O registro de nascimento, além de ser um documento de individualização da pessoa na comunidade, integra o direito de personalidade para viabilizar a prática de todos os atos compatíveis com o exercício da cidadania. Antes dele, no entanto, o hospital ou a maternidade onde ocorrer o nascimento, irá emitir a DNV – Declaração de Nascido Vivo, documento de validade provisória, em que constarão o nome, dia, mês e ano do nascimento da criança, sexo, informações sobre gestação múltipla, quando for o caso, além do nome da mãe, naturalidade, profissão, endereço, idade e o nome e prenome do pai.
Pelo procedimento convencional o pai ou a mãe, isoladamente ou em conjunto, ou o responsável legal, de posse do DNV, irão buscar o cartório de registro civil do local do nascimento ou no local da residência da criança, no prazo de 15 dias (lei 6015/73), para o registro do assento de nascimento, que é obrigatório e gratuito. Tal prazo pode ser dilatado até 45 dias se ocorrer impedimento ou falta do pai ou da mãe ou até três meses quando os pais residirem em lugares distantes da sede do cartório. Se, porém, o nascimento ocorreu em casa, sem qualquer assistência hospitalar, os genitores ou o responsável legal, poderão ir diretamente ao cartório.
O CNJ, no provimento 122/21, traz interessante regulamentação com relação ao assento de nascimento no Registro Civil das Pessoas Naturais nos casos em que o campo “sexo” da declaração de nascido vivo tenha sido preenchido como “ignorado”.1
Pelo sistema binário prevalente na CF/88- em que predomina o sexo masculino e feminino sem qualquer outro concorrente – os cartórios não tinham autorização para lavrar o documento nele inserindo sexo “ignorado”.
Com a nova regulamentação, quando se tratar de ADS – Anomalia de Diferenciação de Sexo, em que fica constatado ictu oculi a dificuldade ou até mesmo a impossibilidade de identificação imediata do sexo, o oficial do cartório irá observar se no campo sexo da DNV foi preenchido como “ignorado”. Se assim for, nos mesmos moldes, será lavrado o registro. O registrador, no entanto, recomendará ao declarante a escolha de prenome comum aos dois sexos e, se recusada a proposta, permanecerá o prenome indicado pelo declarante.
A genitália ambígua não provoca o surgimento de um terceiro sexo – denominação que vai até mesmo criar mais confusão do que encontrar uma solução adequada – e sim é resultado de uma malformação, conhecida como intersexo, para a identificação da genitália da criança. Ocorre quando as características sexuais não se encaixam no espaço binário dos corpos masculino e feminino, como é o caso dos pacientes hermafroditas, impedidos de conhecer imediatamente o sexo, circunstância que trará sérias complicações familiares e sociais. Tanto é que os pais, erroneamente, podem escolher o sexo para o filho ao nascer, provocando, com o passar do tempo, discordância entre a identidade sexual e a identidade de gênero.
O CFM, por sua vez, também se manifestou quando da edição da resolução CFM 1664/03, que estabeleceu as normas técnicas necessárias para o tratamento de pacientes portadores de anomalias de diferenciação sexual. Na exposição de motivos faz ver que: “O nascimento de crianças com sexo indeterminado é uma urgência biológica e social. Biológica, porque muitos transtornos desse tipo são ligados a causas cujos efeitos constituem grave risco de vida. Social, porque o drama vivido pelos familiares e, dependendo do atraso do prognóstico, também do paciente, gera graves transtornos.”
O provimento 122/21, coerente com a necessidade social, de forma oportuna, estabelece que a designação do sexo poderá ser feita a qualquer tempo por um termo de opção, independentemente de autorização judicial ou de comprovação de realização de cirurgia de designação sexual, de tratamento hormonal, ou de apresentação de laudo médico ou psicológico. Se a pessoa optante estiver sob o poder familiar, será representada ou assistida pela mãe ou pelo pai, mas terá que dar seu consentimento se for maior de 12 anos de idade. É idêntico ao procedimento estabelecido para a alteração do prenome e do gênero no assento de nascimento e casamento de pessoa transgênera, conforme se observa do § 1º do artigo 4º do provimento 73/18, do mesmo órgão.
A providência determinada pelo CNJ irá proporcionar às crianças portadoras de anomalias de diferenciação sexual o exercício pleno da cidadania em busca da construção de sua autoimagem, com acesso aos programas sociais relacionados às políticas públicas compatíveis e também aos serviços públicos e privados de saúde.
Tal providência vai ao encontro das regras protetivas em favor das crianças no Estatuto da Criança e do Adolescente, conferindo a ela proteção total, desde o nascimento
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1 Disponível aqui.
Fonte: Migalhas
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