Processo 0010093-76.2024.8.26.0100

Espécie: PROCESSO
Número: 0010093-76.2024.8.26.0100

Processo 0010093-76.2024.8.26.0100

Pedido de Providências – VISTOS.Trata-se de pedido de providências instaurado a partir de comunicação encaminhada pela Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, à vista de ofício expedido pelo MM. Juízo da 9ª Vara Cível do Foro (…), da Comarca desta Capital, no qual se noticiou a abertura de cartão de assinaturas e reconhecimento de firma em nome de R.A.C., aposto em “Instrumento Particular de Venda e Compra” de Imóvel sito em (…), São Paulo, com fulcro em documento de identificação falso, pelo Registro Civil das Pessoas Naturais (…) desta C. Os autos foram instruídos com os documentos de fls. 02/350 (cópias do processo enviadas pelo MM. Juízo oficiante). Em sua manifestação, a Sra. Titular informou ter aberto o cartão de assinaturas e reconhecido a firma em comento, porém, no processo judicial de origem do ofício (de nº 1086626-33.2022.8.26.0002), o Sr. R.A.C. se manifestou no sentido de que seus dados foram utilizados ilegalmente por falsários. Ainda, a Sra. Delegatária informou ter determinado o bloqueio interno preventivo do cartão de assinatura e que verificou a existência de firmas abertas em nome do cidadão em outras seis serventias extrajudiciais no Estado de São Paulo (fls. 354/357), sendo instados a se manifestarem os responsáveis pelas Unidades desta Capital (fl. 367). Após as manifestações dos responsáveis pelas delegações correicionadas, determinei o bloqueio de todos os cartões de assinatura em comento, por cautela, e solicitei ao Detran e ao IIRGD a confirmação da autenticidade dos documentos de identificação pessoal arquivados pelas Serventias, constando as respostas dos órgãos públicos às fls. 442/449 (IIRGD) e fls. 451/452 (Detran). O interessado R.A.C. foi intimado via e-mail, bem como se tentaram intimações via Correio, sendo estas frustradas. Portanto, manteve-se inerte, como certificado pela z. Serventia Judicial (fl. 409). Consigno, ainda, notícia de não constar representação da parte interessada junto à Autoridade Policial (fl. 423). Em seu parecer, o Ministério Público opinou pelo arquivamento dos autos, ante a inexistência de incúria funcional por partes dos Senhores Delegatários e Designados, assim como pelo bloqueio das fichas de firmas em que utilizados o documento de identidade falso (fls. 428/430, reiterado à fl. 457). É o breve relatório. DECIDO. Cuida-se de pedido de providências no qual se verifica eventual falta funcional praticada pela Sra. Registradora Civil das Pessoas Naturais (…), bem como dos demais Titulares e Interinos responsáveis pelo (…) Tabelionato de Notas, (…) e (…) Registros Civis das Pessoas Naturais e RCPN e Tabelionato de Notas do Distrito de (…), todos desta Capital, na abertura de cartões de assinaturas com amparo em documento de identidade falso e respectivamente eventuais reconhecimentos de firma. Segundo consta da cópia dos autos de nº 1086626-33.2022.8.26.0002 juntada a este expediente, narram a Sra. J.S.R.S. e o Sr. E.S.P. que teriam adquirido imóvel de R.A.C., porém, após efetuar o pagamento, constataram a ocorrência de fraude, vez que o proprietário negou ter realizado a venda. Considerando terem confiado no reconhecimento de firma de Instrumento Particular de Venda e Compra pelo Registro Civil das Pessoas Naturais (…) desta Capital, pleiteiam indenização em face de sua Titular, do suposto vendedor do imóvel e demais beneficiários. Todavia, no feito mencionado, o Sr. R.A.C. negou ser o responsável pela venda apócrifa, pois seria vítima de terceiros que vêm utilizando seus dados indevidamente para cometer fraudes (fls. 257/269). Por sua vez, a Sra. Delegatária noticiou que a abertura de cartão de assinatura e reconhecimento de firma em nome de R.A.C., aposto em “Instrumento Particular de Venda e Compra” de Imóvel sito em (…), São Paulo, foi realizada com fulcro em documento de identidade ora reputado como falso, porém à época aceito por outras serventias para igual abertura de ficha-firma, de maneira que, por ter observado as cautelas necessárias, como consulta à CRC e ao Teledocumentos, além de contar com prepostos experientes e treinados, os quais não constataram a falsificação, entende não ter ocorrido falha na prestação do serviço extrajudicial. Em razão da menção pela Sra. Delegatária de abertura de cartão de assinatura por outras Serventias, os responsáveis pelo (…) Tabelionato de Notas de São Paulo, Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelionato de Notas do Distrito de (…) e pelos Registros Civis das Pessoas Naturais do (…) Subdistrito, (…), bem como do (…) Subdistrito, Ipiranga, todos desta Capital, foram instados a se manifestar. A Sra. Tabeliã responsável pelo (…) Tabelionato de Notas informou existir cartão de firma aberto em nome de R.A.C. na Unidade, cujo documento de identidade seria o mesmo apresentado ao RCPN do 4(…) Subdistrito, de modo que, por cautela, determinou que seus prepostos se abstenham de realizar atos com base no referido cartão até ulterior determinação desta Corregedoria Permanente (fls. 371/372). Por seu turno, a Sra. Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais do (…) Subdistrito, (…) informou também ter aberto cartão de firma em nome do cidadão, verificando o documento de identificação pelo Sistema de Validação de Documentos, conhecido como “Tele Documentos” (fl. 373). Noutra quadra, o Sr. Designado do Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelionato de Notas do Distrito de (…), São Paulo, informou que o Sr. R.A.C. possui firma aberta na Serventia desde 2013, quando foi apresentada Carteira Nacional de Habilitação, validada pelo SENATRAN (fl. 378). Por fim, a Sra. Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais do (…), (…), declarou que o cartão aberto em nome do cidadão data de 13 de março de 2009, acompanhado de RG (fl. 382). Ainda, constam dos autos relato do Sr. Interino responsável pelo (…) Tabelionato de Notas e de Protesto de Letras e Títulos da Comarca de São Caetano do Sul, no sentido de ter adotado medidas para que o cartão de firma ali aberto em nome do cidadão não fosse mais utilizado (fl. 389). Igualmente, consta informação do Juízo Corregedor Permanente do (…) Tabelião de Notas de (…), São Paulo, de que a ficha que estava sendo aberta em nome de R.A.C. sequer integrou o acervo da serventia, pois foi cancelada e declarada sem efeito assim que o escrevente suspeitou da validade do documento de identidade apresentado (fls. 395/399). Pois bem. De proêmio, rememoro os esclarecimentos prestados pelo Sr. (…) Tabelião de Notas desta Capital nos autos de nº 1019157- 93.2024.8.26.0100 a respeito de procedimentos recomendáveis para abertura de cartões de assinatura e respectivos atos notariais que comportem reconhecimento de firma. Nesse sentido, o procedimento interno acautelatório e de conferência para a abertura de cartões de assinatura e para a lavratura de atos notariais envolve treinamento periódico de escreventes a cargo dos responsáveis pelas Serventias, com o escopo de verificar a veracidade dos documentos de identificação apresentados, em seus aspectos materiais e ideológicos. Não obstante, à falta de uma base originária de dados biográficos – como a CRC, cujo acesso é facultado aos registradores civis que cumulam atribuição notarial, mas não aos notários “puros”, toda validação é feita com base na conferência de segunda ordem das informações dos próprios documentos apresentados e sua confrontação em bases públicas. Assim, a falsidade material é captada por sinais de autenticação, sendo que os escreventes das Unidades devem passar de tempos em tempos por reciclagem profissional através dos cursos de documentoscopia fornecidos pelo Colégio Notarial. Para os atos de rotina, a certificação comum é a utilização de luz específica capaz de criar contraste a identificar os padrões de segurança de cada documento. Entretanto, a possível segurança fornecida por este método é frágil, ante os desvios de papéis de segurança, os quais não são raros. Já em relação à falsidade ideológica, os locais de nascimento podem ser cotejados com os sequenciais finais dos CPFs, anteriores ao dígito. Além disso, os próprios dígitos verificadores do RG e do CPF podem ser contrastados com a numeração sequencial apresentada, uma vez que decorrem de função matemática da própria numeração. Outros sinais também são passíveis de verificação, como a existência da partícula “E” entre os nomes de pai e mãe indicados para RGs emitidos no Estado de São Paulo após 1987.Ainda, para o RG emitido no Estado de São Paulo, é possível analisar a assinatura do responsável pelo IIRGD à época de expedição, o posicionamento da foto em mesmo sentido da digital, a perfuração da sigla do Instituto junto ao papel de segurança, a vedação ao código impresso junto à identificação do Instituto ser o de nº. 101-7, o nome do pai em linha diversa do da mãe, e a naturalidade, para a Capital, como sendo grafada -S. Paulo-. Ademais, é possível a consulta a bases públicas como a da Polícia Civil de São Paulo e a do Detran do Rio de Janeiro, as quais embora não forneçam maiores dados, confirmam a correção daqueles eventualmente imputados. Dessa forma, a segurança passível de verificação sem acesso a uma base originária de informações não é segura de proteger contra falsidades decorrentes da apropriação dos dados corretos por eventual falsário, sendo possível, todavia, o confronto dos dados fornecidos pelo próprio documento apresentado. Ainda, saliento ser possível a verificação da veracidade dos documentos que contenham QR Code, a exemplo da Carteira Nacional de Habilitação. Feitas essas observações, consigno a existência do Inquérito Policial de nº 1506691-44.2022.8.26.0564, arquivado há mais dois anos junto à 2ª Vara Criminal de (…), no qual laudo pericial de fls. 51/53 daquele expediente concluiu ser falsa carteira de identidade apresentada ao (…) Tabelionato de Notas de (…), originando o pedido de providências de nº 0007073-43.2024.8.26.0564 mais acima referido. A semelhança ou quiçá a identidade entre tal documento de identificação e aquele de fl. 358 que embasou a abertura de fichafirma junto ao 4(…) RCPN é evidente. Nesse ponto, colaciono a conclusão então apresentada: “É falsa a carteira de identidade descrita no capítulo Peças de Exame, tendo em vista que não apresenta os elementos de segurança documental dos similares legítimos, quer quanto ao papel, quer quanto aos processos de impressão”. Some-se a isso a comparação entre fl. 358 dos presentes autos e fl. 272 do processo de nº 1086626-33.2022.8.26.0002 (indicado inclusive pelo Ministério Público), na qual consta a carteira que o Sr. R.A.C. sustenta lhe pertencer, de modo que se pode concluir, com segurança, pela falsidade dos documentos apresentados às Serventias Extrajudiciais do 4(…) RCPN (fl. 358), (…) TN (fl. 372) e (…) RCPN (fl. 376), mormente em virtude das conclusões apresentadas às fls. 442/449 pelo IIRGD e fls. 451/452 pelo Detran. Forte nesses fundamentos, excepcionam-se somente os cartões de assinatura abertos pelo (…) RCPN (fls. 383/ 384) e RCPN e TN do Distrito de (…) (fls. 379/380), por falta de elementos a indicar fraude para sua abertura. Nesse ponto, cabe destacar que o IIRGD concluiu que os dados contidos na cópia da suposta Carteira de Identidade de fl. 443 correspondem com os dados de seus arquivos, embora não tenha sido possível analisar as impressões digitais em razão da baixa qualidade da imagem e ausência de nitidez: “Concluímos com base nos dados biográficos e na comparação das fotos, que a cópia (…) corresponde a uma Carteira de Identidade emitida pelo IIRGD”. Noutra quadra, a respeito da cópia da Carteira de Identidade colacionada à fl. 444, verificou-se que “a numeração de série e espelho (…) não corresponde” com espelho de RG emitido pelo IIRGD, assim como a foto constante no documento. Igual conclusão foi obtida em relação a todos os documentos de identificação pessoal semelhantes a ele. Por sua vez, o Detran confirmou que o documento de habilitação de fl. 380 (apresentado à Serventia do Distrito de (…)) possui dados válidos. Logo, é seguro concluir que restou devidamente positivada a falsidade na abertura das fichas de firmas em nome de R.A.C. que tiveram como fundamento o documento de identificação forjado, bem como a ocorrência dos consequentes vícios nos reconhecimentos de firmas posteriormente realizados. Entretanto, em relação à eficácia e validade dos documentos particulares porventura submetidos a reconhecimento de firma, sua verificação extrapola as funções notariais, podendo eventuais interessados submeter seus pleitos à via jurisdicional, alheia à atribuição desta Corregedoria Permanente, como ocorre no caso em análise pelo MM. Juízo oficiante, mediante o devido processo legal. Sendo assim, entendo inexistir indícios de ilícito funcional merecedor de apenamento por quaisquer das Serventias correicionadas, em virtude de nada indicar sua participação nos ilícitos engendrados, tendo agido com as cautelas que lhe são exigidas. Dentre outras medidas, saliento que: todas as Serventias fiscalizadas determinaram o bloqueio preventivo dos cartões de assinatura com suspeita de fraude e/ou cumpriram minha determinação com tal finalidade; a Sra. Oficial do 4(…) RCPN informou que ao abrir o cartão de assinatura a Unidade verificou o documento de identidade apresentado via CRC e Sistema de Validação “Teledocumentos”, porém seus prepostos não constataram a falsificação, assim como relataram as Senhoras Oficiais e prepostos do (…) TN e (…) RCPN, sendo todos orientados, treinados e fiscalizados. Além de três Serventias da Capital, o falsário tem sido capaz de ludibriar aqueles que contratam consigo e outras delegações, a exemplo do (…) Tabelionato de Notas e de Protesto de Letras e Títulos da Comarca de São Caetano do Sul, consoante outrora apurado pela respectiva MM. Juíza Corregedora Permanente, fato que indica a ausência de desídia por parte dos serviços correicionados. Na verdade, infere-se que a Senhoras Delegatárias e o Sr. Interino tomaram as providências acautelatórias cabíveis ao ter notícia da fraude, a qual não contou com sua conivência. Aliás, apenas a fotografia dos documentos de identidade apresentados denunciou a fraude, não perceptível pelas consultas realizadas pelas Unidades. Não se tratou, portanto, de falsificação grosseira ou aparente, que indicasse evidente fraude. Todavia, consigno às Senhoras Delegatárias e ao Senhor Designado que se mantenham rigidamente atentos e zelosos na orientação e fiscalização dos prepostos sob sua responsabilidade, inclusive se atentando às medidas de segurança e conferência para abertura de cartões de assinatura e prática de atos notariais, de modo a evitar a repetição de fatos semelhantes. No mais, suficientemente demonstradas as fraudes praticadas, determino o cancelamento dos cartões de assinaturas correspondentes (que deverão permanecer sob a guarda da unidade, para eventual necessidade de perícia), vedada a extração de certidões ou traslados, sem a autorização desta Corregedoria Permanente, salvo expressa requisição judicial. Em razão de todo o exposto, por outro lado, determino o desbloqueio dos cartões de assinatura que não contam, à evidência, com ao menos indícios de fraudes, ou seja, a aparente higidez socorre somente os cartões de assinatura abertos pelo (…) Registro Civil das Pessoas Naturais e pelo Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelionato de Notas do Distrito de (…), ambos desta C. Nessa ordem de ideias, a hipótese dos autos não dá margem à adoção de providência censório-disciplinar em relação aos serviços correicionados, não se vislumbrando responsabilidade funcional apta a ensejar a instauração de procedimento administrativo em face das Senhoras Titulares e do Sr. Interino. Outrossim, reputo conveniente a extração de peças de todo o expediente para encaminhamento à CIPP, nos termos do artigo 40 do Código de Processo Penal. Destarte, à míngua de medida correcional a ser instaurada, determino o arquivamento dos autos. Encaminhe-se cópia integral dos autos à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça e ao MM. Juízo da 9ª Vara Cível do Foro Regional II – Santo Amaro, desta Capital, por e-mail, servindo a presente sentença como ofício. Ciência ao Ministério Público, às Senhoras Delegatárias e ao Sr. Interino, para cumprimento. Publique-se, para fins de conhecimento da fraude. I.C. (DJe de 24.02.2025 – SP)

Fonte: DJE

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