A Resolução nº 571/2024 alterou a Resolução nº 35/2007, que é a regulamentação máxima da Lei 11.441/07, hoje encartada no Código de Processo Civil, Lei nº 13.105/2015. Dentre as inovações trazidas pela norma infralegal, foi incluído o artigo 11-A, que cria um tipo de “alvará extrajudicial”, ou seja, uma nomeação de inventariante com autorização para venda individualizada de um determinado bem do espólio.

O propósito da modificação normativa foi solucionar um problema crônico, qual seja, a situação em que a família do falecido não tem capital para arcar com as despesas do inventário e, muito embora o espólio possua valor patrimonial suficiente para saldar os custos tributários e procedimentais, esse capital se encontra imobilizado em bens, que paradoxalmente somente terão liquidez após a realizado do procedimento de inventariança.

Por se tratar de uma exceção à regra de indivisibilidade da herança, contida no parágrafo único do artigo 1.791 do Código Civil[1], o Provimento cuidou para que esse procedimento ocorresse de forma segura, prevendo que o inventariante poderá ser autorizado, através de escritura pública,  alienar móveis e imóveis de propriedade do espólio, independentemente de autorização judicial, desde que cumpra os requisitos que serão citados e, ato contínuo, explicados:

  • Deve constar na escritura pública quais são as despesas do inventário que serão custeadas pela venda do bem individualizado, qual seja o pagamento dos impostos de transmissão, os honorários advocatícios, os emolumentos notariais e registrais e outros tributos e despesas devidos pela lavratura da escritura de inventário;
  • Deve constar na escritura pública a vinculação da parte ou da totalidade do preço de venda do bem individualizado para o pagamento das despesas do inventário;
  • Deve constar na escritura pública a menção de que as guias de todos os impostos de transmissão foram apresentadas e o seus respectivos valores;
  • Deve constar na escritura pública os valores dos emolumentos notariais e registrais estimados e a indicação das serventias extrajudiciais que expedirem os respectivos orçamentos;

Estes quatro requisitos devem ser lidos em conjunto, pois o Tabelião de Notas deverá obter das partes o motivo da alienação individualizada de bem, que, deve necessariamente contemplar o cumprimento de obrigações financeiras do próprio inventário, seja em sua totalidade ou em parte, o que também deverá ser mencionado. A título de exemplo – o valor apurado com a venda do bem pode servir apenas para pagar o imposto de transmissão (ITCMD). Logo, deverá constar, ao menos, qual fração do valor arbitrado para venda que suprirá o pagamento do imposto.

Nessa linha, considerando que o valor captado por força da venda do bem individualizado servirá, em regra, para pagamento do imposto de transmissão ou dos emolumentos notariais e registrais, a norma já deixou consignado que, independentemente da finalidade de pagamento de uma dessas despesas, devem sempre estar expressos no corpo da escritura pública. Aqui vale uma pequena crítica de que, a nosso ver, essas informações só farão sentido se forem objeto do pagamento, mas, como a regulamentação não trouxe essa ressalva, recomenda-se que sempre sejam consignados:

  • prestação de garantia, real ou fidejussória, pelo inventariante quanto à destinação do produto da venda para o pagamento das despesas do inventário.
  • Não constar indisponibilidade de bens de quaisquer dos herdeiros ou do cônjuge ou convivente sobrevivente;

Esses outros dois requisitos, que também merecem serem lidos em conjunto, poderiam ser tema de uma aula inteira. Aqui restringe-se a analisar de forma objetiva.

Esse talvez seja o requisito mais importante para venda de bem individualizado, pois cria a segurança necessária, no caso, de o bem desaparecer ou, em um cenário ainda mais grave, de auto fraude das partes beneficiadas. Ocorre que a norma estabeleceu a prestação de garantia, o que, evidentemente, se destina a assegurar que o valor recebido se destine a pagamentos das despesas do inventário, confirmando a tese de que a intenção desses dispositivos é arcar com as despesas ínsitas ao próprio ato.

Pois bem, a garantia prevista nesse requisito pode ser real ou fidejussória. No que toca a garantia real, basta recordar que se trata da utilização de institutos como a hipoteca ou alienação fiduciária de um bem, móvel ou imóvel. Mas e o próprio bem? Poderia ser utilizado para garantia? Entende-se que não, pois o objetivo dessa garantia não é garantir o adimplemento da compra e venda, mas sim, assegurar que, no caso de desvio financeiro pelo inventariante, exista uma proteção ao patrimônio deixado pelo de cujus. Logo, a garantia real deverá recair sobre outro bem, ofertado pelo inventariante. Pode-se ventilar como exceção à essa regra se o adquirente do bem for o próprio inventariante, pois, nesse caso, a frustração da obrigação recoloca o mesmo bem de volta ao conjunto do espólio.

Em relação à garantia fidejussória, rememora-se o conceito de forma mais singela, que é um tipo de garantia pessoal, na qual uma pessoa se responsabiliza pelo cumprimento da obrigação de outra pessoa. Nesse caso, aparecem as figuras do fiador (há subsidiariedade na cobrança) e do avalista (há solidariedade na cobrança).

Vale aqui uma reflexão em face da dicção da norma – prestação de garantia fidejussória pelo inventariante: O próprio inventariante pode ser fiador ou avalista? A norma parece buscar que o inventariante traga um terceiro garantidor e não seja ele próprio o garantidor do negócio, já que ele deve prestar a garantia, ou seja, formalizar a garantia. Mas, não houve vedação. Logo, muito embora não seja recomendável, parece possível que o inventariante seja o garantidor do negócio de compra e venda do bem individualizado, isso porque, nessa circunstância, recai sobre ele a responsabilidade da destinação do dinheiro aferido pela venda do bem. Ou seja, caso tente fraudar esse encaminhamento, os herdeiros poderão promover ação de execução diretamente contra seu patrimônio pessoal na qualidade de garantidor.

Explicado esse requisito, fica mais fácil entender por que foi trazida a exigência de os herdeiros não terem indisponibilidade de bens. Embora um pouco excessiva a regra, o que se pretende aqui é assegurar que os herdeiros, anuindo com garantia ofertada pra alienação do bem individualizado, possam compor a herança desfalcada em situações que possam ter sido coniventes com uma fraude ou, ainda, caso tenham participado ativamente na garantia real ou pessoal.

Nesse tópico, vale citar o §2º do artigo 11-A que torna extinta a garantia, quando [1] Art. 1.791. A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros. Parágrafo único. Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio. a cumprida a obrigação do inventariante de pagar as despesas discriminadas. E o §1º do mesmo artigo, com o perdão pela inversão, estipula o prazo de um ano para que o valor obtido com a venda do bem, contados dessa data, seja revertido no cumprimento das obrigações do inventário.

Salienta-se que os tabeliães de notas devem atentar para o fato de que, mesmo após a venda, o bem alienado deverá ser relacionado no acervo hereditário e consignado no inventário como venda prévia (sugere-se mencionar os artigos citados), para fins de apuração dos emolumentos do inventário, cálculo dos quinhões hereditários, apuração do imposto de transmissão causa mortis, mas, por evidente que não será objeto de partilha.

Finalmente, muito embora o bem seja mencionado para fins tributários, ele saiu do espólio antes da partilha, cabendo ao notário observar e formalizar a destinação do valor obtido com a venda, bem como se houve valor remanescente que deverá ser incluído na partilha, não havendo cobranças tributárias adicionais, exceto no caso de partilha desigual que alcance fato gerador de imposto de transmissão entre os herdeiros.

Fonte: Jornal do Notário

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