Processo 1111104-97.2025.8.26.0100
Espécie: PROCESSO
Número: 1111104-97.2025.8.26.0100
Processo 1111104-97.2025.8.26.0100
Dúvida – Registro de Imóveis – Luiz do Nascimento Martins – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: JAIME ANTONIO MARTINS (OAB 109574/SP)
Íntegra da decisão:
SENTENÇA -– Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –
Processo nº: 1111104-97.2025.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Suscitante: 17º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
Suscitado: Luiz do Nascimento Martins
Juiz de Direito: Dr. Rodrigo Jae Hwa An
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo 17º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, a requerimento de Luiz do Nascimento Martins e Jaime Antônio Martins, diante de negativa em se proceder ao registro de escritura pública de venda e compra, envolvendo o imóvel objeto da transcrição n. 5.047 do 7º Registro de Imóveis de São Paulo.
O Oficial informa que foi apresentada, em 29.07.2025, escritura pública de venda e compra lavrada pelo 15º Tabelião de Notas da Capital em 11.10.1963, referente ao imóvel objeto da transcrição n. 5.047 do 7º Registro de Imóveis de São Paulo (atualmente afeto à circunscrição da serventia); que o título foi devolvido reiterando parcialmente nota de devolução anteriormente formulada; que, em seguida, o título foi reapresentado com requerimento para suscitação de dúvida; que o título foi recusado por não atender ao princípio da especialidade objetiva, pois o imóvel é descrito de forma divergente na transcrição e no título; que a descrição da medida da frente do imóvel indicada na escritura pública (9,70 metros) diverge da constante na transcrição (10 metros), não havendo notícia na transcrição de que o imóvel tenha sido objeto de alienação parcial, de modo que a divergência obsta o registro do título; que se procedeu à devolução do título para que fosse providenciada a sua retificação, com a participação de todos os contratantes para que dele conste a correta descrição do imóvel; que também foi exigida a apresentação de certidão atualizada da transcrição do imóvel, pois transcorrido mais de trinta dias desde sua expedição; que a parte interessada apresentou ata retificativa lavrada em 26.03.2025, por meio da qual se retificou a descrição do imóvel, contudo a retificação, nesses casos, depende da participação de todas as partes contratantes, o que não ocorreu; que o fato de não constar na certidão da transcrição a existência de alienação parcial do imóvel não é o bastante para comprovar que os titulares de domínio não transmitiram a faixa de domínio correspondente a 0,30 x 70,00 metros a terceiro por meio de outro título não levado a registro ou que tenham reservado faixa para si; que os fundamentos apresentados pelo interessado não podem ser aceitos, tendo em vista que o título não atende ao princípio da especialidade objetiva e pelo fato de não ter sido apresentada certidão atualizada da transcrição do imóvel; e que, portanto, as exigências devem ser mantidas (fls. 01/04).
Documentos vieram às fls. 05/63.
Em manifestação dirigida ao Oficial, e em impugnação, a parte suscitada aduz que houve erro material na descrição do imóvel constante na escritura pública de venda e compra, motivo pelo qual procedeu-se à ata retificativa; que referido equívoco, ao contrário do sustentado pelo Oficial, não altera ou modifica o conteúdo substancial do negócio jurídico e nem a declaração de vontade das partes; que o título não representa violação ao princípio da especialidade objetiva, pois o imóvel encontra-se devidamente descrito na escritura pública de venda e compra; que, para cumprimento de uma das exigências, apresenta nos autos certidão atualizada da transcrição n. 5,047 do 7º Registro de Imóveis de São Paulo; que nos cadastros municipais o imóvel também consta com testada de 10 metros, de modo a indicar que houve equívoco na escritura pública, que, uma vez retificada, não impede o ingresso registrário do título no fólio real; e que, por tais motivos, o óbice deve ser afastado (fls. 64/67). Juntou documentos (fls. 68/70).
O Ministério Público opinou pela manutenção dos óbices (fls. 74/76).
É o relatório. FUNDAMENTO e DECIDO.
Preliminarmente, verifica-se que a parte não se insurge contra todas as exigências opostas pelo Oficial, notadamente quanto à apresentação de certidão atualizada da transcrição do imóvel (fls. 05/06), de modo que a dúvida resta prejudicada.
Ainda assim, considerando tratar-se de procedimento administrativo e com o objetivo de evitar futuros questionamentos, passa-se à análise do óbice impugnado, o que é possível segundo entendimento do E. Conselho Superior da Magistratura:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – Recusa de ingresso de título – Resignação parcial – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido – Análise das exigências a fim de orientar futura prenotação. Correta descrição dos imóveis envolvidos em operações de desdobro e fusão – Princípio da especialidade objetiva – Manutenção das exigências. Exibição de certidões negativas de débitos federais, previdenciários e tributários municipais – Inteligência do item 119.1. do Cap. XX das NSCGJ – Precedentes deste Conselho – Afastamento das exigências. Exibição de certidões de ações reais, pessoais reipersecutórias e de ônus reais – Exigência que encontra amparo na letra “c” do item 59 do Capítulo XIV das NSCGJ e na Lei nº 7.433/1985 – Manutenção das exigências” (Apelação n.1000786-69.2017.8.26.0539 – Relator Des. Pereira Calças).
Além disso, não se admite o atendimento de exigência no curso do processo de dúvida instaurado para seu questionamento (item 39.5.1, Cap. XX, das NSCGJ), notadamente porque a Corregedoria Permanente somente se manifesta sobre a qualificação realizada pelo Registrador, sendo que eventual atendimento posterior da exigência vulnera a prioridade do protocolo (itens 35 e 37.1, Cap. XX, das NSCGJ).
Caso se obtenha documento complementar necessário ao registro, nova apresentação do título deverá ser providenciada após o encerramento da prenotação em vigor.
No mérito, a dúvida seria procedente.
De proêmio, cumpre ressaltar que o Oficial dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
No Sistema Registral, vigora o princípio da legalidade estrita. Assim, quando o título ingressa para acesso ao fólio real, o Registrador perfaz a sua qualificação mediante o exame dos elementos extrínsecos e formais do título, de acordo com os princípios registrários e legislação de regência da atividade, devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.
É o que se extrai do item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (NSCGJ): “Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.
No caso concreto, constata-se que o suscitado pretende o ingresso no fólio real de um título cuja descrição do imóvel constou “9,70 metros de frente”.
O Oficial apontou óbice ao ingresso registrário do título apresentado pelos seguintes fundamentos:
“Da transcrição nº 5047 emitida pelo 7º Oficial de Registros de Imóveis, constou a descrição:
Um prédio com o seu respectivo terreno, situado na Avenida Guarulhos, n° 58, fundos para Rua Guapiára, no Subdistrito Penha, medindo 10,00 metros de frente para a referida Avenida…”
Por seu turno, do título apresentado o imóvel foi descrito com 9,70 metros de frente.
Assim, diante da divergência deverá o interessado retificar e ratificar a referida escritura, isto é com a participação de todos os envolvidos no negócio, para constar a correta descrição do imóvel.”
A recusa do Oficial, neste ponto, está em estrita conformidade com o princípio da especialidade objetiva, pilar do sistema registral que exige a perfeita e unívoca identificação do imóvel para garantir a segurança jurídica. A divergência de 30 centímetros, ainda que pareça mínima, representa uma alteração na individualização do bem, quebrando a identidade entre o título e o registro. Isso se torna ainda mais relevante ao se considerar que a descrição do imóvel é elemento essencial do negócio jurídico de compra e venda. Qualquer alteração, mesmo que para corrigir um suposto erro, deve preservar a estrutura do acordo de vontades originário, sendo que a modificação unilateral, como a pretendida, viola essa estrutura.
É preciso distinguir, neste ponto, o simples erro material, passível de correção simplificada – como um erro de digitação no nome de uma rua que não gere dúvida sobre a localização do bem – de uma alteração em elemento essencial e quantitativo do imóvel, como suas medidas. A alteração da metragem da testada, ainda que mínima, modifica o objeto do negócio jurídico e afeta a segurança de terceiros, razão pela qual não pode ser tratada como mero erro formal, exigindo, para sua correção, a mesma solenidade do ato original, qual seja, a manifestação de vontade de todos os contratantes.
Pois bem.
A Lei de Registros Públicos preceitua que a forma do título é indispensável para sua admissão no Registro de Imóveis. Somente podem ser admitidos a registro os títulos hábeis que assumam a forma prevista em lei:
“Art. 221 – Somente são admitidos registro:
I – escrituras públicas, inclusive as lavradas em consulados brasileiros;
II – escritos particulares autorizados em lei, assinados pelas partes e pelas testemunhas, com as firmas reconhecidas;
III – atos autênticos de países estrangeiros, com força de instrumento público, legalizados e traduzidos na forma da lei, e registrados no cartório do Registro de Títulos e Documentos, assim como sentenças proferidas por tribunais estrangeiros após homologação pelo Supremo Tribunal Federal;
IV – cartas de sentença, formais de partilha, certidões e mandados extraídos de autos de processo.
V – contratos ou termos administrativos, assinados com a União, Estados, Municípios ou o Distrito Federal, no âmbito de programas de regularização fundiária e de programas habitacionais de interesse social, dispensado o reconhecimento de firma.
VI – contratos ou termos administrativos, assinados com os legitimados a que se refere o art. 3º do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941 (Lei da Desapropriação), no âmbito das desapropriações extrajudiciais.”
Assim, a qualificação registral incide, dentre outros tantos requisitos, na qualidade do próprio título, não se admitindo o acesso de documento apresentado com deficiência formal. A avaliação do título e seus requisitos legais recaem diretamente na análise de sua autenticidade, regularidade formal e conteúdo.
A respeito, o artigo 215 do Código Civil elenca os requisitos formais e materiais que toda e qualquer escritura pública deve atender, dentre eles a assinatura das partes, dos comparecentes e do tabelião de notas ou seu substituto legal (destaques nossos):
“Art. 215. A escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena.
§ 1º. Salvo quando exigidos por lei outros requisitos, a escritura pública deve conter:
I – data e local de sua realização;
II – reconhecimento da identidade e capacidade das partes e de quantos hajam comparecido ao ato, por si, como representantes, intervenientes ou testemunhas;
III – nome, nacionalidade, estado civil, profissão, domicílio e residência das partes e demais comparecentes, com a indicação, quando necessário, do regime de bens do casamento, nome do outro cônjuge e filiação;
IV – manifestação clara da vontade das partes e dos intervenientes;
V – referência ao cumprimento das exigências legais e fiscais inerentes à legitimidade do ato;
VI – declaração de ter sido lida na presença das partes e demais comparecentes, ou de que todos a leram;
VII – assinatura das partes e dos demais comparecentes, bem como a do tabelião ou seu substituto legal, encerrando o ato.”
A mesma exigência encontra-se prevista no item 45, alínea “f”, Cap. XVI, das NSCGJ:
“45. A escritura pública, salvo quando exigidos por lei outros requisitos, deve conter: (…)
f) assinatura das partes e dos demais comparecentes ou, caso não possam ou não saibam escrever, de outras pessoas capazes, que assinarão a rogo e no lugar daqueles, cujas impressões digitais, no entanto, deverão ser colhidas mediante emprego de coletores de impressões digitais, vedada a utilização de tinta para carimbo;”
E, analisando a ata retificativa de fls. 37/38, verifica-se a ausência de assinatura por todos os contratantes.
Desta forma, a exigência para regularização da escritura pública, concretamente, não pode ser afastada. Com efeito, eventuais erros, inexatidões materiais e irregularidades presentes na escritura pública, quando insuscetíveis de saneamento mediante ata retificativa, como no presente caso, podem ser remediados por meio de escritura de retificação- ratificação, nos exatos termos do item 55, Cap. XVI, das NSCGJ.
Nesse sentido:
REGISTRO DE IMÓVEIS – NEGATIVA DE REGISTRO DE ESCRITURA PÚBLICA DE VENDA E COMPRA E DE ATA RETIFICADORA – DIVERGÊNCIA DE METRAGEM E DE DESCRIÇÃO DO IMÓVEL QUE EXIGE ESCRITURA DE RETIFICAÇÃO – INSUFICIÊNCIA DE MERA ATA – RATIFICAÇÃO, NOS TERMOS DO ITEM 55 DO CAPÍTULO XVI DO TOMO II DAS NSCGJ – APELAÇÃO DESPROVIDA. (TJSP; Apelação Cível 1028319-07.2023.8.26.0405; Relator (a): Francisco Loureiro(Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Osasco – 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 26/09/2024; Data de Registro: 30/09/2024)
Imprescindível, pois, que tal discussão, caso seja opção dos interessados seja apreciada na via jurisdicional, com ampla cognição e dilação probatória: não só formal, mas também material, em que é possível a investigação dos elementos extrínsecos e intrínsecos do negócio.
Afinal, a exigência de participação de todos os contratantes para a retificação não é mero formalismo. Visa proteger tanto os próprios envolvidos quanto terceiros de boa-fé, garantindo que a descrição do imóvel no fólio real seja um reflexo fiel da vontade manifestada no negócio jurídico original. A aceitação de uma modificação unilateral, como a pretendida, fragilizaria a fé pública do registro e a certeza que dele se espera.
Portanto, tendo em vista que é inviável o ingresso no fólio real de título com deficiência formal, o óbice subsiste.
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter o óbice registrário.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C.
São Paulo, 14 de outubro de 2025.
Rodrigo Jae Hwa An
Juiz de Direito (Acervo INR – DJEN de 15.10.2025 – SP)
Fonte: DJE


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