Apelação Cível nº 1016723-60.2022.8.26.0405

 

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1016723-60.2022.8.26.0405

Comarca: OSASCO

 

PODER JUDICIÁRIO

 

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

 

Apelação Cível nº 1016723-60.2022.8.26.0405

 

Registro: 2023.0000863322

 

ACÓRDÃO

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1016723-60.2022.8.26.0405, da Comarca de Osasco, em que é apelante LUCIA YOSHIKO KOHIGASHI LUZ, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE OSASCO.

 

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

 

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

 

São Paulo, 29 de setembro de 2023.

 

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

 

Corregedor Geral da Justiça e Relator

 

APELAÇÃO CÍVEL nº 1016723-60.2022.8.26.0405

 

APELANTE: Lucia Yoshiko Kohigashi Luz

 

APELADO: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Osasco

 

VOTO Nº 39.127

 

Registro de imóveis – Dúvida – Escritura pública de inventário e partilha – Desqualificação do título – Meação da viúva que foi paga com o usufruto vitalício sobre os bens do monte e os quinhões dos herdeiros filhos com a nuapropriedade – Valor do usufruto que corresponde a um terço do valor dos bens, por força do disposto na lei estadual Nº 10.775/2000 – Atribuição de quinhões aos herdeiros que ultrapassou a força da herança em detrimento da meação da viúva, configurando transmissão “inter vivos”, por ato gracioso, sem compensação patrimonial na partilha – Incidência de ITCMD – Óbice mantido – Apelação não provida.

 

Trata-se de apelação interposta por Lucia Yoshiko Kohigashi Luz contra a r. sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Osasco/SP, que manteve a negativa de registro de escritura de inventário e partilha dos bens deixados por Mitsuo Kohigashi (fls. 87/89).

 

Alega a apelante, em síntese, que todos os impostos devidos em virtude da partilha realizada foram recolhidos, na forma do procedimento administrativo declaratório previsto na Lei Estadual nº 10.705/2000, regulamentada pelo Decreto nº 46.655/2002. Afirma que não cabe ao Oficial de Registro manifestar eventual discordância em relação ao valor recolhido, mas sim, à própria Fazenda do Estado.

 

Ressalta a existência de precedentes deste Colendo Conselho Superior da Magistratura, no sentido de que o Oficial deve exigir prova do recolhimento dos tributos ou a declaração de isenção, não lhe competindo, porém, aferir o correto recolhimento dos valores. Discorda, ainda, do questionamento levantado em relação à forma da partilha realizada, certo que as partes, todas maiores e capazes, livremente deliberaram por deixar a totalidade do usufruto vitalício dos bens em favor da viúva, em pagamento de sua meação, e a nua propriedade aos três filhos do falecido. Nega que a partilha realizada possa configurar doação, porque os valores da meação e dos quinhões foram respeitados (fls. 98/109).

 

A Douta Procuradoria de Justiça ofertou parecer opinando pelo não provimento do apelo (fls. 135/138).

 

É o relatório.

 

A discussão travada nos autos diz respeito à regularidade dos valores recolhidos a título de ITCMD devido para registro de escritura pública de inventário e partilha, tendo por objeto os imóveis deixados pelo falecimento de Mitsuo Kohigashi.

 

O título foi prenotado em 10.08.2021, tendo sido expedida nota de devolução em 14.09.2021 (fls. 08/09), nos seguintes termos:

 

“(…) no que pese as partes atribuírem o mesmo valor do usufruto à nua propriedade na presente partilha, a citada Lei nº. 10.705/2000, estabelece que o usufruto corresponde a 1/3 (um terço) do valor do bem, e a nua propriedade corresponde a 2/3 (dois terços). E sendo certo que a base de cálculo do imposto é o valor venal do bem, em consonância com a fração correspondente a nua-propriedade, verifica-se que o pagamento realizado na partilha, em favor dos herdeiros, foram feitos acima de seus respectivos quinhões (…). Tais diferenças, quando atribuídas aos herdeiros, acima de seus respectivos quinhões, estão sujeitas a tributação, em razão do disposto no art. 2º, §5º da lei 10.705/2000, e art. 1º, §5º do Decreto 46.655/2002.

 

Por todo o exposto, deverá a parte interessada providenciar o recolhimento da diferença do ITCMD, apurada no valor venal proporcional a nua-propriedade recebida por cada herdeiro na presente partilha”.

 

Ao suscitar a presente dúvida, esclareceu o registrador que, discordando da exigência formulada, a interessada reapresentou o título e formulou requerimento de suscitação de dúvida, o que foi objeto de nova prenotação, em 08.02.2022. Na oportunidade, o Oficial apresentou mais um óbice, afirmando que as certidões das transcrições dos registros anteriores dos imóveis, as quais servirão para abertura de matrículas e posterior registro da partilha, não atendem ao prazo de trinta dias exigido pelos artigos 197 e 229 da Lei nº 6.015/1973 c.c. o item 56, do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.

 

Ora, é sabido que ao registrador cabe examinar, de forma exaustiva, o título apresentado e, havendo exigências de qualquer ordem, estas deverão ser formuladas de uma só vez (artigo 198 Lei nº 6.015/1973), não no curso do processo de dúvida. Daí porque, encontrando óbices antes inexistentes, deveria o Oficial expedir uma outra nota devolutiva e não, apresentar exigências ao suscitar a dúvida, sem que fosse dada oportunidade à parte interessada para cumprimento.

 

De qualquer maneira, não se pode olvidar que tanto o MM. Juiz Corregedor Permanente quanto este Colendo Conselho Superior da Magistratura, ao apreciar as questões postas no processo de dúvida, devem requalificar o título por completo. A qualificação do título realizada no julgamento da dúvida é devolvida por inteiro ao órgão para tanto competente, sem que disso decorra decisão extra ou ultra petita e, tampouco, violação do contraditório e ampla defesa, como decidido por este órgão colegiado na Apelação Cível nº 33.111-0/3, da Comarca de Limeira, em v. acórdão de que foi Relator o Desembargador Márcio Martins Bonilha:

 

“Inicialmente, cabe ressaltar a natureza administrativa do procedimento da dúvida, que não se sujeita, assim, aos efeitos da imutabilidade material da sentença. Portanto, nesse procedimento há a possibilidade de revisão dos atos praticados, seja pela própria autoridade administrativa, seja pela instância revisora, até mesmo de ofício (cf. Ap. Civ. 10.880-0/3, da Comarca de Sorocaba). Não vai nisso qualquer ofensa ao direito de ampla defesa e muito menos se suprime um grau do julgamento administrativo. O exame qualificador do título, tanto pelo oficial delegado, como por seu Corregedor Permanente, ou até mesmo em sede recursal, deve necessariamente ser completo e exaustivo, visando escoimar todo e qualquer vício impeditivo de acesso ao cadastro predial. Possível, portanto, a requalificação do título nesta sede, ainda que de ofício, podendo ser levantados óbices até o momento não argüidos, ou ser reexaminado fundamento da sentença, até para alteração de sua parte dispositiva” (in “Revista de Direito Imobiliário”, 39/339).

 

Nesse cenário, a irregularidade verificada, que deverá ser oportunamente sanada, não impede o prosseguimento do feito e tampouco a análise do presente recurso, o qual, no entanto, não comporta acolhimento.

 

Analisado o título apresentado a registro, verifica-se que a viúva era casada com o inventariado pelo regime de comunhão universal de bens, sendo, portanto, meeira de todo o patrimônio. Na partilha, a meação da viúva foi paga com o usufruto vitalício sobre os bens do monte e os quinhões dos herdeiros filhos, com a nuapropriedade.

 

Não há irregularidade, diante da farta jurisprudência existente sobre o tema, em se admitir a possibilidade, quando da elaboração do plano de partilha, de ser atribuída aos herdeiros a nuapropriedade dos imóveis e o usufruto ao cônjuge supérstite (AI nº 233.257-4/3, SP, 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo; AI nº 133.340-4/1, SP, 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo; AI nº 174.195-4/9, Comarca de Penápolis, 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo; AI nº 138.922-4/4, Comarca de Jaú, 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo; AI nº 234.881-4, Comarca de São Carlos, 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo). Na doutrina, a situação fática encontra igual respaldo, conforme lecionam Sebastião Amorim e Euclides Oliveira (in “Inventários e Partilhas”, Livraria e Editora Universitária de Direito, 15ª ed., 2003, p. 297/298): “A doação de bens imóveis ou móveis, típico ato ‘inter vivos’, pode ocorrer também no âmbito do processo de inventário, por meio da cessão gratuita de direitos hereditários ou de meação, fazendo incidir o correspondente imposto de transmissão. O mesmo se diga da chamada ‘partilha diferenciada’, em que determinado herdeiro é beneficiado com cota superior à que lhe seria devida por herança, sem reposição pecuniária aos demais herdeiros. Diversamente, ocorrendo cessão de bem imóvel ou de direito a ele relativo, a título oneroso, ou havendo reposição na partilha diferenciada, assim como na hipótese de permuta de bens, o imposto será outro (o ITBI), de competência do Município (CF/88, art. 156), com regulamentação local (…).”

 

No caso concreto, insurge-se a apelante contra a exigência de recolhimento do ITCMD, apurado a partir do valor venal proporcional à nua propriedade recebida por cada herdeiro, ao argumento de que a partilha, feita entre maiores e capazes, apenas cuidou de atribuir as porções ideais conforme ajustado entre os interessados, não sendo devido qualquer outro imposto senão o que foi recolhido em razão da sucessão “causa mortis”.

 

Ocorre que, com a atribuição da nua-propriedade sobre a totalidade dos bens levados a inventário, os três herdeiros de Mitsuo Kohigashi receberam mais que a força da herança, em detrimento da meação da viúva. Na verdade, recebendo a viúva-meeira apenas o direito real de usufruto, forçoso admitir-se que ela transmitiu, por ato “inter vivos”, sua meação sobre a nua-propriedade, ainda que tenha sido compensada em parte, quando se lhe atribuiu usufruto sobre o todo de cada um dos imóveis inventariados. De qualquer modo, inegável que receberam os herdeiros mais do que houveram na qualidade de sucessores “causa mortis” e, pelo que excedeu, é devido o imposto por ato entrevivos porque configurada a transmissão de direitos imobiliários.

 

Relevante destacar, neste ponto, os ensinamentos dos já citados Sebastião Amorim e Euclides de Oliveira: “Hipótese bastante comum é a do cônjuge viúvo, com direito à meação nos bens da herança, concorrendo com herdeiros filhos. Atribui-se ao viúvo o direito de usufruto sobre determinados bens e fazse a partilha da nua-propriedade aos herdeiros. Cumpre ressalvar, no entanto, que o valor do usufruto corresponde a uma fração do valor dos bens, que no Estado de São Paulo, por força da Lei n. 10.775/2000, seria de 1/3. Sobre a diferença entre esse terço e o valor da meação, pelas cotas atribuídas aos herdeiros, incidirá o imposto de transmissão, que pode ser o ITCMD no caso de liberalidade, ou o ITBI se houver pagamento ou reposição do valor.” (in “Inventário e Partilha: teoria e prática”, 26ª edição, São Paulo: Saraiva, 2020, Capítulo 10, n. 2.2).

 

Logo, considerando que a atribuição de quinhões aos herdeiros ultrapassou a força da herança em detrimento da meação da viúva, o que caracteriza transmissão “inter vivos”, por ato gracioso, sem compensação patrimonial na partilha, mostra-se configurada a hipótese de incidência do ITCMD (Lei Estadual nº 10.705/2000, art. 2º, § 5º e art. 9º, § 2º, itens 3 e 4 c.c. art. 1º, § 5º do Decreto 46.655/2002). Ressalte-se que, diferentemente do quanto entende a apelante, o precedente referido em suas razões recursais (TJSP; Apelação Cível 1001328-44.2020.8.26.0584; Relator Des. Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de São Pedro – 2ª Vara; Data do Julgamento: 02/12/2021; Data de Registro: 15/12/2021), na verdade confirma o acerto do óbice ora apresentado pelo registrador, na medida em que se refere à efetiva apresentação, naquele caso, da guia de recolhimento do ITCMD devido em razão do valor da meação superar o valor do usufruto.

 

Por fim, insta consignar que é da incumbência do registrador a fiscalização do pagamento do imposto de transmissão de bens por força dos atos que lhe forem apresentados em razão do ofício (itens 117 e 117.1, Capítulo XX do Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça), sob pena, inclusive, de ser responsabilizado solidariamente pelo pagamento do tributo (artigo 134, inciso VI, do Código

 

Tributário Nacional).

 

Daí porque o óbice apresentado está correto, visto que

 

não se refere a eventual questionamento quanto ao valor recolhido, mas sim, diz respeito à efetiva necessidade de comprovação do recolhimento do imposto devido por conta do excesso de meação. Sobre o tema:

 

“REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – APELAÇÃO FORMAL DE PARTILHA – EXCESSO DE MEAÇÃO DIVISÃO DOS BENS NÃO IGUALITÁRIA – VALOR EXCEDENTE DA MEAÇÃO INCIDÊNCIA DE ITCMD – DEVER DOS REGISTRADORES IMOBILIÁRIOS DE EXIGIR A COMPROVAÇÃO DO RECOLHIMENTO DO IMPOSTO DEVIDO PARA REGISTRO DA TRANSFERÊNCIA DA TITULARIDADE DOMINIAL – APELO NÃO PROVIDO.” (TJSP; Apelação Cível 1005304-40.2022.8.26.0309; Relator (a): Fernando Antonio Torres Garcia (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Jundiaí – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 27/01/2023; Data de Registro: 02/02/2023).

 

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

 

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

 

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 04.12.2023 – SP)

 

Fonte: DJE/SP

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