Originária da MP/21, surgiu a lei 14.382/22, promulgada em 28 de junho deste ano, tratando principalmente do SERP – Sistema Eletrônico dos Registros Públicos. Além disso, a norma emergente altera e traz acréscimos a várias leis importantes do país, como a lei 4.591/64 – no tocante à incorporação imobiliária -, a lei 6.015/1973 (lei de registros públicos) e o CC/02.
As modificações já estão em vigor desde a publicação, com exceção do seu art. 11, a respeito do art. 130 da lei de registros públicos e do registro público eletrônico, sendo certo que essa nova regulamentação somente entrará em vigor em 1º de janeiro de 2024, a fim de que os cartórios, as corregedorias dos tribunais e o CNJ façam as necessárias adequações e adaptações.
Neste primeiro texto sobre a nova norma, tratarei das modificações a respeito do nome e de algumas repercussões para o Direito de Família Brasileiro. E começo essa análise pela redação dada ao art. 55 da Lei de Registros Públicos, que trata da formação do nome da pessoa no registro de nascimento. O seu caput passou a seguir a regra do art. 16 do CC/02, consagrando o nome como direito da personalidade e prevendo que “toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”. Sobre o tratamento constante da codificação privada, explica Anderson Schreiber que, “contemporaneamente, tem-se reconhecido que à pessoa humana deve-se resguardar o direito de ter associado a seu nome aquilo que lhe diz respeito e, do mesmo modo, de não ter vinculados a si fatos ou coisas que nada digam consigo. Trata-se de enxergar o direito ao nome em uma nova perspectiva, mais ampla e mais substancial, que pode ser denominada de direito à identidade pessoal, abrangendo não só o nome como também os diferentes traços pelos quais a pessoa humana vem representada no meio social” (Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. p. 21-22). Adianto que me parece ter a nova lei seguido, pelo menos em parte, essas diretrizes.
Seguindo o que era concretizado pelo costume registral, o mesmo art. 55, caput, da Lei de Registros Públicos, na sua segunda parte, passou a enunciar a necessidade de se observar que “ao prenome serão acrescidos os sobrenomes dos genitores ou de seus ascendentes, em qualquer ordem e, na hipótese de acréscimo de sobrenome de ascendente que não conste das certidões apresentadas, deverão ser apresentadas as certidões necessárias para comprovar a linha ascendente”. A título de exemplo, geralmente se incluem os sobrenomes do pai e da mãe, não importando a ordem de sua inserção. Apesar de ser comum a inclusão primeiro do nome materno e depois do paterno, não há qualquer imposição nesse sentido.
Os §§ 1º e 2º do novo art. 55 repetem em parte a antiga redação do parágrafo único e do caput do próprio comando, preceituando que o oficial de registro civil não registrará prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores ou titulares, observado que, quando os genitores não se conformarem com a recusa do oficial, este submeterá por escrito o caso à decisão do juiz competente, independentemente da cobrança de quaisquer emolumentos. Quando o declarante não indicar o nome completo, o oficial de registro civil lançará adiante do prenome escolhido ao menos um sobrenome de cada um dos genitores, na ordem que julgar mais conveniente para evitar homonímias, ou seja, nomes iguais que possam trazer prejuízos ao titular.
Em continuidade, o oficial de registro civil orientará os pais acerca da conveniência de acrescer sobrenomes, a fim de se evitarem prejuízos à pessoa em razão dessas homonímias (art. 55, § 3º, da Lei de Registros Públicos, incluído pela Lei n. 14.382/2022). Também é novidade o procedimento de oposição ao registro, prevendo o § 4º da mesma norma que, em até quinze dias após o registro, qualquer dos genitores poderá apresentar, perante o registro civil onde foi lavrado o assento de nascimento, oposição fundamentada ao prenome e sobrenomes indicados pelo declarante. Se houver manifestação consensual dos genitores, será realizado o procedimento de retificação administrativa do registro. Porém, se não houver consenso, a oposição será encaminhada ao juiz competente para que profira decisão.
Esse procedimento visa a evitar que o conflito seja levado ao Poder Judiciário de imediato, sendo a extrajudicialização uma das marcas da norma emergente. A propósito de ilustrar uma situação de conflito, em 2021, noticiou-se no site do Superior Tribunal de Justiça o caso de uma autorização judicial de mudança de prenome registrado pelo pai da criança, que não respeitou acordo prévio com a mãe. A 3º turma do Tribunal, em acórdão relatado pela ministra Nancy Andrighi, entendeu que o desrespeito a esse acerto prévio seria razão suficiente para a alteração (notícia disponível aqui).O número do processo não foi divulgado por segredo de justiça.
O art. 56 da lei 6.015/1973, também modificado pela Lei n. 14.382/2022, trata da alteração extrajudicial do nome por vontade imotivada da pessoa após a sua maioridade. Além de modificações no caput, o comando recebeu novos parágrafos.
De início, está previsto que a pessoa registrada poderá, após ter atingido a maioridade civil, requerer pessoalmente e imotivadamente a alteração de seu prenome, independentemente de decisão judicial, sendo a alteração averbada e publicada em meio eletrônico. Não há mais menção ao prazo decadencial de um ano, a contar da maioridade. Isso porque o prazo vinha sendo afastado em hipóteses concretas da presença de justificativas para a alteração posterior. Como um primeiro aresto, destaco: “admite-se a alteração do nome civil após o decurso do prazo de um ano, contado da maioridade civil, somente por exceção e motivadamente, nos termos do art. 57, caput, da lei 6.015/73” (STJ, REsp 538.187/RJ, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 2/12/04, DJ de 21/2/05, p. 170). Ou, mais recentemente, em hipótese fática envolvendo a modificação do nome de pessoa trans e confirmando as palavras de Schreiber antes transcritas: “o nome de uma pessoa faz parte da construção de sua própria identidade. Além de denotar um interesse privado, de autorreconhecimento, visto que o nome é um direito de personalidade (art. 16 do CC/02), também compreende um interesse público, pois é o modo pelo qual se dá a identificação do indivíduo perante a sociedade. (…). A Lei de Registros Públicos (lei 6.015/73) consagra, como regra, a imutabilidade do prenome, mas permite a sua alteração pelo próprio interessado, desde que solicitada no período de 1 (um) ano após atingir a maioridade, ou mesmo depois desse período, se houver outros motivos para a mudança” (REsp 1.860.649/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3º turma, julgado em 12/5/20, DJe de 18/5/20).
De todo modo, a grande novidade da norma passa a ser a extrajudicialização da alteração do nome, perante o Cartório de Registro Civil, o que vem em boa hora e sem a necessidade de motivação. A título de exemplo, a pessoa pode pedir a alteração para um prenome pelo qual é conhecida no meio social, uma vez que sempre rejeitou o seu nome registral, escolhido pelos pais, o que é até comum na prática. Há, contudo, uma limitação, pois a alteração imotivada de prenome poderá ser feita na via extrajudicial apenas uma vez, e a sua desconstituição dependerá de sentença judicial (art. 56, § 1º, da Lei n. 6.015/1973, incluído pela Lei n. 14.382/2022).
Também sobre a alteração extrajudicial imotivada, a averbação de alteração de prenome conterá, obrigatoriamente, o prenome anterior, os números de documento de identidade, de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas, de passaporte e de título de eleitor do registrado; dados esses que deverão constar expressamente de todas as certidões solicitadas (art. 56, § 2º, da lei 6.015/73, incluído pela Lei n. 14.382/22).Finalizado o procedimento extrajudicial de alteração no assento, o ofício de registro civil de pessoas naturais no qual se processou a alteração, a expensas do requerente, comunicará o ato oficialmente aos órgãos expedidores do documento de identidade, do CPF e do passaporte, bem como ao Tribunal Superior Eleitoral, preferencialmente por meio eletrônico (art. 56, § 3º, da lei 6.015/73, incluído pela lei 14.382/22).
Entretanto, se suspeitar de fraude, falsidade, má-fé, vício de vontade – como erro, dolo ou coação – ou simulação quanto à real intenção da pessoa requerente, o oficial de registro civil, de forma fundamentada, recusará a retificação do nome (art. 56, § 4º, da Lei n. 6.015/1973, incluído pela lei 14.382/22).
Como último tema deste breve texto, a norma emergente alterou o art. 57 da Lei de Registros Públicos no tocante à alteração extrajudicial do nome por justo motivo, elencando hipóteses – consolidadas pela doutrina e pela jurisprudência superior – em que essa é viável juridicamente. Mais uma vez, nota-se a concretização do caminho da extrajudicialização. Nesse contexto, a alteração posterior de sobrenomes poderá ser requerida pessoalmente perante o oficial de registro civil, com a apresentação de certidões e de documentos necessários, e será averbada nos assentos de nascimento e casamento, independentemente de autorização judicial.
As situações previstas nos incisos do caput do art. 57 da Lei de Registros Públicos são as seguintes: a)inclusão de sobrenomes familiares, como nomes remotos que não constam do registro; b)inclusão ou exclusão de sobrenome do cônjuge, na constância do casamento; c) exclusão de sobrenome do ex-cônjuge, após a dissolução da sociedade conjugal, por qualquer de suas causas, seja consensual ou litigiosa, o que confirma tratar-se de um direito da personalidade do cônjuge que o incorporou; d) inclusão e exclusão de sobrenomes em razão de alteração das relações de filiação, inclusive para os descendentes, cônjuge ou companheiro da pessoa que teve seu estado alterado.
Também se manteve a permissão de averbação no registro do nome abreviado da pessoa, usado como firma comercial registrada ou em qualquer atividade profissional (art. 57, § 1º, da lei 6.015/73, renumerado pela lei 14.382/22). Essa hipótese constava do antigo parágrafo único do art. 57 da lei de registros públicos, o qual foi renumerado para § 1º pela lei 14.382/22. Exemplificando, poderia eu averbar a abreviação FT de “Flavio Tartuce”, pois a utilizo na minha atuação profissional.
Igualmente a merecer elogios, passou a ser possível a inclusão extrajudicial de sobrenomes em virtude da união estável. Nos termos do novo § 2º do art. 57 da Lei de Registros Públicos, “os conviventes em união estável devidamente registrada no registro civil de pessoas naturais poderão requerer a inclusão de sobrenome de seu companheiro, a qualquer tempo, bem como alterar seus sobrenomes nas mesmas hipóteses previstas para as pessoas casadas”. Como se pode perceber, a inclusão do sobrenome diz respeito às uniões estáveis registradas e não se aplica às meras uniões de fato.
Foi totalmente revogada a regulamentação do tema que existia anteriormente, e que não vinha sendo aplicada na prática. O antigo § 2º do art. 57 da lei de registros públicos previa que “a mulher solteira, desquitada ou viúva, que viva com homem solteiro, desquitado ou viúvo, excepcionalmente e havendo motivo ponderável, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o patronímico de seu companheiro, sem prejuízo dos apelidos próprios, de família, desde que haja impedimento legal para o casamento, decorrente do estado civil de qualquer das partes ou de ambas”. Esse preceito era duramente criticado, por somente tratar da possibilidade de a companheira incluir o sobrenome do companheiro, e não o oposto, violando a isonomia constitucional, prevista no art. 5º, § 1º, do Texto Maior. Também havia problema na exigência de um motivo ponderável, pois a união estável é entidade familiar protegida pelo art. 226 da CF/88, já havendo nesse tratamento uma motivação.
Além disso, o § 3º do mesmo preceito enunciava que “o juiz competente somente processará o pedido, se tiver expressa concordância do companheiro, e se da vida em comum houverem decorrido, no mínimo, 5 (cinco) anos ou existirem filhos da união”. Houve revogação expressa dessa norma pela lei 14.382/22, sendo certo que aqui o dispositivo exigia requisitos hoje tidos como superados para a caracterização da união estável, não constantes do art. 1.723 do Código Civil. Nesse contexto, a jurisprudência do STJ vinha entendendo que, diante da não incidência dos últimos dois preceitos, seria aplicada por analogia a mesma regra de uso de nome prevista para os cônjuges, nos termos do art. 1.565, § 1º, do Código Civil: “qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro”. Vejamos trecho da ementa do precedente superior que parece ter inspirado a alteração da lei:
“A redação do art. 57, § 2º, da Lei 6.015/73 outorgava, nas situações de concubinato, tão somente à mulher, a possibilidade de averbação do patronímico do companheiro, sem prejuízo dos apelidos próprios, desde que houvesse impedimento legal para o casamento, situação explicada pela indissolubilidade do casamento, então vigente. A imprestabilidade desse dispositivo legal para balizar os pedidos de adoção de sobrenome dentro de uma união estável, situação completamente distinta daquela para qual foi destinada a referida norma, reclama a aplicação analógica das disposições específicas do Código Civil relativas à adoção de sobrenome dentro do casamento, porquanto se mostra claro o elemento de identidade entre os institutos e a parelha ratio legis relativa à união estável, com aquela que orientou o legislador na fixação, dentro do casamento, da possibilidade de acréscimo do sobrenome de um dos cônjuges, pelo outro. Assim, possível o pleito de adoção do sobrenome dentro de uma união estável, em aplicação analógica do art. 1.565, § 1º, do CC-02, devendo-se, contudo, em atenção às peculiaridades dessa relação familiar, ser feita sua prova documental, por instrumento público, com anuência do companheiro cujo nome será adotado” (STJ, REsp 1.206.656/GO, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 16/10/2012, DJe de 11/12/2012).
Foram revogados, diante desse novo tratamento inserido no art. 57 da lei de registros públicos, os antigos § 4º (“o pedido de averbação só terá curso, quando desquitado o companheiro, se a ex-esposa houver sido condenada ou tiver renunciado ao uso dos apelidos do marido, ainda que dele receba pensão alimentícia”), § 5º (“o aditamento regulado nesta Lei será cancelado a requerimento de uma das partes, ouvida a outra”) e § 6º (“tanto o aditamento quanto o cancelamento da averbação previstos neste artigo serão processados em segredo de justiça”).
Por outro lado, inseriu-se um novo § 3º-A no comando, que segue a linha de ser o nome adotado pelo companheiro um direito da personalidade daquele que o incorporou, podendo ser mantido ou renunciado, assim como se tem reconhecido nos casos de casamento: “o retorno ao nome de solteiro ou de solteira do companheiro ou da companheira será realizado por meio da averbação da extinção de união estável em seu registro”.
Foi mantida a possibilidade de alteração do nome em virtude de fundada coação ou ameaça decorrente de colaboração com a apuração de crime (art. 57, § 7º, da lei de registros públicos, incluído pela lei 9.807/99).
A última alteração quanto à norma pela lei 14.382/22 diz respeito à inclusão do sobrenome, por enteado ou enteada, de padrasto ou madrasta, o que havia sido incluído pela Lei Clodovil (lei 11.924/09). No texto atual não há mais menção aos parágrafos anteriores, possibilitando-se também a averbação na certidão de casamento e que a alteração seja feita pela via extrajudicial, perante o oficial de registro civil, na linha de todo o tratamento consagrado pela norma emergente. Nos termos atuais do § 8º do art. 57 da lei 6.015/73: “o enteado ou a enteada, se houver motivo justificável, poderá requerer ao oficial de registro civil que, nos registros de nascimento e de casamento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus sobrenomes de família”.
Como se percebe, o rol previsto em lei diz respeito à alteração do sobrenome pela via extrajudicial, sendo meramente exemplificativo ou numerus apertus, na minha opinião. Não afasta, portanto, a possibilidade de alteração pela via judicial em outras situações, como no caso, por exemplo, do abandono afetivo, admitido pela jurisprudência. Nesse sentido: “o nome civil, conforme as regras dos artigos 56 e 57 da Lei de Registros Públicos, pode ser alterado no primeiro ano após atingida a maioridade, desde que não prejudique os apelidos de família, ou, ultrapassado esse prazo, por justo motivo, mediante apreciação judicial e após ouvido o Ministério Público. Caso concreto no qual se identifica justo motivo no pleito do recorrente de supressão do patronímico paterno do seu nome, pois, abandonado pelo pai desde tenra idade, foi criado exclusivamente pela mãe e pela avó materna. Precedentes específicos do STJ, inclusive da Corte Especial” (STJ, REsp 1.304.718/SP, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 18/12/2014, DJe de 5/2/2015). Acrescento que a jurisprudência superior admitiu até a mudança do prenome em virtude do citado abandono: “No caso dos autos, há justificado motivo para alteração do prenome, seja pelo fato de a recorrente ser conhecida em seu meio social e profissional por nome diverso do constante no registro de nascimento, seja em razão da escolha do prenome pelo genitor remetê-la a história de abandono paternal, causa de grande sofrimento” (STJ, REsp 1.514.382/DF, relator ministro Antonio Carlos Ferreira, 4ª turma, julgado em 1/9/20, DJe de 27/10/20).
Penso que a fundamentação para outras situações de alteração do nome pela via judicial terá esteio, principalmente, na existência de um direito da personalidade, como antes se expôs, na linha do que têm reconhecido a doutrina e a própria jurisprudência aqui colacionada.
Essas são as principais modificações inseridas pela lei 14.382/22, a respeito do uso do nome, e algumas repercussões familiares. No próximo texto, analisarei alterações feitas quanto à celebração do casamento e a respeito da união estável.
Fonte: Migalhas
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