A regularização de um imóvel de herança é um tema que gera muitas dúvidas, e uma das principais é: por que não posso simplesmente fazer a Usucapião do bem que já ocupo há anos, em vez de passar pelo processo de Inventário? Embora a usucapião de herança seja possível em situações muito específicas, o Inventário é, por lei, o procedimento padrão e obrigatório. A razão para isso reside no “Princípio da Saisine”, previsto no Código Civil. Por este princípio, no exato momento do falecimento, a totalidade da herança (bens, direitos e dívidas) é transmitida imediatamente a todos os herdeiros como um todo indivisível, criando um condomínio forçado entre eles.

Essa transmissão automática cria o que a lei chama de “condomínio pro indiviso” sobre o patrimônio. Isso significa que, até a partilha, cada herdeiro é dono de uma fração ideal de todo o acervo, e nenhum deles possui a propriedade exclusiva sobre um bem específico. Dessa forma, quando um herdeiro reside em um dos imóveis da herança, a lei PRESUME que ele o faz em nome de todos os outros coerdeiros, como um administrador da posse compartilhada (mas como sabemos, afastar a presunção é possível). Essa posse, por ser um ato de mera permissão ou tolerância dos demais, não configura a posse com “animus domini” (intenção de ser dono), que é um REQUISITO ESSENCIAL para qualquer modalidade de Usucapião.

Apesar dessa regra geral, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) pacificou o entendimento de que “é possível a usucapião entre herdeiros”. A Corte Superior reconheceu que a natureza da posse de um herdeiro pode, com o tempo, se transformar. Aquele ato inicial de mera tolerância pode se converter em uma posse exclusiva e com intenção de dono, desde que isso seja demonstrado de forma clara e inequívoca. A decisão do STJ não criou um atalho para evitar o Inventário, mas sim reconheceu uma situação de fato excepcional (e muito corriqueira), onde um dos herdeiros passa a agir como o único e exclusivo proprietário do bem, sem qualquer oposição dos demais, especialmente quando nenhum deles fala em resolver o Inventário.

Para que a usucapião de um bem de herança seja reconhecida, não basta apenas morar no imóvel. O herdeiro interessado precisa comprovar de forma robusta que cumpriu requisitos muito específicos durante todo o prazo legal (que pode ser de 10 ou 15 anos, a depender do caso). Os principais requisitos são: 1) Posse Exclusiva: provar que exerceu a posse do bem de forma única, afastando todos os outros herdeiros; e 2) “Animus Domini” Qualificado: demonstrar que agiu como dono de forma ostensiva, realizando benfeitorias, pagando os impostos (IPTU) sozinho, defendendo o imóvel e, o mais importante, que os outros coerdeiros tinham ciência dessa posse exclusiva e permaneceram completamente inertes, abandonando o seu direito sobre o bem.

Diante da complexidade e do alto ônus da prova, fica claro por que o Inventário continua sendo o caminho principal e mais seguro para a regularização de bens de herança. O inventário é o procedimento judicial ou extrajudicial criado especificamente para apurar os bens, pagar as dívidas do falecido e realizar a partilha de forma justa e segura entre todos os herdeiros, garantindo um título de propriedade limpo e inquestionável. A usucapião, por outro lado, pode se tornar um processo litigioso, muito mais demorado, caro e de resultado incerto, que deve ser visto como um remédio para situações de fato consolidadas pelo tempo e pelo abandono, e não como uma alternativa padrão ao Inventário.

Em conclusão, a escolha entre Inventário e Usucapião para regularizar um imóvel de herança depende da análise criteriosa do caso concreto. Enquanto o Inventário é o procedimento obrigatório e regular para a sucessão/transmissão, a usucapião entre herdeiros é uma medida excepcional, admitida pelo STJ apenas quando um herdeiro consegue provar, de forma inequívoca, que exerceu a posse exclusiva com intenção de dono e com a total inércia dos demais por um longo período. Se você está diante dessa situação, é fundamental buscar a orientação de um Advogado Especialista em direito sucessório e imobiliário para definir a estratégia mais segura e eficaz para o seu caso.

Fonte: Julio Martins

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