Em Cartório a realização de um Inventário é muito rápida e de certa forma, até simples, já que essencialmente não há espaço para brigas, litígios e disputa sobre bens, mas você já se perguntou se em Cartório, como acontece na via judicial, a obrigação pelo pagamento das despesas deve ser dos herdeiros ou do acervo? A responsabilidade recai sobre o patrimônio particular dos herdeiros ou sobre o conjunto de bens deixado pelo falecido? É muito comum que os herdeiros paguem as despesas para a realização do inventário mas há um princípio jurídico que rege a matéria que estabelece que as despesas do inventário são encargos da própria herança: o conjunto de bens, direitos e obrigações deixado pelo falecido, denominado “Espólio”, é uma universalidade que deve arcar com suas próprias dívidas e custos administrativos antes que o patrimônio líquido (ou seja, abatidas as dívidas/despesas) seja efetivamente partilhado e distribuído entre os sucessores. Portanto, legalmente, a obrigação de suportar as custas notariais (emolumentos), tributos e eventuais honorários advocatícios não é dos herdeiros individualmente, mas sim do monte-mor a ser partilhado – da mesma forma que ocorre na via judicial, inclusive na forma idêntica ao Inventário Extrajudicial que tramita na via judicial que é o Arrolamento. Nesse sentido a jurisprudência pátria não vacila:

“TJGO. 58415674320238090006. J. em: 05/02/2024. EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INVENTÁRIO. RECOLHIMENTO DAS CUSTAS AO FINAL DO PROCESSO. RESPONSABILIDADE DO ESPÓLIO. ILIQUIDEZ PATRIMONIAL. POSSIBILIDADE. 1. Incumbe ao espólio, e não ao inventariante ou aos herdeiros, a obrigação de efetuar o pagamento das custas e despesas processuais inerentes à tramitação do inventário e partilha. 2. Constatada a iliquidez momentânea do monte inventariado, autoriza-se excepcionalmente o pagamento das despesas processuais ao término do processo. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO”.

“TJRJ. 00272068120238190000. J. em: 04/07/2023. Ação de Inventário. Recurso de agravo de instrumento contra a decisão que indeferiu o pedido de gratuidade de justiça na modalidade de pagamento de custas ao final do processo. (…). Em se tratando de INVENTÁRIO ou ARROLAMENTO, as custas e despesas processuais devem ser suportadas pelo espólio, razão pela qual deve ser aferida a capacidade econômica do monte mor e não da inventariante ou dos herdeiros individualmente pessoas físicas, para efeito de concessão da gratuidade, sendo cabível o benefício quando as forças da herança são insuficientes para suportar tais encargos. (…)”.

“STJ. REsp 115.154/GO. J. em: 20/11/1997. PROCESSUAL CIVIL. (…) INVENTARIO. (…) CUSTAS E HONORARIOS. 1. AS DESPESAS DE CUSTAS E IMPOSTOS NECESSARIOS PARA A CONCRETIZAÇÃO DE INVENTARIO “CAUSA MORTIS” DEVEM SER SUPERADOS PELO ESPOLIO. (…). 4. RECURSO ESPECIAL PROVIDO”.

Na prática extrajudicial, enquanto não se cogitava que as despesas pela realização do Inventário devessem ser suportadas pelo Espólio, podíamos ter um obstáculo significativo que inclusive podia acabar por desestimular que os interessados optassem pela via Extrajudicial. Como o Espólio, muitas vezes composto por bens ilíquidos como imóveis, poderia “pagar” por despesas imediatas? Frequentemente, os herdeiros se viam obrigados a ADIANTAR os valores com recursos próprios, para somente ao final do processo serem reembolsados pelo monte, o que nem sempre era viável. Esta situação criava um entrave financeiro, forçando famílias a buscarem empréstimos, adiarem a regularização ou ainda, desistirem da via administrativa, contrariando o espírito de celeridade do Inventário Extrajudicial.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio da Resolução nº 35/2007 regulamentou o procedimento de Inventário em Cartório. Contudo, a ausência de um mecanismo claro para o pagamento prévio das despesas com os próprios recursos do Espólio persistia como um gargalo. A solução para este problema foi consolidada com a recente alteração promovida pela Resolução nº 571, de 26 de abril de 2024, que introduziu uma mudança vital ao artigo 11 da normativa anterior, com a inclusão do artigo 11-A.

O novo artigo 11-A da Resolução nº 35/2007 do CNJ representa um avanço notável. Ele autoriza expressamente que o tabelião de notas expeça um alvará (na verdade, uma “autorização” por Escritura Pública”), para que o Inventariante possa alienar móveis e imóveis do Espólio, independentemente de autorização judicial – e com isso as despesas (pagamento dos impostos de transmissão, honorários advocatícios, emolumentos notariais e registrais e outros tributos e despesas devidos pela lavratura da escritura de inventário) são pagas pelo Espólio, alinhando-se a prática cartorária ao princípio jurídico de que a herança responde por seus encargos. Reza o referido artigo 11-A:

“Art. 11-A. O inventariante poderá ser autorizado, através de escritura pública, a alienar móveis e imóveis de propriedade do espólio, independentemente de autorização judicial, observado o seguinte:

I – discriminação das despesas do inventário com o pagamento dos impostos de transmissão, honorários advocatícios, emolumentos notariais e registrais e outros tributos e despesas devidos pela lavratura da escritura de inventário;

II – vinculação de parte ou todo o preço ao pagamento das despesas discriminadas na forma do inciso anterior;

III – não constar indisponibilidade de bens de quaisquer dos herdeiros ou do cônjuge ou convivente sobrevivente;

IV – a menção de que as guias de todos os impostos de transmissão foram apresentadas e o seus respectivos valores;

V – a consignação no texto da escritura dos valores dos emolumentos notariais e registrais estimados e a indicação das serventias extrajudiciais que expedirem os respectivos orçamentos; e

VI – prestação de garantia, real ou fidejussória, pelo inventariante quanto à destinação do produto da venda para o pagamento das despesas discriminadas na forma do inciso I deste artigo.

§1º O prazo para o pagamento das despesas do inventário não poderá ser superior a 1 (um) ano a contar da venda do bem, autorizada a estipulação de prazo inferior pelas partes.

§2º Cumprida a obrigação do inventariante de pagar as despesas discriminadas, fica extinta a garantia por ele prestada.

§3º O bem alienado será relacionado no acervo hereditário para fins de apuração dos emolumentos do inventário, cálculo dos quinhões hereditários, apuração do imposto de transmissão causa mortis, mas não será objeto de partilha, consignando-se a sua venda prévia na escritura do inventário”.

Em conclusão, conforme doutrina, Lei e jurisprudência, é possível observar que a responsabilidade final pelo pagamento das custas do Inventário é da herança, tanto na via judicial quanto na via extrajudicial. Embora os herdeiros possam “adiantar” os valores, a inovação trazida pela Resolução nº 571/2024 do CNJ materializa esse direito de forma direta, permitindo o uso dos recursos do próprio Espólio para custear o procedimento desde o seu início. Trata-se de uma ferramenta de enorme valia, que confere maior autonomia e liquidez ao processo, eliminando um obstáculo financeiro significativo e garantindo que o ônus da sucessão recaia, como deve ser, sobre o patrimônio transmitido, e não sobre o patrimônio preexistente dos sucessores.

Fonte: Julio Martins

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