A despeito do referido entendimento, não se pode perder de vista os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do direito à moradia
No que diz respeito à impenhorabilidade de bem de família, o instituto consiste, por lei, em um direito assegurado. Nesse sentido, conforme reza o Art. 1º da lei 8.009, de 29 de março de 1990 “o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.” Desta forma, tem-se que, pela leitura do referido dispositivo legal, quando algum membro da entidade familiar vier a contrair dívidas, o imóvel residencial próprio não poderá ser penhorado para saldá-las.
Todavia, existem exceções à regra, mesmo em se tratando de único bem, como por exemplo, as dívidas oriundas do próprio imóvel, a exemplo do pagamento de taxa de condomínio ou IPTU, ou ainda, dívida oriunda da sua construção.
Quanto aos direitos reais, o art. 1225 do Código Civil, para SCAVONE, enumera os direitos reais, e, mister se faz, então, a análise intrínseca de garantia de bens imóveis. Quanto a averbação, atribuirá o direito de sequela ou “erga ommes”, ou não será eficaz a caução do imóvel ou na melhor das hipóteses, garantia pessoal limitada à um único bem. (2016, p. 1256 e 1257).
O Artigo 6º da Constituição Federal de 19885 garante o direito básico de moradia. Por sua vez, a moradia fora “reconhecida como direito humano em 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos”, direito este que, muito embora apresente inúmeros desafios para a sua plena efetividade, deve ser amplamente respeitado, considerando que caracteriza direito e garantia fundamental para a população.
Segundo GONÇALVES, para a concretização da dignidade da pessoa humana e a máxima efetividade dos direitos fundamentais, indispensável a “ponderação de interesses”, à luz da razoabilidade e da concordância prática ou harmonização. No processo, não sendo possível a harmonização, o Judiciário terá de avaliar qual dos interesses deverá prevalecer. (2016 p. 67)
Nosso ordenamento jurídico, por sua vez, confere ao uso de imóvel utilizado para moradia familiar, a ampla proteção, ainda que esta seja objeto de caução, levada a registro de imóvel, tal como ocorre em contratos de locação comercial, exemplificativamente, quando pertencente a uma sociedade empresária, momento em que não se afasta a impenhorabilidade do imóvel.
Nesse sentido, cita-se o recente julgado do Recuso Especial 1.935.563-SP (2021/0128202-8) da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, que decidiu que imóvel dado em caução, para contrato de locação comercial, pertencente a determinada sociedade empresária, utilizado como moradia por um determinado sócio, recebe a proteção da impenhorabilidade do bem familiar, em especial, nos casos em que a propriedade for considerada sociedade empresária de pequeno porte.
O Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Relator do STJ, destacou que as exceções à impenhorabilidade do bem de família, descritas no art. 3º da lei 8.009, de 29 de março de 1990, “devem receber interpretações restritivas”.
Não obstante, o entendimento firmado foi no sentido de que a exceção contida no inciso VII, do Art. 3º da Lei, não se aplicaria a empresa de pequeno porte, mesmo tendo o imóvel sido cedido como caução.
Além disso, tem-se que, de acordo com o que se depreende da análise do julgado, a aplicação da exceção em casos assim, culminaria com o esvaziamento prejudicial da salvaguarda legal, contribuindo para proporcionar maior relevância do direito de crédito em detrimento da utilização do bem como residência pelo sócio e por sua família.
Dessa forma, tem-se que, para o Superior Tribunal de Justiça, a exceção legal não se aplica aos casos em que o imóvel tenha sido oferecido em contrato de locação, quando se percebe que fora atribuída maior importância a proteção do núcleo familiar, ainda que as dívidas tenham sido contraídas pelos seus membros.
A impenhorabilidade do bem de família, à luz cristalina do ordenamento jurídico brasileiro é uma garantia de ordem pública, e, conforme o Relator, “não pode ser afastada por renúncia do devedor ao privilégio!”.
Desta forma, na hipótese de deferimento, prevaleceria o direito de crédito, e o Estado, privilegiaria o recebimento do credor em detrimento do direito de garantia fundamental para moradia familiar, o que seria antagônico ao ordenamento jurídico brasileiro.
Em outro caso análogo da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, o Recurso especial REsp 1.789.505, também julgou temas de Direito Privado, em se tratando de impenhorabilidade, como garantia real, que recai sobre um único bem determinado, afastando a penhora de imóvel familiar, que foi oferecido como caução em contrato de aluguel comercial.
Não obstante, considerando os princípios da boa-fé e da livre iniciativa, o Supremo Tribunal Federal – STF, recentemente, fixou tese no sentido de que é constitucional a penhora de bem que pertence a fiador de contrato de locação comercial ou residencial no RE 407.668, ao contrário do que preconiza a lei 8.009/90, cujo advento se orientou à proteção da residência do casal ou da entidade familiar.
De fato, não se pode negar que há exceções de aplicação do instituto da impenhorabilidade de bem de família, tais como nos casos em que há cobrança de despesas condominiais do próprio imóvel, sendo inclusive chancelada a possibilidade de penhora de bem de família pertencente ao fiador do contrato de locação, nos termos do art. 3º, inciso VII, da lei 8.009, de 199010.
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
Todavia, a despeito do referido entendimento, não se pode perder de vista os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do direito à moradia, artigos 1º, inc. III e 6º da Constituição Federal, respectivamente, que a despeito das exceções legais, devem ser os balizadores de todas as decisões proferidas pelos Tribunais nos casos em que se discuta a possibilidade de penhora do bem de família, especialmente quando o imóvel albergar os integrantes da entidade familiar e quando compreender o único imóvel.
Fonte: Migalhas
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