Corte deve decidir se transfusão de sangue pode ser recusada por razões religiosas e se Poder Público deve custear tratamento alternativo

 

Nesta quinta-feira, 8, o STF começou a julgar, em plenário físico, se testemunhas de Jeová podem recusar transfusão de sangue no SUS (RE 1.212.272) e se a União deve custear procedimentos alternativos à transfusão de sangue no sistema público de saúde (RE 979.742).

 

A sessão desta tarde foi destinada à leitura do relatório, às manifestações das partes, além da oitiva das sustentações orais dos amici curiae. O debate será retomado posteriormente, ainda sem data definida.

 

Manifestação das partes

 

A advogada Eliza Gomes Morais Akiyama, representando a paciente no RE 1.212.272 , afirmou que o STF tem tomado decisões no sentido de reforçar a dignidade humana, a capacidade individual na tomada de decisões e o reconhecimento de que, se não for permitido exteriorizar a fé, não há espaço para a própria fé.

 

Como exemplo, citou as ADIns 6.586 e 6.587, que discutiam a obrigatoriedade da vacina de Covid-19, nas quais foi estabelecido que a intangibilidade do corpo das pessoas, somada à garantia da integridade física e moral, torna qualquer medida invasiva que ameace ou comprometa essa integridade flagrantemente inconstitucional.

 

Nesse contexto, a advogada ressaltou que um paciente adulto e capaz teria o direito de estabelecer os limites de seu próprio tratamento.

 

No mesmo sentido se manifestaram as advogadas do paciente no RE 979.742, Luciana Montenegro de Castro Cadeu e Mychelli de Oliveira Pereira Fernandez.

 

As causídicas argumentaram que o Estado deve custear o tratamento médico sem transfusão de sangue, em razão das convicções religiosas do paciente.

 

Como exemplo, trouxeram o caso do hospital Amaral Carvalho, localizado na cidade de Jaú/SP e referência no SUS, que firmou TAC – termo de ajustamento de conduta para atender as testemunhas de Jeová. Destacaram que, para viabilizar os procedimentos, não foram necessários investimentos adicionais ou orçamentos extras por parte do Estado.

 

Afirmaram que, como TAC, o Estado forneceu a segurança jurídica necessária aos pacientes, os quais, segundo diversas decisões de 1ª instância, têm o direito de requerer procedimentos médicos sem sangue, por meio da utilização do PBM – patient blood management (gerenciamento do sangue do paciente).

 

O PBM é uma abordagem médica focada em otimizar o uso do próprio sangue do paciente durante procedimentos médicos para reduzir a necessidade de transfusões alogênicas (sangue de doadores).

 

Amicus curiae

 

Representando a Associação das Testemunhas Cristãs de Jeová, o advogado Laércio Ninelli Filho destacou que o julgamento não se trata de um suposto embate entre religião e ciência, fé e medicina, ou testemunhas de Jeová contra médicos. Mas que a questão em discussão oferece a possibilidade de convergência entre as necessidades legítimas do grupo religioso e o melhor interesse público, promovendo uma saúde pública eficiente, acolhedora e economicamente sustentável.

 

O advogado argumentou que a recusa à transfusão de sangue não ofende o direito à vida, ressaltando que essa afirmação é incorreta, pois existem outras formas de tratar a anemia sem a necessidade de transfusões sanguíneas. Ele mencionou que, em 2021, a OMS emitiu uma diretriz sanitária global enfatizando a urgência de os países implementarem programas para gerenciar o sangue do próprio paciente.

 

Além disso, Laércio citou exemplos de hospitais que já estão implementando tratamentos alternativos no Distrito Federal e em São Paulo (Unifesp), demonstrando que esses métodos não oneram o Estado.

 

No entanto, ele apontou a dificuldade enfrentada pelos pacientes, que ficam muitas vezes sem atendimento nas portas dos hospitais devido à falta de uma resposta clara sobre a legitimidade da recusa por convicção religiosa. Isso ocorre porque o Estado Brasileiro ainda não forneceu uma resposta definitiva, dificultando o acesso desses pacientes aos cuidados médicos.

 

Por fim, o advogado relembrou a ADIn 4.439, que também tratou da liberdade religiosa ao julgar o ensino religioso em escolas, na qual o ministro Fachin refletiu que a religião, para aqueles que seguem seus preceitos, é mais do que uma simples visão de mundo, mas sim uma condição essencial da existência.

 

Recusa à transfusão

 

O RE 1.212.272 envolve mulher testemunha de Jeová que, devido a uma doença cardíaca, foi encaminhada para a Santa Casa de Misericórdia em Maceió/AL para uma cirurgia de substituição de válvula aórtica.

 

Por motivos religiosos, ela recusou a transfusão de sangue, assinando um termo de consentimento sobre os riscos, mas negou a autorização prévia para transfusão, resultando no cancelamento da cirurgia.

 

A Justiça de Maceió manteve a decisão de que a cirurgia não poderia ocorrer sem a possibilidade de transfusão devido aos riscos.

 

A paciente recorreu, argumentando que a exigência de consentimento violava sua dignidade e direito à saúde, alegando que cabe a ela decidir sobre os riscos do tratamento.

 

Tratamento diferenciado

 

No caso do RE 979.742, a União recorre contra a decisão que a condenou, junto ao Estado do Amazonas e o município de Manaus, a custear uma cirurgia de artroplastia total em outro Estado para um paciente, já que o procedimento sem transfusão de sangue não está disponível no Amazonas.

 

A Procuradoria-Geral da República sugeriu que o Estado deve cobrir os custos de tratamentos que respeitem a liberdade religiosa, desde que esses tratamentos alternativos estejam disponíveis no sistema público de saúde.

 

Processos: RE 1.212.272, RE 979.742

 

Fonte: Migalhas

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