Apelação n° 1014958-44.2024.8.26.0224
Espécie: APELAÇÃO
Número: 1014958-44.2024.8.26.0224
Comarca: GUARULHOS
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação n° 1014958-44.2024.8.26.0224
Registro: 2025.0001172743
ACÓRDÃO -– Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1014958-44.2024.8.26.0224, da Comarca de Guarulhos, em que são apelantes ADALBERTO FÁBIO DA CUNHA e LÚCIA GRAÇA DA CUNHA ENCARNAÇÃO, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE GUARULHOS.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 23 de outubro de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1014958-44.2024.8.26.0224
Apelantes: Adalberto Fábio da Cunha e Lúcia Graça da Cunha Encarnação
Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Guarulhos
VOTO Nº 43.945
Direito registral – Apelação – Registro de imóveis – Requerimento preliminar de reunião de processos de dúvida para julgamento conjunto em razão de conexão – Preliminar rejeitada com apoio no princípio da prioridade da prenotação – Formal de partilha judicial que ofende a ordem cronológica dos registros e o princípio da continuidade – Recurso não provido.
I. Caso em exame
1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que manteve a recusa ao registro de formal de partilha referente ao imóvel objeto da transcrição n.42.091 do 1º Registro de Imóveis de Guarulhos.
II. Questão em discussão
2. A questão em discussão consiste em determinar (i) se é pertinente a reunião para julgamento conjunto dos processos de dúvida relacionados ao mesmo imóvel e às mesmas partes e (ii) se o formal de partilha apresentado pode ser registrado, tendo em vista a ausência de encadeamento de titularidades, e ofensa ao princípio da continuidade.
III. Razões de decidir
3. Prioridade da prenotação que impede a reunião de feitos para julgamento conjunto. 4. Títulos judiciais não são imunes à qualificação, devendo também observar formalidades extrínsecas e conexão com o registro. 5. Pela regra da ordem cronológica dos registros e pelo princípio da continuidade, próprios do Direito Registrário, imprescindível o encadeamento dos atos no registro (respeito aos direitos reais inscritos), em observância do princípio da continuidade, sob pena de insegurança jurídica.
IV. Dispositivo e Tese
6. Recurso não provido.
Tese de julgamento: “1. A prioridade da prenotação impede reunião de feitos para julgamento conjunto. 2. Origem judicial do título não garante ingresso automático. 3 Ordem cronológica dos atos e princípio da continuidade devem ser respeitados para o ingresso perante o serviço imobiliário”.
Legislação e jurisprudência relevantes:
– Lei n. 6.015/73, art. 11, 182, 186, 195, 198, 203, 237; Lei n. 8.935/1994, art. 28; Código Civil, art. 1.245; Código de Processo Civil, art. 15.
– CSM, Apelação n. 413-6/7; Apelação n. 464-6/9; Apelação n. 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação n. 0005176-34.2019.8.26.0344; Apelação n.1001015-36.2019.8.26.0223; Apelação n. 1014982-72.2024.8.26.0224.
Trata-se de apelação interposta por Adalberto Fábio da Cunha e Lúcia Graça da Cunha Encarnação contra a r. sentença de fls.256/261, proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Guarulhos, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa ao registro de formal de partilha judicial na transcrição n.42.091 do 1º Registro de Imóveis da mesma Comarca (prenotação n.539.504 – fls.230/231).
O Oficial recusou o registro nos termos expostos na nota devolutiva de fls.230/231:
“Trata-se de Formal de Partilha expedido em 08 de junho de 2009, pelo Juízo de Direito da 5ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Guarulhos SP, nos autos 224.01.2007.058066-0/000000-000, da Ação de Inventário dos bens deixados por MARIA DA GRAÇA AMARAL CUNHA, que tem por objeto o lote 32, da quadra “B”, do loteamento “Jardim Terezópolis”, com origem na Transcrição 42.091 do 1º Oficial de Registro de Imóveis local.
Esse título já foi objeto de análise por este Registro através dos protocolos 451.028 e 487.746, devolvidos com exigências não cumpridas, ficando reiteradas nesta oportunidade:
O presente formal de partilha cuida dos bens deixados por MARIA DA GRAÇA AMARAL CUNHA, que à época de seu falecimento em 21/08/2007, era casada com ANTONIO LOPES DA CUNHA, deixando por partilhar a totalidade do imóvel supracitado;
Ocorre que conforme o título prenotado sob o número 539.505, o imóvel foi adquirido por ANTONIO LOPES DA CUNHA, no estado civil de viúvo, nos termos da carta de sentença extraída dos autos do processo 0073159-03.2011.8.26.224, da Ação de Adjudicação Compulsória, expedida pelo Juízo de Direito da 6ª Vara Cível desta Comarca, por sentença de 27 de junho de 2018, sendo este o título aquisitivo de propriedade do imóvel.
Em aditamento à exigências feitas anteriormente por esta Serventia, a carta de sentença foi aditada, e nos termos da decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito Dr. Mauro Civolani Forlin, em 08 de novembro de 2019:
‘Trata-se de pedido formulado pelo autor para aditamento da carta de sentença expedida, para o fim de suprir as solicitações feitas pelo 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca.
Quanto ao item 1 da nota devolutiva, observo que a finada Maria da Graça Amaral da Cunha, falecida já à época da propositura da demanda (certidão de óbito a fls. 21), não compôs o polo ativo da demanda e nem passará a compô-lo, por seu espólio ou herdeiros, nesta fase processual.
Frise-se que a anotação pertinente a ser feita na matrícula que será aberta restringe-se ao nome e qualificação do autor, aí incluído que é viúvo por óbito da cônjuge Maria da Graça Amaral.
Note-se que a finada, aliás, não subscreveu o Instrumento Particular de Promessa de Cessão de Direitos de Compromisso de Venda e Compra que motivou a ação de adjudicação, fazendo-o de forma única, o autor (fs.27/28).
Observo, ainda, que a questão sucessória é de interesse tão somente dos herdeiros, a ser arguida, se o caso, perante o Juízo competente, sem que reste prejuízo à adjudicação aqui determinada, desde que corretamente anotada a qualificação do autor, com menção ao nome da cônjuge e seu falecimento…’
Desse modo, nenhum ato deverá ser praticado, considerando o título apresentado”.
Preliminarmente, a parte apelante suscita conexão do presente feito com os processos de autos n.1014982-72.2024.8.26.0224 e 1014989-64.2024.8.26.0224, requerendo a aplicação supletiva do artigo 55, §§1º e 3º, do Código de Processo Civil. No mérito, alega que não há como realizar o encadeamento dos registros anteriores em razão do falecimento das partes e da impossibilidade de localizar a existência de herdeiros; que não possui outros meios para regularizar a situação uma vez que já há ação de adjudicação com julgamento definitivo; que os documentos trazidos aos autos comprovam o encadeamento entre os contratos e o efetivo pagamento do débito avençado (fls.269/287).
A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls.324/328).
É o relatório.
Inicialmente, é importante observar que, ainda que se trate de título judicial, tal fato não o torna imune à qualificação registral (CSMSP, Apelação n. 413-6/7; Apelação n. 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação n. 0005176-34.2019.8.26.0344 e Apelação n.1001015-36.2019.8.26.0223).
Nesse sentido, também a Apelação n. 464-6/9, de São José do Rio Preto:
“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal.
O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”.
De fato, o Oficial, titular ou interino, dispõe de autonomia no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
Esta conclusão se reforça pelo disposto no item 117 do Cap. XX das NSCGJ:
“Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.
Sendo assim, não há dúvidas de que a origem judicial não basta para garantir ingresso automático dos títulos no fólio real, cabendo ao Oficial qualificá-los conforme os princípios e regras que regem a atividade registral.
Quanto à preliminar arguida, não há como se falar em conexão e reunião de processos administrativos de dúvida referentes ao mesmo imóvel e às mesmas partes para julgamento conjunto.
O processo de dúvida deve se restringir à análise das exigências do Oficial de Registro contidas na nota devolutiva correspondente ao título apresentado.
Para cada título qualificado negativamente, haverá uma nota devolutiva e, eventualmente, um processo administrativo de dúvida, ao fim do qual será decidido se o ato registrário pretendido poderá ser ou não praticado.
O protocolo assegura a ordem de preferência e garante que os títulos apresentados a registro sigam uma ordem de prioridade, fazendo com que o título apresentado primeiramente seja submetido ao filtro do princípio da legalidade.
A porta do registro imobiliário somente será aberta para análise dos títulos subsequentes quando houver o registro ou a caducidade da primeira prenotação. É essa a essência do princípio da prioridade do registro imobiliário.
Ou seja, prevalece o princípio da prioridade no ingresso do título, determinado pelo momento do protocolo perante a serventia imobiliária, rigorosamente conforme a ordem de chegada.
Isso é essencial porque o registro deve ocorrer conforme a prioridade decorrente da prenotação, de modo que a análise do título subsequente depende da avaliação definitiva do precedente.
Trata-se de sistema imposto expressamente pela lei (artigos 11, 182, 186, 198 e 203 da Lei n. 6.015/73 e artigo 1.245 do Código Civil), que afasta a aplicação subsidiária das normas do Código de Processo Civil (artigo 15).
É justamente neste contexto que não há como se defender a reunião de feitos administrativos de dúvida para julgamento conjunto.
Superada a questão preliminar, no mérito, o recurso não comporta provimento.
Os apelantes apresentaram para registro formal de partilha extraído do processo de autos n. 224.01.2007.058066-0, que tramitou perante a 5ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Guarulhos, o qual versa sobre a partilha dos bens deixados por Maria da Graça Amaral da Cunha.
De acordo com as informações prestadas pelo Oficial às fls.01/04, na transcrição n.42.091 do 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Guarulhos, constam como proprietários tabulares Ana Pereira e João Oscar dos Santos.
O óbice, portanto, diz respeito à afronta do formal de partilha judicial à ordem cronológica dos registros e ao princípio da continuidade (chamado também de trato sucessivo, trato contínuo ou prévia inscrição), que regem os atos registrais.
De fato, título de transmissão de direitos sobre o imóvel só pode ter ingresso se nele constar, como transmitente, o proprietário tabular (artigos 195 e 237 da Lei de Registros Públicos):
“Art. 195 – Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro”.
“Art. 237 – Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro”.
Em outras palavras, deve haver perfeito encadeamento entre as informações inscritas e as que se pretendem inscrever; funciona o registro imobiliário como os elos de uma corrente, um encadeado no outro, sem saltos nem soluções, de tal modo que toda titularidade sobre o imóvel apareça concatenada com a anterior e a sucessiva. O transmitente de hoje será o adquirente de ontem e o adquirente de ontem será o transmitente de amanhã.
O princípio da continuidade repousa no pressuposto lógico de que, “ao exigir-se que todo aquele que dispõe de um direito esteja inscrito como seu titular no registro, impede-se que o não titular dele disponha”. É o equivalente registrário do aforismo nemo dat quod non habet, ou seja, sem que desfrute do direito de disponibilidade, ninguém pode transferir, tampouco onerá-lo (Francisco Eduardo Loureiro, in Lei de registros públicos comentada, coord. José Manuel de Arruda Alvim Neto, Alexandre Laizo Clápis, Everaldo Augusto Cambler, Rio de Janeiro: ed. Forense, 2014, p. 1219/1220).
No mesmo tom:
“O princípio da continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente. Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transformá-la no elo de uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subsequente a ele se ligará posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis inspira confiança ao público” (Afrânio de Carvalho, Registro de Imóveis, 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 253).
Portanto, para ingresso do título no fólio real, a de cujus deveria ostentar a condição de proprietária ou de titular de direitos inscritos, o que não ocorre (fl. 02).
Por outro lado, vê-se que, quando do falecimento de Maria da Graça e da propositura da ação de arrolamento e partilha de seus bens, a de cujus detinha direitos aquisitivos sobre o imóvel objeto da transcrição n.42.091 conforme escritura pública de cessão e transferência de direitos de compromisso de venda e compra (fls.90/93), ainda não registrada.
Mesmo que apenas Antonio Lopes da Cunha tenha figurado como cessionário no negócio jurídico em questão, pelo casamento (regime da comunhão de bens), houve comunicação patrimonial.
Antonio Lopes da Cunha e Maria da Graça não eram, portanto, titulares do domínio do imóvel, o que tornou necessária a propositura de ação para regularização da propriedade.
Na ação de ajudicação compulsória, iniciada após a morte de Maria da Graça, apenas o viúvo, Antonio Lopes da Cunha, figurou no polo ativo (fl. 04 – processo de autos n. 0073159-03.2011.8.26.224).
Ao suscitar a dúvida (fls.01/04), o Oficial relatou possível incompatibilidade entre o formal de partilha dos bens deixados por Maria da Graça e a carta de sentença extraída da ação de adjudicação compulsória de autos n. 0073159-03.2011.8.26.224, que recebeu a prenotação n.539.505:
“Há incompatibilidade entre a referida carta de sentença na adjudicação compulsória e o formal de partilha objeto desta suscitação de dúvida, uma vez que, acaso seja efetuado o registro da adjudicação compulsória, o imóvel passaria a ser de propriedade somente de Antonio Lopes da Cunha, viúvo. Não seria possível o registro de ambos os títulos, considerando a continuidade e a incompatibilidade entre ambos (…)”.
Tal questão já foi analisada na Apelação Cível n. 1014982-72.2024.8.26.0224, em acórdão de minha relatoria (destaques nossos):
“Ementa. DIREITO REGISTRAL – PROCESSO DE DÚVIDA – ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA – REGISTRO RECUSADO – APELO DESPROVIDO. I. Caso em exame. 1. Os interessados/recorrentes, filhos/herdeiros do adjudicatário, irresignados com o julgamento procedente da dúvida, interpuseram apelação, contestando os óbices registrais então apontados pelo Oficial, prestigiados pelo MM Juízo Corregedor Permanente, relacionados à legalidade, à especialidade, à continuidade e à disponibilidade. II. Questão em discussão. 2. A controvérsia versa a respeito da registrabilidade de carta de sentença extraída de processo de adjudicação compulsória de bem imóvel. III. Razões de decidir. 3. O reconhecimento de conexão, no processo de dúvida, é descabido. Os elementos identificadores dos dissensos apontados pelos recorrentes não se confundem, de todo modo, com os da dúvida em apreço. Não há também risco de decisões contraditórias, conflitantes, em atenção ao princípio da prioridade. Preliminar rejeitada. 4. Em conformidade com o título, oriundo de sentença em ambiente jurisdicional, há exata identidade entre o imóvel adjudicado e o descrito na transcrição, bem como entre os réus indicados como proprietários tabulares e os que, na transcrição, aparecem como adquirentes do bem imóvel. É o que se extrai da sentença transitada em julgado. 5. A escassez de dados referentes à qualificação dos proprietários não é obstáculo ao registro da carta de sentença. O controle da legalidade confiado ao Oficial é mais limitado, sempre que a qualificação tiver por objeto título judicial. O juízo qualificador é aí subalterno à coisa julgada material; não cabe ao Oficial sobrepor-se à autoridade judicial. 6. A continuidade, da qual é pressuposto a especialidade subjetiva, resta atendida. A corrente filiatória está, enfim, preservada; a legitimidade da transmissão, assegurada. Sob essa perspectiva, não há óbice ao registro intencionado. 7. Em se tratando de pessoa física, o número de inscrição no CPF/MF, seja do transmitente, seja do adquirente do direito sobre bem imóvel, é requisito do registro translativo, a ser dispensado in casu. Inexistente o dos proprietários, a regularização cadastral não é de ser exigida dos interessados, que não têm legitimidade para pedir a inscrição. A questão deve ser enfrentada com certo pragmatismo, à luz da instrumentalidade registral e do princípio da proporcionalidade, considerando a identificação judicial. 8. A deliberação judicial e a fé pública notarial, que recaiu nos dados testificados pelo tabelião, levam ao afastamento das exigências relacionadas à especialidade, à continuidade e à disponibilidade. Eventuais vícios processuais, cujo exame desbordam os limites objetivos do juízo de qualificação registral, não servem de empeço ao registro; não compete ao Oficial desconstituir, ainda que obliquamente, sentença transitada em julgada. 9. A carta de sentença não é incompatível com o formal de partilha dos bens deixados pela esposa do adjudicatário, com quem ele foi casado sob o regime da comunhão universal de bens. Os direitos sobre o imóvel, os poderes inerentes ao domínio, foram incorporados ao patrimônio coletivo do casal antes assim da dissolução do matrimônio. 10. A comprovação do recolhimento do ITBI condiciona legitimamente o registro intencionado; trata-se de exigência a ser mantida. O pagamento feito quando da cessão de direitos não supre o devido em razão da transmissão da propriedade. IV. Dispositivo. 11. Apelação desprovida; dúvida procedente. Tese de julgamento: 1. A reunião de processos de dúvida para julgamento conjunto é contrária à lógica registral; seja como for, não há risco de decisões conflitantes, em atenção ao princípio da prioridade. 2. O controle da legalidade é mais limitado, sempre que a qualificação registral tiver por objeto título judicial; o juízo qualificador é subalterno à coisa julgada; não cabe ao Oficial sobrepor-se à autoridade judicial. 3. Ausente a inscrição dos proprietários tabulares no CPF, a regularização não é de ser exigida dos herdeiros do adjudicatário, que sequer têm legitimidade para pedi-la; a questão deve ser enfrentada com pragmatismo, sob o influxo da instrumentalidade registral e do princípio da proporcionalidade, até em razão da identificação judicial ocorrida. 4. A separação de fato põe termo ao regime de bens, faz cessar os efeitos da comunhão de bens. 5. É possível conciliar o registro da carta de sentença com o formal da partilha do espólio de quem o adjudicatário era viúvo; a continuidade registral deve ser substancialmente valorada; não basta um controle puramente formal. 6. O pagamento de ITBI feito por ocasião da cessão de direitos não supre o devido em razão da transmissão da propriedade imobiliária; os fatos geradores são distintos. Legislação citada: CF/1988, art. 156, II; Lei n.º 6.015/1973, art. 176, § 1.º, III, 2, a, 197 e 289; Lei nº 10.426/2002, art. 8.º, NSCGJ, t. II, item 54 e subitens 61.3 e 117.1 do Cap. XX; IN/RFB n.º 2172/2024, arts. 3.º, § 2.º, e 4.º, II, d; IN/RFB n.º 2186/2024, art. 4.º, II, c. Jurisprudência citada: STJ, AgRg no REsp n.º 880.229/CE, rel. Min. Isabel Gallotti, j. 7.3.2013, e REsp nº 1.760.281/TO, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 24.5.2022; CSM/TJSP, Apelação Cível n.º 0039080-79.2011.8.26.0100, rel. Des. Renato Nalini, j. 20.9.2012, Apelação Cível nº 1039088-53.2022.8.26.0100, rel. Des. Fernando Antonio Torres Garcia, j. 29.6.2023, e Apelação Cível n.º 1006641-72.2022.8.26.0565, rel. Des. Francisco Eduardo Loureiro, j. 11.6.2025”.
Todo este contexto autoriza concluir que direitos reais sobre o imóvel foram cedidos a Maria da Graça e a seu marido (por força do regime de bens do casamento), e por meio de ação de adjudicação compulsória, houve reconhecimento do domínio, mas apenas em favor do viúvo, Antonio Lopes da Cunha.
Em consequência, o registro da carta de adjudicação compulsória possibilitará regularização da propriedade apenas em nome do viúvo, o que impedirá o registro do formal de partilha judicial justamente porque Maria da Graça não figurará como proprietária do bem.
Para que o formal de partilha judicial possa ter acesso ao fólio real, incumbirá aos interessados retificação do título de regularização da propriedade (adjudicação compulsória) perante o juízo competente, com inclusão dos herdeiros da falecida representando-a no polo ativo, ao lado do viúvo.
A resistência do juízo competente deverá ser debatida na via própria (fl. 04), que não esta.
Outra saída é registrar a carta de adjudicação compulsória em favor do viúvo, atualmente falecido (fl. 224), o que é possível já que o juízo competente avaliou a necessidade de integração da mulher no polo ativo e a reconheceu expressamente como superável (fl. 04), com regularização posterior da propriedade aos filhos por meio de inventário e partilha.
Por todo o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso de apelação.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator (Acervo INR – DJEN de 04.11.2025 – SP)
Fonte: DJE


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