A questão da usucapião de um imóvel de herança por apenas um dos herdeiros é uma das mais delicadas e recorrentes no direito imobiliário. A situação clássica envolve múltiplos sucessores, mas apenas um deles permanece no imóvel, cuidando, pagando as contas e agindo como se fosse o único dono por décadas, enquanto os demais se mantêm inertes. Surge, então, a dúvida: é possível que este herdeiro possuidor regularize a propriedade integralmente em seu nome, excluindo os outros? A resposta, consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), é afirmativa, mas o caminho exige a comprovação de requisitos muito específicos, especialmente a transformação da natureza da posse.
O ponto central para entender a usucapião entre herdeiros reside na natureza da posse. Com o falecimento, pelo Princípio de Saisine, a herança é transmitida imediatamente a todos os herdeiros, formando um condomínio pro indiviso sobre o patrimônio. Isso significa que todos são donos de uma fração ideal do todo. Inicialmente, a posse de um herdeiro sobre o imóvel comum é considerada um ato de mera tolerância por parte dos demais. Para que a usucapião seja possível, é imprescindível que essa posse se transforme (e aqui entra em cena o fenômeno da “interversão da posse”): ela deve deixar de ser tolerada e passar a ser uma posse exclusiva, com ânimo de dono (“animus domini”), como se o imóvel não pertencesse a mais ninguém.
A comprovação dessa interversão (ou inversão, caso queira) do caráter da posse é o maior desafio para o herdeiro que busca a usucapião. Não basta apenas morar no local. É necessário demonstrar, por meio de provas robustas, que ele passou a agir como o único e exclusivo proprietário, e que os outros coerdeiros tinham ciência disso e nada fizeram. Provas contundentes incluem o pagamento exclusivo e ininterrupto de todos os impostos (IPTU) e taxas por longos anos, a realização de benfeitorias e construções significativas no terreno sem qualquer ajuda financeira dos demais, e a ausência total de oposição ou reivindicação por parte dos outros herdeiros durante todo o lapso temporal exigido pela lei (que pode variar de 10 a 15 anos, a depender do caso).
Uma vez que o herdeiro possua provas sólidas dessa posse exclusiva e do tempo necessário, ele pode optar pelo procedimento de usucapião extrajudicial em Cartório, uma via mais célere que a judicial. O procedimento inicia-se com a contratação obrigatória de um Advogado, que preparará o pedido e o encaminhará ao Tabelionato de Notas para a lavratura de uma Ata Notarial. Este documento, feito pelo tabelião, atestará o tempo de posse do requerente e suas circunstâncias. Em seguida, todo o conjunto de provas é levado ao Cartório de Registro de Imóveis (RGI) da localidade do bem.
No entanto, é no processo em cartório que reside um ponto crítico: a notificação dos outros herdeiros. O Oficial do Registro de Imóveis é obrigado por lei a notificar todos os demais co-proprietários registrais, que, neste caso, são os outros herdeiros. Se um ou mais deles apresentar impugnação justificada (§10, art. 216-A), opondo-se ao pedido, o procedimento extrajudicial será imediatamente encerrado. O cartório não pode julgar o conflito, e a disputa terá que ser, obrigatoriamente, levada à esfera judicial para que um juiz decida sobre o mérito da questão. Assim a regra do §10 do art. 216-A da LRP:
“§10. Em caso de impugnação justificada do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, o oficial de registro de imóveis remeterá os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum, porém, em caso de impugnação injustificada, esta não será admitida pelo registrador, cabendo ao interessado o manejo da suscitação de dúvida nos moldes do art. 198 desta Lei”.
Na via judicial a intimação dos herdeiros dos titulares registrais também vai ocorrer, porém o judiciário consegue dirimir conflitos já que ali haverá um Magistrado que detém justamente essa função.
Portanto, a usucapião de um imóvel de herança é uma ferramenta jurídica viável, mas de alta complexidade técnica, envolvendo diversos desafio, especialmente na prática. A análise prévia da robustez das provas de posse exclusiva é fundamental antes de iniciar qualquer procedimento. A consulta a um Advogado Especialista em Usucapião e Direito Sucessório não é apenas uma formalidade, mas uma necessidade estratégica para avaliar a viabilidade do caso, orientar na coleta de provas e conduzir o processo da forma mais segura e eficiente, seja no cartório ou, se necessário, na justiça.
Fonte: Julio Martins


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