A Constituição de 1988 é classificada, doutrinariamente, como uma Constituição dirigente e/ou compromissória. Isto é, ela confere e determina um norte a ser cumprido, ainda que não realizável em um primeiro momento pelo Estado. Tanto é assim que estabelece, como fundamento da República, a dignidade da pessoa humana.

 

Curiosamente, seja por questões históricas ou não, o legislador constitucional, por bem, faz várias menções à categoria de pessoas com deficiência (PCDs), compreendendo, mas não se limitando, a sua proteção e integração social, reserva de cargos, dentre outros. Contudo, não o fez diretamente quando o assunto envolve a legislação tributária. Assim sendo, trata-se de uma rara oportunidade para pincelar a ordem vigente e, quem sabe, perceber que mesmo não sendo perfeito o sistema atual, é digno de elogios.

 

Primeiramente, a Constituição cita 21 vezes a palavra deficiência, compreendendo, mas não se limitando aos seguintes ideais:

 

  • Da proibição e qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador PCD (artigo 7°, inciso XXXI);
  • Da competência comum dos entes federados em cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia de PCDs (artigo 23, inciso II);
  • Da competência concorrente dos entes federados em promover a proteção e integração social de PCDs (artigo 24, inciso IXV); e
  • Da reserva legal percentual de cargos e empregos públicos de PCDs, conforme estabelecido em lei (artigo 37, inciso VIII).

 

Dito isso, nenhuma das 21 menções está inserido em um contexto de tributação (título, seção ou afins) ou é voltado explicitamente para essa celeuma, ou seja, no aspecto diário da vida de PCDs, a priori, nada teria de fato relacionado com direito tributário.

 

Em realidade, a Constituição, ao estabelecer a competência tributária dos entes federados (artigos 145 — 163), diretamente toca o espectro dos PCDs, pois uma parcela dos tributos criados possui princípios e regras que adentram, justamente, no âmago do que significa ser uma PCD, qual seja, a desigualdade material de não existir em um mundo em pés de igualdade com os seus semelhantes e, por isso, ter regras e condições diferentes das demais pessoas.

 

É por isso, e por outras razões, que conceitos como de essencialidade, previstos no Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (artigo 153, § 3°, inciso I) e no Imposto sobre Produtos Industrializados (artigo 155, § 2°, inciso III), estão intrinsicamente ligados ao tratamento tributário diferenciado das pessoas com deficiência.

 

A essencialidade de determinados produtos e serviços, determinada pela Carta Magna e espalhada na legislação, pode resultar em alíquotas reduzidas ou até mesmo em isenções fiscais, como uma forma de garantir o acesso a itens fundamentais para o bem-estar e a qualidade de vida de PCDs.

 

Até mesmo o imposto de renda (IR) também se insere nesse contexto. Afinal, conforme dispõe o artigo 153, § 2°, inciso I, este deve ser pautado pela generalidade, universalidade e progressividade.

 

Outrossim, até mesmo o Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) não foge a regra. Diz a CF, em seu artigo 156, § 1°, que o IPTU pode ser progressivo em razão do valor do imóvel e ter alíquotas diferentes, de acordo a localização e o uso do imóvel.

 

Esses princípios são fundamentais para garantir que a tributação seja justa e proporcional à capacidade contributiva de cada um.

 

Políticas de benefício fiscal

Assim, a Constituição, ainda que não mencione expressamente regras e afins para PCDs, abre espaço para que normas infraconstitucionais, as quais devem estar alinhadas aos ditames da Constituição, implementem políticas de isenção e benefício fiscal.

 

Um exemplo claro é a isenção de IPI na compra de veículos adaptados, que facilita a mobilidade das PCDs, garantindo-lhes maior autonomia e inclusão social, estando em linha com o artigo 153, § 3°, inciso I citado anteriormente e que é tratado pela Lei n° 8.989/1995.

 

Outro exemplo, dessa vez relativo ao ICMS, corresponde ao Convênio ICMS n° 38/2012 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), o autoriza estados e o Distrito Federal (DF) a realizar isenção de ICMS na aquisição de aparelhos de prótese, órteses, cadeiras de rodas, equipamentos de locomoção e outros produtos de tecnologia assistiva.

 

Nesta toada, também há disposições no caso do IR. A Lei nº 7.713/1988, especificamente em seu artigo 6º, inciso XIV, estabelece isenção de imposto de renda sobre os proventos de aposentadoria ou reforma recebidos por pessoas acometidas de moléstias graves, incluindo deficiências físicas severas. Essa isenção visa reconhecer as dificuldades adicionais enfrentadas por essas pessoas e aliviar o ônus tributário, promovendo assim uma maior justiça fiscal e equidade na tributação.

 

Outrossim, também é digno de nota o IPTU. No município de São Paulo, a Lei nº 17.719/2021 estabelece isenção de IPTU para imóveis residenciais de propriedade ou posse de pessoas com deficiência física, visual, mental severa ou profunda, e autistas, desde que utilizados exclusivamente como moradia, aliviando o ônus tributário sobre PCDs, reconhecendo as despesas adicionais que enfrentam e promovendo uma política de justiça social e inclusão.

 

Portanto, é preciso considerar que a falta de uma menção direta na Constituição ao tratamento tributário de PCDs não implica omissão ou negligência. Pelo contrário, o arcabouço jurídico infraconstitucional tem se mostrado sensível às necessidades dessa população, incorporando princípios de equidade e justiça social. A criação de normas tributárias que beneficiem PCDs é uma extensão natural dos direitos e garantias fundamentais estabelecidos na Constituição.

 

Diante desse contexto, é evidente que o sistema tributário brasileiro, embora não seja perfeito, possui mecanismos para promover a igualdade material. A legislação infraconstitucional complementa a Constituição ao garantir que as pessoas com deficiência tenham acesso a benefícios fiscais que considerem suas necessidades específicas. Essas medidas são essenciais para minimizar as barreiras econômicas e sociais que dificultam a plena inclusão das PCDs na sociedade.

 

Em conclusão, ainda que a Constituição não trate diretamente do tema da tributação para PCDs, o ordenamento jurídico brasileiro demonstra um compromisso com a proteção e promoção dos direitos dessas pessoas. A legislação tributária, ao reconhecer e tratar as desigualdades materiais, cumpre um papel fundamental na construção de uma sociedade mais justa e inclusiva, respeitando os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e da igualdade.

 

Fonte: Conjur

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