O processo de maturação das normas e a utilização destas na prática definirá o quão importante são para o desenvolvimento da advocacia extrajudicial e para a corretagem de imóveis
Com aplausos (e um pouco de ansiedade), deparamo-nos com a publicação do novo CNN/CNJ, instituído pelo Provimento 149 do CNJ. Trata-se de importante norma jurídica de regulamentação dos serviços notariais e de registro, que vem ao encontro dos anseios daqueles que militam na advocacia extrajudicial.
Na exposição de motivos da nova norma, o eminente ministro Luís Felipe Salomão1 explica que o Provimento tem como objetivo “(…)eliminar a dispersão normativa atual, que, além de dificultar consultas pelos usuários, é potencialmente nociva à segurança jurídica, seja pela falta de sistematicidade, seja por dificultar a identificação de revogações tácitas, de uma norma por outra(…)”.
Ou seja, o objetivo precípuo do CNJ ao elaborar seu Provimento 149 é o de reunir em só lugar todo o conjunto de normas esparsas relativas aos serviços notariais e de registro, por ele já publicadas.
Quando se fala em normas regulamentadoras extrajudiciais dos serviços notariais e de registro, são apresentados procedimentos para a prestação de serviços que facilitam e criam mecanismos eficazes ao desempenho das atividades profissionais dos advogados (as) e corretores (as) de imóveis.
Para a primeira profissão citada, a regulamentação do compêndio de normas facilitará (e muito) a prática da advocacia extrajudicial, ao fortalecer a desjudicialização dos procedimentos por meio da criação de mecanismo alternativo ao Poder Judiciário, cuja utilização se dará a critério da parte interessada.
Para a segunda carreira acima citada, qual seja, o(a) corretor(a) de imóveis, tem-se que a desburocratização imposta, não apenas pelo Provimento 149/CNJ, mas também pelas normas estaduais publicadas pelas Corregedorias Gerais de Justiça (com destaque para o Provimento 87/22, com vigência a partir de 1.1.23, que criou o Código de Normas do Rio de Janeiro), traz um oceano de oportunidades para a celebração dos negócios jurídicos imobiliários. Passa-se a possibilitar a estes profissionais tanto intermediar bons negócios quanto conhecer caminhos para a solução de problemas documentais, antes quase intransponíveis, como se demonstrará adiante.
- O Provimento 149/CNJ (alterado pelo Provimento 150/CNJ)
O Provimento 149/CNJ é a norma federal criada pela maior autoridade fiscalizadora das atividades cartorárias, o CNJ. As demais normas estaduais, criadas pelas Corregedorias Gerais de Justiça, por sua vez, são hierarquicamente inferiores à norma federal. A sobreposição hierárquica significa afirmar que, quando não houver colidência entre as normas, ambas podem ser aproveitadas. Porém, havendo colidência, prevalecerá a norma federal.
Sob a perspectiva do Provimento 149/CNJ, percebeu-se, quando da sua publicação no DJE em 4/9/23, que não houve a regulamentação da adjudicação compulsória extrajudicial introduzida na lei de registros públicos (lei 6.015/73) pela lei 14.382/22 (a mesma lei que trouxe o SERP – Sistema Eletrônico de Registros Públicos), que criou o artigo 216-B. Ou seja, o Provimento do CNJ não abarcou a completude das normas que buscava englobar, ficando, assim, “incompleto”.
Entretanto, com poucos dias de vigência, a norma sofreu a primeira alteração. Com o advento do Provimento 150/CNJ, foram introduzidos os artigos 440-A a 440-AM no Código de Normas do CNJ, para tratar especificamente sobre adjudicação compulsória extrajudicial.
Então, a partir de 11.9.23, pode-se afirmar que o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça (alterado pelo Provimento 150/CNJ), contempla o instituto da adjudicação compulsória extrajudicial.
Sobre o tema regulamentação extrajudicial de imóveis -e aí falamos não apenas da adjudicação extrajudicial, mas também da usucapião extrajudicial- as Corregedorias Gerais de Justiça nos estados promoveram alterações em seus próprios Códigos de Normas, a fim de regulamentar procedimentos perante as serventias notariais e registrais.
Como dito acima, o Estado do RJ publicou o Provimento 87/22, com vigência a partir de 1.1.23, trazendo importantes alterações procedimentais não só para a adjudicação compulsória extrajudicial, mas, também, desburocratizando diversas demandas. Pela importância da inovação, tratarei de alguns tópicos adiante.
II – Breves apontamentos entre as normas
O cinzento artigo 216-B, da lei 6015/73 não obteve êxito em esclarecer todas as dúvidas acerca da tramitação procedimental da adjudicação compulsória. As comunidades notarial, registral e jurídica se debruçaram na interpretação das normas, até que vieram, e tudo clarearam, os Provimentos (nacional e estaduais).
Havia dúvida, por mais incrível que possa parecer, na interpretação do inciso III do artigo 216-B, §1º, da lei 6015/73, quando determinava que, para os casos de adjudicação extrajudicial, a “prova da quitação do respectivo preço” deveria constar da ata notarial a ser lavrada por tabelião de notas. Entretanto, não disse de quais maneiras poder-se-ia provar a quitação do preço (além, por óbvio, das convencionais).
Para tal frieza legislativa, o Provimento 87/23, da CGJ/TJRJ, tratou de esclarecer, no artigo 1.257, §§ 1º e 2º:
- 1º. Presume-se a quitação com o comprovante do pagamento da última parcela do preço aquisitivo (art. 322 do CC).
- 2º. A prova de quitação poderá ser substituída por certidão forense de inexistência de ação de cobrança ou de rescisão contratual, bastando esta última se já decorrido o prazo de prescrição da pretensão ao recebimento das prestações.
Já o artigo 440-G, III, do Código de Normas do CNJ, foi mais tímido em sua redação, estabelecendo que:
Art. 440-G. Além de seus demais requisitos, para fins de adjudicação compulsória, a ata notarial conterá:
III – as provas do adimplemento integral do preço ou do cumprimento da contraprestação à transferência do imóvel adjudicando; (incluído pelo Provimento n. 150, de 11.9.23)
De outro modo, o Provimento 149/CNJ (alterado pelo Provimento 150), trouxe a hipótese de utilização da referida medida também para as hipóteses de negócio jurídico entabulado mediante o instituto da permuta, indo além do previsto no artigo 216-B, além do que, flexibilizou a interpretação do instrumento particular, quando dispôs que “podem dar fundamento à adjudicação compulsória quaisquer atos ou negócios jurídicos que impliquem promessa de compra e venda…”.
Art. 440-B. Podem dar fundamento à adjudicação compulsória quaisquer atos ou negócios jurídicos que impliquem promessa de compra e venda ou promessa de permuta, bem como as relativas cessões ou promessas de cessão, contanto que não haja direito de arrependimento exercitável.
Parágrafo único. O direito de arrependimento exercitável não impedirá a adjudicação compulsória, se o imóvel houver sido objeto de parcelamento do solo urbano (art. 2º da lei 6.766, de 19 de dezembro de 1979) ou de incorporação imobiliária, com o prazo de carência já decorrido (art. 34 da lei 4.591, de 16 de dezembro de 1964).
Já o Código de Normas do RJ omitiu o instituto da permuta no artigo 1255:
Art. 1.255. Sem prejuízo da via judicial, faculta-se que a adjudicação compulsória de imóvel objeto de promessa de venda ou de cessão seja feita extrajudicialmente no serviço de registro de imóveis da situação do bem.
Quanto aos legitimados a promover a adjudicação compulsória, o Código de Normas do RJ previu no artigo 1258:
Art. 1.258. São legitimados a requerer a adjudicação, o promitente comprador ou qualquer dos seus cessionários ou promitentes cessionários ou seus sucessores, bem como o promitente vendedor, representados por advogado.
Já o Provimento 149/CNJ dispôs que:
Art. 440-C. Possui legitimidade para a adjudicação compulsória qualquer adquirente ou transmitente nos atos e negócios jurídicos referidos no art. 440-B, bem como quaisquer cedentes, cessionários ou sucessores.
Outro ponto não trazido pelo artigo 216-B, da lei 6015/73 (alterada pela lei 14.382/22), diz respeito ao start do processo de adjudicação compulsória extrajudicial. Ou seja, havia dúvida se o processo deveria ser iniciado na serventia notarial ou na registral.
Com o novo Provimento 149, o CNJ dirimiu esta dúvida e previu que o requerimento se inicia com a lavratura da ata notarial.
Quanto a este ponto descrito no parágrafo acima, particularmente, discordo. Isso porque, na letra fira do artigo 216-B encontra-se o inciso II, que trata da constituição em mora do devedor:
II – prova do inadimplemento, caracterizado pela não celebração do título de transmissão da propriedade plena no prazo de 15 dias, contado da entrega de notificação extrajudicial pelo oficial do registro de imóveis da situação do imóvel, que poderá delegar a diligência ao oficial do registro de títulos e documentos.
Já o inciso III, imediatamente seguinte, dispõe que a ata notarial deverá mencionar um conjunto de informações, inclusive a prova da constituição em mora do devedor:
III – ata notarial lavrada por tabelião de notas da qual constem a identificação do imóvel, o nome e a qualificação do promitente comprador ou de seus sucessores constantes do contrato de promessa, a prova do pagamento do respectivo preço e da caracterização do inadimplemento da obrigação de outorgar ou receber o título de propriedade;
E quem é competente para promover a notificação do devedor para constituí-lo em mora? O Registrador. Ou seja, quando a ata notarial for lavrada, a constituição em mora do devedor já deverá ter sido consumada. E quem tem competência para tanto é o delegatário registrador.
Entretanto, cabe mencionar que o artigo 440-M do CNNCNJ previu o contrário:
Art. 440-M. O requerimento inicial será instruído, necessariamente, pela ata notarial de que trata este capítulo deste CNN e pelo instrumento do ato ou negócio jurídico em que se funda a adjudicação compulsória.
Advoga-se a tese de que, na ata notarial, podem constar registros de conversas de aplicativos, bem como notificação por carta com aviso de recebimento, e estas duas opções já seriam a prova da constituição em mora. Entretanto, não se pode deixar de cumprir a regra do inciso III acima referido, por expressa disposição legal, o que significa afirmar que, mesmo que haja prova de conversas por aplicativo ou carta registrada, a notificação do inciso III é obrigatória.
Enfim, as regras ainda carecem de maturação, mas já temos excelentes ferramentas para trabalhar e cada vez mais fortalecer a advocacia extrajudicial.
III. O Código de Normas do RJ na vanguarda da desjudicialização
Temas interessantes surgiram com o Código de Normas do Rio de Janeiro a partir de sua vigência, em 01.1.23, e, pela relevância das alterações, que trouxeram o referido código para a vanguarda da desjudicialização, não poderia deixar de destacar alguns de seus importantes artigos, dignos de aplausos.
Desejo registrar, como contribuição ao estudo do tema, quatro relevantes alterações, a saber:
- a) Artigo 453 – Inventário. Possibilita a venda antecipada de bens do espólio, desde que quitado todo o ITCMD incidente sobre o monte, além de pagos os emolumentos cartorários incidentes sobre todos os custos do inventário.
Art. 453. É possível a alienação, por escritura pública, de bens integrantes do acervo hereditário, independentemente de autorização judicial, desde que dela conste e se comprove o pagamento, como parte do preço:
I – da totalidade do imposto de transmissão causa mortis sobre a integralidade da herança, ressalvado o disposto no artigo 669, II, III e IV, do CPC;
- b) Artigo 457 – Possibilita a lavratura de escritura pública de compra e venda para os casos de negócio jurídico, quando celebrado em vida pelo falecido.
Nesta hipótese, o Código de Normas traz a possibilidade de nomeação de inventariante com poderes específicos outorgados por todos os herdeiros/meeiro, para assinar a escritura definitiva de compra e venda dos negócios jurídicos celebrados em vida pelo falecido, sem que haja necessidade de arrolar o imóvel no inventário. Evita-se a obrigação de pagar ITCMD de algo que não pertence ao espólio, visto que o bem fora negociado antes do óbito.
Ressalva-se que, para os casos do artigo 457, se houver saldo devedor a pagar, este será objeto de incidência de ITCMD (súmula 590/STF) a ser pago pelo espólio, além de ITBI devido pelo adquirente:
Art. 457. Prescinde de alvará judicial o cumprimento de obrigações celebradas em vida pelo falecido, como promessas de compra e venda ou cessão de direitos, desde que comprovada a autenticidade e preexistência do negócio jurídico.
- 1º. A autenticidade e a preexistência exigem prova inequívoca, como o informe de bens à Receita Federal, instrumento particular com reconhecimento de firma, registro público do ato ou documento equivalente.
- 2º. Caso o negócio não tenha sido integralmente quitado até óbito, deverá ser recolhido o imposto de transmissão sobre o saldo credor.
- c) Artigo 1108 – Instrumento Público de Promessa de Compra e Venda quitado no ato da lavratura. Permite que o Instrumento Público de Promessa de Compra e Venda seja registrado com força de Escritura Pública Definitiva de Compra e Venda, desde que quitado o ITBI, sem necessitar lavrar nova escritura, valendo a promessa como escritura definitiva.
Art. 1.108. Nas declarações de vontade se atenderá mais a intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem (art. 112 do CC).
Parágrafo único. A regra estabelecida no caput se aplica, entre outras hipóteses, à promessa ou cessão de direitos que atender a todos os requisitos da compra e venda, inclusive a forma pública, que poderá ser assim recepcionada, a requerimento, desde que pagos os impostos de transmissão e o laudêmio.
- d) Artigo 1267 – Autoriza o procedimento denominado JUSTIFICAÇÃO ADMINISTRATIVA (competência do Registrador), nas hipóteses de extravio de documentos exigidos pelo artigo 216-B, para iniciar o processo de adjudicação administrativa.
Art. 1.267. Para a elucidação de quaisquer dúvidas, imprecisões ou incertezas, poderão ser solicitadas ou realizadas diligências pelo oficial de registro de imóveis ou por escrevente habilitado.
- 1º. No caso de ausência ou insuficiência dos documentos, os fatos alegados e os demais dados necessários poderão ser comprovados em procedimento de JUSTIFICAÇÃO ADMINISTRATIVA PERANTE O OFICIAL DE REGISTRO DO IMÓVEL, que obedecerá, no que couber, ao disposto no § 5º do artigo 381 e ao rito previsto nos artigos 382 e 383 do Código de Processo Civil.
- Conclusão
O processo de maturação das normas e a utilização destas na prática definirá o quão importante são para o desenvolvimento da advocacia extrajudicial e para a corretagem de imóveis. Certo é que, se implementadas na prática, trarão inúmeras oportunidades de trabalho às profissões aqui mencionadas, além de movimentar sobremaneira as serventias notarias e registrais. Dados do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional2 apontam que percentual significativo dos imóveis no Brasil têm algum tipo de irregularidade, a mais significativa seria a falta de escritura definitiva de propriedade, o que denota concluir que estamos diante de um magnífico nicho de mercado.
Os comentários tecidos nos parágrafos acima decerto não esgotam o tema. Ressalvo que os referidos instrumentos vão além, trazendo inúmeros novos procedimentos capazes de facilitar e muito a vida dos profissionais que militam na área, além de beneficiar a coletividade, desburocratizando a realização de inventário, usucapião, adjudicação, compra/venda de imóveis de pessoa falecida dispensando o alvará judicial e sem aguardar o término do inventário, enfim, o esforço do grupo de trabalho, que se esmerou para trazer a desjudicialização à sociedade, é digno de aplausos. Parabéns aos envolvidos!
Fonte: Migalhas
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