Bernardo Chezzi explicou as principais mudanças trazidas pelo provimento
No último dia 15, a Corregedoria Nacional de Justiça publicou as diretrizes para a regulamentação da adjudicação compulsória extrajudicial. O procedimento permite a transferência de um imóvel para o nome do comprador por cartório, caso o vendedor não cumpra com suas obrigações contratuais, sem a necessidade de acionar a Justiça.
As regras para o processo de adjudicação compulsória pela via extrajudicial estão definidas no provimento 150/23. Conforme o normativo, a adjudicação compulsória pode ser fundamentada por “quaisquer atos ou negócios jurídicos que impliquem promessa de compra e venda ou promessa de permuta, bem como as relativas a cessões ou promessas de cessão, contanto que não haja direito de arrependimento exercitável”.
Diante da importância do tema, Migalhas conversou com o advogado e professor referência em Direito Imobiliário, Bernardo Chezzi, que participou da edição do provimento como membro do Conselho Consultivo do Agente Regulador do ONR da Corregedoria Nacional do CNJ.
Veja, abaixo, como foi o bate-papo.
Migalhas: Poderia explicar, em termos gerais, o que dispõe o provimento 150/23?
Bernardo: O provimento 150/23 dá concretude ao novo artigo 213-B da lei Federal de registros públicos que introduziu a adjudicação compulsória fora do Judiciário, a ser realizada pelos cartórios extrajudiciais. Isso possibilitará a regularização da propriedade quando uma das partes faleceu, ou não é encontrada, ou, ainda, está apresentando resistência para a outorga do título definitivo. Aplica-se também quando a empresa vendedora ou compradora está inativa ou com dívidas.
Poderá ser usada em contratos e atos solenes inclusive com alguma incompletude ou mal redigidos, que poderão ser consertados durante o procedimento. Com a regulamentação do processo extrajudicial de adjudicação, fecha-se um círculo importante de regularização da propriedade ao lado da usucapião e da retificação de registro, extrajudiciais.
Migalhas: Como funciona o procedimento?
Bernardo: O advogado deverá analisar o caso e ver se é elegível ao procedimento de adjudicação. Terá de fazer as buscas do registro ativo do imóvel, para entender a competência do processamento. Em seguida, buscará o tabelião de notas para lavrar a ata notarial específica, caracterizando os elementos que faltem no contrato e o direito à adjudicação, inclusive a resistência do requerido e a quitação do preço.
Após, será feita uma notificação ao requerido pelo registrador de imóveis. O requerido concordando, ficando omisso, ou apresentando uma justificativa vazia, o procedimento seguirá. Com a qualificação registral, poderá ser deferido o pedido e feita a transferência, sem a necessidade do Judiciário.
Migalhas: É necessário contratar um advogado para requerer a adjudicação compulsória extrajudicial?
Bernardo: Sim, a lei estabelece a necessidade de um advogado. É uma previsão importante, porque ele deverá carrear todo o processo extrajudicial, representando os interesses do seu cliente. Espera-se do advogado que atue na área extrajudicial um conhecimento específico para que possa conduzir adequadamente o rito, já que essa parte do Direito tem regras procedimentais e materiais diferentes do processo civil normal.
Migalhas: Os tabeliães de notas e os registradores de imóveis têm diferentes papéis no caso. Como o senhor explicaria?
Bernardo: Os processos extrajudiciais têm lógicas próprias, por isso devem ser estudados com atenção. Há diversas similitudes com o Código de Processo Civil, por exemplo, mas em outros pontos, não. Isso porque há agentes no processo judicial diferentes do processo extrajudicial, com funções e competências bem definidas nas normas legais e administrativas.
No provimento 150, o tabelião de notas é quem fará a instrução inicial do procedimento: a ele cabe caracterizar o direito do requerente. Ele tentará obter a escritura pública antes da lavratura da ata, em uma excelente materialização da mediação e conciliação. Se ele perceber cabível o procedimento da adjudicação compulsória, a ata notarial vai consignar todos os itens necessários descritos no provimento, dando fé pública inclusive a documentos privados, prints de celular, e-mails, entre diversas outras provas que considere aptas. Tudo será instrumentalizado na ata, que em seguida é enviada ao registrador.
No registro de imóveis, se formará o contraditório formal do processo, com a oportunização de manifestação da parte contrária, a requerida no procedimento. Cabe ao registrador analisar eventual impugnação e, se houver indícios de bom direito do requerido (exemplo, caso ele demonstre que o preço não foi pago), a questão poderá ser enviada ao juiz para decisão (que poderá reconhecer a possibilidade ou impossibilidade da via administrativa).
O silêncio, a anuência, a impugnação vazia, ou a não localização do requerido fará avançar o processo. Em seguida, o registrador atua como, – feitas todas as ressalvas da comparação – o juiz do processo, instruindo-o para o que eventualmente falte de documentação e, saneado, decidirá a respeito do deferimento ou não do pedido na seara extrajudicial. Da decisão final cabe recurso administrativo ao juiz corregedor, em alguns lugares nomeado “juiz diretor do foro”.
Migalhas: O senhor acredita que as novas regras vão ser positivas para os cidadãos? Por quê?
Bernardo: Com certeza. Temos no Brasil 60% dos imóveis com algum tipo de irregularidade. Há um costume de se fazer acordos privados sem a correta escrituração e registro, e um passivo enorme de contratos de gaveta, o que tolhe a possibilidade de que o atual dono possa dispor livremente e formalmente de todos os direitos do seu imóvel, se não for o proprietário registrado na matrícula. Ele ainda está sujeito à perda do bem. Assim também a situação de quando um herdeiro ou seu sucessor tem todos os direitos sobre um imóvel, mas descobre que o registro ainda está em nome de uma empresa ou outro proprietário.
São muito comuns as situações que poderão ser resolvidas e o processo extrajudicial de adjudicação compulsória será mais célere que o da usucapião ou da retificação, porque não depende de análise técnica de alocação, geolocalização, fundiária, não depende de participação dos entes públicos e nem certidões de dominialidade, além de não demandar a priori editais e participação de vizinhos. O caminho é a extrajudicialização, e o sistema notarial e registral, um dos melhores do país, está plenamente apto a processar esses pleitos, como foram bem exitosas as experiências da retificação extrajudicial de registro e de área, o divórcio extrajudicial e a usucapião extrajudicial.
O processo de regulamentação, extremamente técnico e participativo, tem como resultado um provimento bem pensado e maduro para atender as necessidades da população. É mais uma conquista e marca da gestão do ministro corregedor Salomão, mas sobretudo da sociedade brasileira.
Fonte: Migalhas
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