificar, com objetividade e imparcialidade, se as condições pactuadas pelas partes foram efetivamente atendidas”, afirma.
A fé pública que reveste os atos do tabelião significa que suas declarações sobre o cumprimento das condições do contrato gozam de presunção de veracidade, conforme explica o advogado. “Essa característica reduz significativamente os riscos de litígios judiciais futuros ao oferecer maior segurança jurídica para todas as partes envolvidas”, diz.
Outro grande atrativo da conta notarial em relação às demais no mercado é o preço. Para usar uma conta notarial, o empresário procura o cartório, que abre a conta no banco e fica sendo o seu gestor. O empresário pagará 0,08% sobre o valor do contrato para a instituição financeira – um valor bastante abaixo do que os bancos costumam cobrar. Não há taxa a ser paga diretamente ao cartório, que será remunerado pelo banco.
Giselle Oliveira de Barros destaca, ainda, o caráter de patrimônio de afetação atribuído à conta notarial. Isso significa que a quantia depositada é impenhorável e, assim, não entra em uma recuperação judicial, por exemplo, o que reforça o intuito de proteção do patrimônio mobilizado para a transação.
Por enquanto, as contas notariais não vão gerar rendimento financeiro, como acontece hoje com as contas judiciais. A razão, de acordo com Giselle, é que a intenção, neste primeiro momento, é de solucionar demandas de curto prazo, às vezes de um dia para o outro. “Compra e venda de carro ou de imóvel são bons exemplos”.
“Se uma parte está com medo de assinar o contrato e não receber o pagamento, e a outra está com medo de pagar e não receber o produto, dependendo do risco que se está garantindo com a conta notarial, vale a pena renunciar a 0,08% do valor para ter essa segurança”, diz a presidente do CNB/CF.
Por enquanto, o CNB está conveniado com o banco Safra e mirando operações simples de varejo, em que as condições objetivas de cumprimento do contrato são facilmente verificadas. Com o tempo, diz Giselle, os convênios podem se ampliar para outras instituições financeiras e as operações poderão ficar mais complexas.
Mas os critérios desses contratos devem continuar sendo de fácil averiguação, conforme destaca Marc Stalder, do Demarest Advogados. “Muitas vezes não é possível prever um evento claro e objetivo para condicionar a liberação do valor”, diz. “Com a ajuda do tabelião para a redação desses termos, é possível incluir variáveis para liberar o dinheiro, pode haver uma liberdade muito grande”, acrescenta.
Fonte: Valor Econômico
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