O então casal concordou em descartar os embriões em caso de separação, mas não há leis brasileiras sobre o assunto. Mulher quer usar embrião, mesmo eles não estando mais juntos
 
Um homem e uma mulher que se separaram disputam na Justiça o direito de utilizar, ou não, embriões congelados durante o relacionamento. O ex-casal fez a etapa da reprodução assistida quando estava junto, mas, com o rompimento, a mulher quer o direito de ficar grávida com o material genético que inclui o espermatozoide do ex-companheiro (veja vídeo abaixo).
 
Assista à reportagem completa aqui.
 
O embrião é o primeiro estágio de desenvolvimento de um organismo. Ele é o resultado da fecundação do óvulo da mulher pelo espermatozoide do homem. Na reprodução assistida, o material pode ser congelado para que se possa tentar uma gravidez posterior.
 
Foi o caso do casal em questão, que não quis se identificar. O homem e a mulher tiveram um relacionamento de pouco mais de dois anos. Nesse período, eles fizeram três procedimentos para coletar material e, em dois deles, houve a fertilização in vitro.
 
Nas clínicas, o casal preencheu formulários em que concordou que, em caso de separação ou divórcio, os embriões seriam descartados. A relação terminou e, três meses depois, a mulher teria procurado o ex-companheiro para pedir para usar os embriões e ele negou.
 
Em outubro de 2021, ela entrou na Justiça para tentar garantir o direito de usar os embriões, que estão congelados em São Paulo. A juíza da Vara da Família que está com o caso marcou uma audiência de conciliação que foi realizada por videoconferência. Não houve acordo.
 
Para o homem, que não se identificou, o acordo feito durante o contrato da fertilização in vitro deve prevalecer.
 
“Tínhamos uma relação de união estável com o projeto de construção de uma família, no qual havíamos acordado verbalmente e inclusive através de contrato com a clínica da fertilização que, no caso da separação ou divórcio, nenhuma das partes poderia utilizar os embriões”, afirmou.
 
A mulher não quis gravar entrevista. O advogado Eduardo Dantas, que a representa no processo, alegou que o contrato é um termo de consentimento, cuja obrigatoriedade não decorre de lei, mas sim de uma resolução do Conselho Federal de Medicina.
 
“O próprio conselho diz, na sua resolução, que, em havendo qualquer tipo de disputa, ela precisa ser resolvida pelo Poder Judiciário, que é o que está acontecendo agora. Já estamos falando de um ser vivo, que, ainda que não esteja implantado, está preservado, congelado. E não há diferença na lei entre aquele embrião que está criopreservado e um embrião que esteja em desenvolvimento no útero da mãe”, alegou o advogado.
 
O advogado Heitor Medeiros, que representa o homem, deve apresentar uma defesa até a sexta-feira (11). Segundo ele, a dignidade da pessoa humana, alegada pela defesa da mulher, não se aplica. Mas ele acredita que o embrião, ainda assim, deve ser protegido adequadamente.
 
“É importante dizer que não são crianças. O que a gente tá discutindo são embriões. Não existe uma pessoa humana embrionária. Existe um embrião de pessoa humana. Como disse o ministro Ayres Brito no julgamento da ação direta da inconstitucionalidade 3.510, embrião é embrião, feto é feto, pessoa humana é pessoa humana”, afirmou.
 
Os advogados lamentam não haver, entre as leis brasileiras, as que tratem de um assunto como esse. Sendo assim, é preciso contar com normas éticas do Conselho Federal de Medicina e do Conselho Nacional de Justiça.


 
“É seguir que o que vale e o que tá previsto no parágrafo 7 do artigo 226 da Constituição, que o planejamento familiar é feito de acordo com o que for decidido em conjunto pelo casal, não por uma das partes. No caso específico que estamos tratando, existem contratos dos procedimentos que foram feitos, que, na hipótese de separação, ela não pode usar o embrião”, disse Heitor Medeiros.
 
Eduardo Dantas, advogado da mulher, discorda. Para ele, o homem poderia abrir mão da responsabilidade parental e que, portanto, não seria cobrado dessa responsabilidade.
 
“A falta de uma legislação torna o assunto muito mais cinza, a gente sabe disso. Mas a resolução do Conselho Federal de Medicina também estabelece a possibilidade do doador não anônimo. É o que pode ser feito aqui. Inclusive, é um dos pedidos alternativos, que se faça equiparação a um doador não anônimo. E, portanto, não haveria a obrigação, a responsabilidade parental a ser aplicada ao caso”, disse.
 
A juíza especialista em bioética Ana Cláudia Brandão escreveu dois livros sobre reprodução assistida. No Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbrio), ligado à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), havia, em 2019, 100.380 embriões congelados.
 
Não há, no entanto, como saber quantos são os casos de disputas como essa, já que os processos correm em segredo de Justiça.
 
“É um caso difícil de ser decidido, porque nós temos, de um lado, os direitos da mulher em relação à sua maternidade, os direitos reprodutivos, dela, e, por outro lado lado, os direitos do pai, do futuro pai, de não querer mais planejar, planejamento envolve o casal, não querer mais planejar esse filho”, afirmou.