O artigo analisa o ITCMD sobre bens no exterior, destacando a exigência de lei complementar e os riscos à segurança jurídica, sob a ótica da hermenêutica pluralista de Häberle
1.Introdução
A Constituição Federal brasileira, em seu art. 155, inciso I e §1º, define a competência dos Estados e do Distrito Federal para instituir o ITCMD – Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos. Ainda que de competência estadual, a cobrança do ITCMD sempre enfrentou limites constitucionais claros e necessários, sobretudo, no que se refere à tributação dos bens localizados fora do território nacional.
Nesse contexto, o STF, ao julgar o RE 851.1081, assentou que a exigência do ITCMD sobre bens situados no exterior depende expressamente da existência de uma LC Federal, prevista pelo art. 155, §1º, inciso III da Constituição.
A recente EC 132/23, denominada popularmente como “reforma tributária”, trouxe novamente à tona a discussão sobre a constitucionalidade dessa cobrança. Embora a emenda tenha modificado significativamente o sistema tributário brasileiro, ela reacendeu o debate hermenêutico em torno da tributação estadual dos patrimônios internacionais, suscitando questões complexas sobre federalismo fiscal, capacidade contributiva e segurança jurídica.
Diante da complexidade interpretativa trazida pela EC 132/23, a teoria da “Hermenêutica constitucional – Sociedade aberta dos intérpretes da constituição”, proposta por Peter Häberle, oferece um instrumental relevante para analisar o tema.
Dessa forma, segundo Häberle (1997), a interpretação constitucional não é tarefa exclusiva de uma única instituição, como o Judiciário ou o Legislativo, mas sim uma atividade aberta e dinâmica que envolve múltiplos atores sociais, instituições públicas e privadas, em constante diálogo pluralista e procedimental.
Dessa forma, a Constituição não possui um significado fixo e imutável, mas sim uma multiplicidade de sentidos que são definidos e redefinidos ao longo do tempo, conforme as exigências sociais e jurídicas apresentadas pelos casos concretos (HÄBERLE, 1997)2.
Nesse cenário hermenêutico pluralista, o recente caso envolvendo a família de Silvio Santos (MS 1098498-18.2024.8.26.0053, 16ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo)3 destaca a importância da interpretação procedimental da Constituição, especialmente, no que tange à exigência constitucional de LC Federal para cobrança do ITCMD sobre patrimônio situado no exterior. Tal caso demonstra claramente como os diversos intérpretes – Poder Judiciário, Legislativo, advogados, doutrinadores e sociedade civil – atuam conjuntamente na formação do sentido constitucional, evidenciando uma dinâmica constante de interpretação aberta e procedimental.
Assim, este artigo visa analisar, sob a ótica hermenêutica pluralista, os impactos constitucionais e jurisprudenciais provocados pela reforma tributária, identificando os desafios interpretativos e propondo caminhos para assegurar tanto a justiça tributária quanto a segurança jurídica, em consonância com os princípios constitucionais brasileiros.
2. Hermenêutica constitucional e a sociedade aberta dos intérpretes da constituição
A hermenêutica constitucional pluralista, proposta e desenvolvida por Peter Häberle, traz uma perspectiva inovadora ao estudo do Direito Constitucional, destacando a importância da interpretação constitucional como uma atividade aberta, democrática e profundamente participativa.
Para Häberle, a Constituição não é apenas um texto jurídico que serve de base ao ordenamento jurídico, mas sim uma realidade viva, constantemente recriada por meio de múltiplos processos interpretativos conduzidos por diferentes atores sociais e institucionais (HÄBERLE, 1997).
Segundo essa abordagem pluralista, a interpretação constitucional não pode se limitar aos órgãos judiciais, como tradicionalmente se faz, especialmente no âmbito das cortes constitucionais. Pelo contrário, ela abrange todos os cidadãos e instituições que participam ativamente do processo democrático e das interações sociais que contribuem para a definição do sentido das normas constitucionais. Häberle enfatiza que o intérprete constitucional é potencialmente todo indivíduo que participa do diálogo público, desde juristas, parlamentares, governantes, até membros da sociedade civil, imprensa e academia (HÄBERLE, 1997).
Dessa forma, Häberle propõe o conceito de “sociedade aberta dos intérpretes da Constituição”, em que todos esses atores desempenham papel relevante na construção coletiva do significado constitucional. Essa perspectiva rompe com a visão restritiva da interpretação jurídica, limitada à atividade dos juízes, e introduz uma dimensão democrática mais ampla, na qual prevalece o diálogo plural e o confronto construtivo entre diferentes visões interpretativas (HÄBERLE, 1997).
Além disso, Häberle defende a interpretação procedimental da Constituição, segundo a qual o significado das normas constitucionais se estabelece e legitima por meio de processos deliberativos e democráticos claros e previamente definidos. Esses procedimentos garantem que o pluralismo interpretativo não resulte em arbitrariedade ou insegurança jurídica, mas sim em decisões constitucionalmente legítimas e socialmente aceitas (HÄBERLE, 1997).
Nesse sentido, a hermenêutica constitucional pluralista e procedimental se mostra especialmente relevante em questões complexas e polêmicas, como a tributação do ITCMD sobre bens localizados no exterior, permitindo que a discussão constitucional envolva uma multiplicidade de intérpretes e garantindo que as decisões resultem do diálogo institucionalizado e democraticamente estruturado.
3. ITCMD e bens no exterior: Regra matriz e uma perspectiva hermenêutica pluralista
A análise da regra matriz de incidência do ITCMD é fundamental para compreender a constitucionalidade da sua exigência, sobretudo quando envolve situações transnacionais. Conforme abordado por Andreia Fogaça4, a regra matriz de um tributo é composta por dois elementos essenciais: o critério material, que define o fato gerador da obrigação tributária (neste caso, a transmissão gratuita de bens e direitos), e os critérios espacial, temporal, subjetivo e quantitativo, que delimitam o local, o momento, os sujeitos envolvidos e a base de cálculo da tributação.
No caso do ITCMD, a Constituição Federal, em seu art. 155, inciso I, estabelece a competência dos Estados e do Distrito Federal para instituir o imposto sobre a transmissão causa mortis e a doação de quaisquer bens ou direitos. Os parágrafos seguintes, notadamente o §1º, detalham as hipóteses de incidência e distribuem a competência tributária entre os entes federados, inclusive tratando de situações que envolvem bens localizados fora do Brasil ou doadores e falecidos domiciliados no exterior.
Além do mais, em relação às transmissões com elementos de conexão internacional, o constituinte derivado impôs uma condição de validade adicional à instituição do tributo: a prévia edição de LC Federal. Essa exigência se dá para garantir a harmonização normativa e evitar conflitos de competência entre os entes federativos. A ausência dessa lei complementar inviabiliza a exigência do tributo nessas situações específicas, pois compromete a completude da regra matriz e fere o princípio da legalidade estrita.
Em síntese, sem a edição da lei complementar exigida pelo art. 155, §1º, inciso III, alíneas “a” e “b” da Constituição Federal, a regra matriz do ITCMD permanece incompleta nas hipóteses envolvendo heranças e doações com conexão internacional.
Dessa forma, qualquer tentativa dos Estados de instituir ou cobrar o imposto nessas situações configura violação ao pacto federativo e à cláusula de reserva legal qualificada, impondo insegurança jurídica ao contribuinte e inconstitucionalidade à norma estadual.
Diante disso, a atual controvérsia em torno da tributação pelo ITCMD sobre bens situados no exterior constitui um exemplo paradigmático de como a interpretação constitucional pluralista pode ser observada na prática jurídica brasileira.
Essa controvérsia emergiu com maior evidência após a decisão do STF no RE 851.108, no qual se consolidou a tese de que os Estados não poderiam exigir a cobrança do ITCMD sobre bens localizados fora do território nacional sem que houvesse uma LC Federal disciplinando especificamente essa possibilidade, conforme prevê o art. 155, §1º, inciso III da Constituição Federal.
A exigência dessa lei complementar é um claro exemplo de interpretação procedimental da Constituição, pois a legitimidade constitucional da cobrança não advém simplesmente do reconhecimento da competência tributária estadual, mas sim da observância rigorosa do procedimento constitucionalmente estabelecido. A ausência dessa LC coloca em evidência o papel central que os procedimentos constitucionais desempenham na legitimação democrática e jurídica da atuação estatal em matéria tributária.
Essa situação hermenêutica pluralista pode ser vista claramente na interação entre os diversos intérpretes constitucionais envolvidos no debate. O Poder Legislativo, por exemplo, permanece no centro da controvérsia, tendo sido provocado a elaborar uma LC Federal que regule a questão, mas ainda não o fez.
Por outro lado, o Poder Judiciário, especialmente o STF e tribunais estaduais como o TJ/SP no recente caso envolvendo a família de Silvio Santos (processo 1098498-18.2024.8.26.0053), atuaram decisivamente ao interpretar e aplicar as normas constitucionais, determinando a suspensão provisória da cobrança pela falta do procedimento legislativo complementar exigido.
Ademais, a sociedade civil e a comunidade acadêmica desempenham papéis fundamentais no enriquecimento do debate constitucional, produzindo conhecimento doutrinário e mobilizando opiniões que contribuem para a clareza das questões envolvidas e influenciam diretamente as decisões institucionais. Esse diálogo entre intérpretes diversos é, em essência, o núcleo da abordagem pluralista proposta por Häberle, demonstrando que o significado constitucional é construído e legitimado por meio da constante interação democrática entre todos os atores sociais envolvidos.
Portanto, sob a ótica hermenêutica pluralista, a exigência constitucional de uma lei complementar específica para regulamentar a tributação do ITCMD sobre bens localizados no exterior reflete um compromisso constitucional com o diálogo institucionalizado, o pluralismo interpretativo e a legitimação procedimental das decisões públicas.
4. Reforma tributária (EC 132/23) e a reabertura interpretativa
A EC 132, promulgada em 20/12/235, introduziu uma das mais amplas reformas do sistema tributário brasileiro desde a Constituição de 1988. Em meio a um conjunto significativo de alterações, destaca-se a tentativa de reconfigurar a competência tributária dos entes federativos e racionalizar a tributação sobre consumo e patrimônio. Dentre os diversos pontos abordados pela emenda, a possibilidade de cobrança do ITCMD sobre bens localizados no exterior voltou a ser objeto de acirradas discussões hermenêuticas e jurisprudenciais.
Até então, conforme entendimento consolidado pelo STF no julgamento do RE 851.108, era vedado aos estados instituir o ITCMD sobre heranças ou doações no exterior sem a prévia edição de LC Federal, em estrita observância ao disposto no art. 155, §1º, inciso III, da Constituição. Essa decisão enfatizou a necessidade de um procedimento legislativo específico como condição de validade para a instituição do tributo, com base nos princípios do devido processo legislativo, da legalidade tributária e da segurança jurídica (BRASIL, 1988; STF, RE 851.108, 2021)6.
Com a promulgação da EC 132/23, diversos juristas passaram a sustentar que a nova redação do texto constitucional permitiria uma flexibilização dessa exigência, ao reforçar a autonomia dos estados em matérias tributárias. No entanto, a emenda não revogou expressamente a cláusula constitucional que exige a LC, tampouco editou a norma faltante, o que reabre a controvérsia sob uma nova perspectiva hermenêutica. A divergência reside justamente na interpretação da eficácia das normas constitucionais alteradas: haveria uma mudança suficiente para dispensar a edição da lei complementar? Ou a necessidade permanece vigente, reafirmando-se o papel dos procedimentos legislativos como instrumentos de legitimidade constitucional?
Sob a ótica da hermenêutica constitucional pluralista, essa reabertura interpretativa revela um cenário de intensa interlocução entre os poderes e os intérpretes constitucionais. Tribunais estaduais, como o TJ/SP, vêm proferindo decisões cautelosas, muitas vezes determinando a suspensão da cobrança do ITCMD sobre bens no exterior, justamente por reconhecerem a ausência da necessária lei complementar e o entendimento consolidado do STF.
A corroborar o exposto acima, um exemplo recente é a liminar concedida no MS 1098498-18.2024.8.26.0053, que autorizou o depósito judicial dos valores e suspendeu a exigibilidade do crédito tributário, reafirmando a prevalência do patrimônio líquido e da observância ao devido procedimento legislativo (TJ/SP, 2024)7.
Nesse viés, doutrinadores como Luís Roberto Barroso (2012) e José Afonso da Silva (2007)8 destacam que a interpretação constitucional deve respeitar o equilíbrio entre os princípios da segurança jurídica, da legalidade e da efetividade dos direitos fundamentais, de modo que qualquer tentativa de afastar a exigência de LC sem base textual inequívoca deve ser vista com cautela. Barroso argumenta que a Constituição impõe limites materiais e procedimentais ao exercício do poder de tributar, os quais não podem ser afastados por simples mutação constitucional ou por interpretação extensiva em prejuízo do contribuinte (BARROSO, 2012)9.
Assim, mesmo após a EC 132/23, o debate permanece aberto e marcado por tensões interpretativas que ilustram, com clareza, a atuação da sociedade aberta dos intérpretes da Constituição. O tema segue exigindo uma resposta institucional clara, democrática e juridicamente consistente, de modo a assegurar previsibilidade, equidade fiscal e estabilidade normativa.
5. Posicionamento Crítico: Diálogo institucional e insegurança jurídica
A adoção da hermenêutica constitucional pluralista, conforme propugnada por Peter Häberle, representa uma valiosa inovação teórico-metodológica na compreensão da Constituição, ao permitir que múltiplos intérpretes – inclusive os não estatais – participem ativamente da construção do sentido das normas constitucionais.
No entanto, ao mesmo tempo em que amplia a legitimidade democrática da interpretação constitucional, essa abordagem também revela limites e riscos, especialmente quando aplicada a temas sensíveis como o da tributação de heranças e doações com elementos internacionais, caso do ITCMD.
Uma das principais virtudes da interpretação pluralista é fomentar o diálogo institucional entre os poderes e a sociedade, permitindo que o processo hermenêutico seja moldado por diferentes perspectivas normativas, culturais, econômicas e sociais.
No caso do ITCMD, esse diálogo se expressa no embate entre a omissão legislativa da União quanto à edição da lei complementar exigida pelo art. 155, §1º, III da CF/1988, as tentativas dos Estados de suprir essa lacuna por meio de leis próprias, a jurisprudência do STF firmando a inconstitucionalidade dessas iniciativas, e os contribuintes buscando proteção judicial contra cobranças que consideram ilegítimas.
Contudo, essa pluralidade interpretativa pode gerar um efeito colateral relevante: a insegurança jurídica. A ausência de norma complementar clara, combinada com o ativismo legislativo estadual e a constante judicialização do tema, tem produzido cenários de elevada imprevisibilidade fiscal, prejudicando o planejamento patrimonial e sucessório e violando o princípio da proteção da confiança legítima (princípio da confiança), derivado do Estado de Direito e amplamente reconhecido pelo STF como vetor da segurança jurídica (STF, RE 596.663, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 11/10/11)10.
Nesse passo, a doutrina especializada, como Leandro Paulsen (2022)11 e Paulo de Barros Carvalho (2023)12, tem alertado que a instabilidade na definição da regra matriz do ITCMD compromete a eficácia da norma tributária e gera incertezas incompatíveis com a racionalidade do sistema jurídico-tributário. Paulsen ressalta que a ausência de critério normativo válido para a incidência do ITCMD sobre bens no exterior desestrutura o equilíbrio federativo e onera desproporcionalmente o contribuinte.
Já Carvalho adverte que a norma tributária só pode ser aplicada validamente quando todos os seus elementos constitutivos – em especial o critério material e a base legal – estiverem integralmente definidos por meio de processo legislativo adequado.
Diante disso, algumas soluções hermenêuticas e institucionais podem ser propostas para mitigar a insegurança jurídica e fortalecer a confiança legítima dos contribuintes:
Afirmação do princípio da legalidade qualificada: A jurisprudência deve continuar exigindo o cumprimento estrito do art. 146 e do art. 155, §1º, III, da CF/1988, reconhecendo que a ausência de lei complementar inviabiliza a tributação.
Modulação de efeitos das decisões judiciais: O STF e os tribunais estaduais devem continuar a modular os efeitos de suas decisões, como no RE 851.108, para proteger situações jurídicas consolidadas e evitar retroatividade fiscal injusta.
Estímulo à edição de LC Federal: O Congresso Nacional deve ser pressionado a cumprir sua função legislativa, editando norma geral que pacifique o conflito federativo e estabeleça critérios objetivos para a cobrança do ITCMD em casos transnacionais.
Adoção dos métodos de interpretação sistemático e teleológico: Enquanto não houver norma complementar, a hermenêutica deve favorecer a segurança jurídica e a confiança legítima, evitando interpretações que imponham ônus tributário sem respaldo legislativo adequado.
Participação da sociedade civil e da academia: O fortalecimento da sociedade aberta dos intérpretes da Constituição exige que universidades, institutos tributários e organizações civis continuem produzindo conhecimento técnico que subsidie decisões judiciais e legislativas mais coerentes.
Por conseguinte, posto que a interpretação constitucional pluralista traga importantes ganhos em termos de legitimidade e democracia interpretativa, ela deve ser acompanhada de salvaguardas institucionais que impeçam sua degeneração em incerteza normativa.
Por fim, o equilíbrio entre abertura hermenêutica e estabilidade jurídica é condição indispensável para a proteção dos direitos fundamentais dos contribuintes e para a coerência do sistema tributário nacional.
6. Conclusão
A análise desenvolvida ao longo deste artigo evidenciou que a hermenêutica constitucional pluralista, proposta por Peter Häberle, representa uma importante ferramenta interpretativa para lidar com as complexas controvérsias jurídicas que envolvem a incidência do ITCMD sobre heranças e doações com elementos de conexão com o exterior.
Dessa maneira, ao reconhecer a Constituição como um texto aberto e dinâmico, cujo sentido se constrói de forma intersubjetiva por múltiplos intérpretes – incluindo o Poder Judiciário, o Legislativo, os contribuintes, a doutrina e a sociedade civil organizada – a abordagem pluralista permite uma leitura mais democrática, realista e participativa do Direito Constitucional.
No contexto específico da tributação internacional do ITCMD, esse modelo interpretativo revela-se especialmente pertinente. A ausência de uma LC Federal que discipline as hipóteses previstas no art. 155, §1º, III, da CF/1988 tem gerado um vácuo normativo que tem sido preenchido por diferentes iniciativas legislativas estaduais, decisões judiciais diversas e intensos debates acadêmicos.
A hermenêutica pluralista permite reconhecer e valorizar essas múltiplas vozes, ao mesmo tempo em que impõe a necessidade de um diálogo institucional qualificado, no qual prevaleçam os princípios constitucionais da legalidade, da segurança jurídica e da capacidade contributiva.
Entretanto, como visto, a pluralidade de interpretações também impõe riscos, notadamente quanto à insegurança jurídica e à imprevisibilidade fiscal. Por isso, a hermenêutica pluralista precisa estar necessariamente aliada ao procedimentalismo constitucional, segundo o qual os significados jurídicos sejam produzidos dentro de processos formais, transparentes e democráticos, como a exigência de LC para a instituição do tributo em questão.
Nesse cenário, a solução mais adequada às controvérsias sobre o ITCMD e patrimônio no exterior passa pelo fortalecimento do diálogo entre os poderes da República e pela adoção de mecanismos que garantam previsibilidade normativa e proteção da confiança legítima dos contribuintes.
Ainda, é imperativo que o Congresso Nacional cumpra sua função legislativa e edite a lei complementar exigida, a fim de conferir efetividade ao texto constitucional e evitar conflitos federativos e disputas fiscais indevidas.
Nesse diapasão, a hermenêutica constitucional pluralista, aliada ao respeito ao devido processo legislativo e ao princípio da legalidade tributária, pode contribuir decisivamente para a superação da atual insegurança jurídica e para a consolidação de um sistema tributário mais justo, transparente e harmônico com os fundamentos do Estado Democrático de Direito.
______________
1 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário nº 851108. Relator Min. Dias Toffoli, Plenário, julgado em 26/02/2021, publicado no DJ-e 20/04/2021.
2 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional: A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1997.
3 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. Mandado de Segurança nº 1098498-18.2024.8.26.0053. 16ª Vara da Fazenda Pública, Juiz Márcio Ferraz Nunes, decisão liminar proferida em 16/12/2024.
4 FOGAÇA MARICATO, Andreia. A Tributação do ITCMD em Heranças e Doações com Elementos de Conexão com o Exterior: análise da regra matriz de incidência e da necessidade de lei complementar. In: Congresso Brasileiro de Direito Tributário, 2020.
5 BRASIL. Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023.
6 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário nº 851108. Relator Min. Dias Toffoli, Plenário, julgado em 26/02/2021, publicado no DJ-e 20/04/2021.
7 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. Mandado de Segurança nº 1098498-18.2024.8.26.0053. 16ª Vara da Fazenda Pública, Juiz Márcio Ferraz Nunes, decisão liminar proferida em 16/12/2024.
8 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
9 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
10 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário nº 596.663. Relator Min. Luiz Fux, DJe 11/10/2011.
11 PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional à luz da doutrina e da jurisprudência. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2022.
12 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2023.
Fonte: Migalhas


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