Um dos temas de grande relevância no direito e de rara discussão na doutrina e na jurisprudência diz respeito aos efeitos da prescrição na arbitragem. Tal raridade pode ser facilmente explicada: prescrição é questão de direito substantivo, e se resolve pela competente lei material, ou seja, o CC. Já a arbitragem, regida pela lei 9.307/96 (“lei de arbitragem”), é processo, ou seja, é meio, não havendo motivos, em princípio, para que os efeitos da prescrição na arbitragem pudessem ser suscitados1.

No entanto, com a evolução da prática da arbitragem no Brasil e o desenvolvimento das peculiaridades do processo arbitral, dúvidas surgiram e levaram à diversas opiniões a respeito do tema em foco, em especial, à interrupção da prescrição em sede arbitral, dando ensejo à pacificação da questão pelo STJ. Foi o que ocorreu, em recente julgado do STJ, em sede de recurso especial, assim ementado:

“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. ARBITRAGEM. INSTAURAÇÃO. PRAZO PRESCRICIONAL. INTERRUPÇÃO. lei 13.129/15. FATOS ANTERIORES. IRRELEVÂNCIA.

1. A controvérsia dos autos resume-se a saber se a anterior instauração de procedimento arbitral constitui causa de interrupção do prazo prescricional, mesmo antes do advento da lei 13.129/15.

2. Nos exatos termos do art. 31 da lei 9.307/96, a sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário. A instauração do procedimento arbitral, entre outros efeitos, implica a interrupção do prazo prescricional.

3. A inequívoca iniciativa da parte em buscar a tutela dos seus direitos por um dos meios que lhes são disponibilizados, ainda que sem a intervenção estatal, é suficiente para derruir o estado de inércia sem o qual não é possível falar na perda do direito de ação pelo seu não exercício em prazo razoável. Modificação perpetrada pela lei 13.129/15 que veio somente para consolidar a orientação que já era adotada pela doutrina majoritária.

4. Uma vez interrompido o prazo prescricional pela instituição da arbitragem, volta ele a fluir a partir da data do ato que o interrompeu, ou do último ato do processo para o interromper, nos termos do parágrafo único do art. 202 do CC, inteiramente aplicável à espécie, com as necessárias adaptações.

5. Hipótese em que o prazo prescricional da pretensão de cobrar aluguéis e demais consectários da locação foi interrompido com a instauração da primeira arbitragem, voltando a fluir com o trânsito em julgado de ação declaratória de nulidade da sentença arbitral.

6. Recurso especial não provido”2.

O caso que deu origem ao referido acórdão dizia respeito à tentativa de anulação de sentença arbitral, na qual se discutia se anterior instauração de uma arbitragem constituiria causa de interrupção do curso do prazo de prescrição. O Juízo de primeira instância acatou o pedido anulatório, por considerar que, entre o início da contagem do prazo prescricional (2007) e a propositura da segunda demanda arbitral (2012) havia transcorrido prazo superior a três anos, operando-se, pois, a prescrição, nos termos do art. 206, § 3º, I, do CC. Tal decisão foi revertida pelo TJGO, provendo-se o recurso de apelação interposto para:

“(…) cassar a sentença singular e, por consequência, afastar a prescrição da pretensão de cobrança de aluguéis, determinando o retorno dos autos ao juízo de origem para análise das demais teses suscitadas pela parte autora/recorrida e dar prosseguimento ao cumprimento de sentença que tramita em apenso (…)”3.

Tal decisão restou mantida pelo STJ, conforme a ementa acima transcrita. De fato, tanto o TJGO quanto a Corte Superior adotaram posição acertada: pouco importa o meio que a parte interessada tenha se valido para fazer valer seus direitos creditórios. Conquanto a hipótese relativa à interrupção da prescrição em sede arbitral só tenha sido positivada por meio da lei 13.129/15, que alterou a lei de arbitragem, acrescendo-se o § 2º do art. 19 da lei de arbitragem4, a parte interessada quebrou a inércia no limite temporal correto, interrompendo-se o curso do prazo prescricional.

Um primeiro ponto abordado de forma tímida pelo acórdão em questão diz respeito ao meio intentado pela parte no caso, isto é, uma ação anulatória de sentença arbitral discutindo a ocorrência de prescrição. De fato, prescrição constitui questão de direito material e, pertencendo ao mérito da controvérsia, não encontra hipótese de anulabilidade, na forma disposta no art. 32 da lei de arbitragem.

O segundo e mais importante ponto do acórdão diz respeito ao entendimento de que, pouco importa os fatos que deram ensejo à causa serem anteriores à vigência da lei 13.129/15, eis que a parte interessada efetivamente praticou ato compatível com o exercício de sua pretensão dentro do limite de tempo estipulado pela lei, ruindo a inércia que poderia gerar ocorrência de prescrição: “De fato, a inequívoca iniciativa da parte em buscar a tutela dos seus direitos por um dos meios que lhes são disponibilizados, ainda que sem a intervenção estatal, é suficiente para derruir o estado de inércia sem o qual não é possível falar na perda do direito de ação pelo seu não exercício em prazo razoável”.

Tal conclusão se alia ao que clássica e autorizada doutrina civilista já preconizava: a suficiência de ato deliberado de cobrança pela parte interessada interrompe o curso da prescrição. Se, por um lado, a prescrição pressupõe a inatividade do titular de um direito lesado punindo-o em razão do ato negligente de não aduzir sua pretensão no prazo estipulado pela lei, por outro lado há que se considerar que toda manifestação defensiva do direito por aquele titular possui o condão de apagar o prazo que já havia começado a transcorrer. Essa manifestação defensiva gera o que a doutrina chama de “interrupção da prescrição”5.

A interrupção da prescrição é conceituada por Câmara Leal como a “cessação de seu curso em andamento, em virtude de alguma das causas a que a lei atribui esse efeito”6. Diferentemente da suspensão da prescrição, em que se aproveita o prazo já iniciado, na interrupção o prazo que se iniciou é destruído e, em consequência, a prescrição iniciada é anulada7. Trata-se de um fato superveniente ao começo do curso do prazo prescricional, que resta rejuvenescido com a concretização do ato interruptivo8.

Para Santiago Dantas, qualquer ato deliberado de cobrança, de exercício ou proteção ao direito possui o condão de interromper a prescrição, extinguindo-se o tempo já decorrido9. Exceção a essa atitude se dará tão somente nos casos em que houver um comportamento inequívoco do devedor de reconhecimento da existência do direito, o que dispensaria a necessidade do ato de cobrança para interrupção da prescrição10. Em resumo: a prescrição, é certo, existe e é feita para o único e exclusivo interesse do devedor, mas a interrupção é ato que só interessa ao credor, é ato que depende única e exclusivamente de sua diligência.

Foi exatamente seguindo essa “raiz” de linha de entendimento que a Terceira Turma do STJ entendeu que o ato de se instaurar uma arbitragem constitui efetivo ato deliberado de cobrança. O que se pode extrair, em essência, do precedente ora comentado é o encerramento de qualquer discussão que diga respeito ao fato de existir ou não regra específica acerca da interrupção da prescrição na seara arbitral. É certo que a nova regra contida no § 2º do art. 19 da lei de arbitragem trouxe mais segurança ao jurisdicionado11, em razão das peculiaridades do sistema arbitral, mas o que realmente importa é o efetivo exercício da pretensão autoral, consubstanciado por ato deliberado de cobrança, que, no caso em exame, foi o requerimento de instauração da arbitragem pela parte interessada dentro do limite temporal imposto pela lei12.

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1 Ver, a esse respeito, NUNES, Thiago Marinho. Arbitragem e Prescrição. São Paulo, Atlas, 2014, p. 3.

2 STJ – Terceira Turma, REsp 1.981.715/GO, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 17.09.2024.

3 TJGO – Apelação Cível 0451903-10.2012.8.09.0051, Rel. Reinaldo Alves Ferreira, Segunda Câmara Cível, j. 12.08.2021.

4 Art. 19, § 2º A instituição da arbitragem interrompe a prescrição, retroagindo à data do requerimento de sua instauração, ainda que extinta a arbitragem por ausência de jurisdição.

5 Nesse sentido, as palavras de Caio Mário da Silva Pereira: “Como corolário de fundar-se a prescrição na negligência do credor por tempo predeterminado, considera-se toda manifestação dele, defensiva de seu direito, como razão determinante de se inutilizar a prescrição” (Instituições de direito civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. v. 1, p. 447.

6 CÂMARA LEAL, Antonio Luís da. Da prescrição e da decadência. 2. ed. atual. por José de Aguiar Dias. Rio de Janeiro: Forense, 1959. p. 186. No mesmo sentido, a lição de Clóvis Beviláqua: “A interrupção diz-se natural ou civil, conforme se exercer por um ato do titular, fazendo, diretamente, cessar o estado de fato, preparatório ou formador da prescrição, ou por uma intervenção da autoridade pública” (Teoria geral do direito civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Editora Paulo de Azevedo, 1955. p. 279).

7 Segundo Caio Mário da Silva Pereira, “Diz-se então que a prescrição fica interrompida quando ocorre um fato hábil a destruir o efeito do tempo já decorrido, e, em consequência, anular a prescrição já iniciada” (Instituições de direito civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. v. 1, p. 447.

8 Nesse sentido, v. lição de Carpenter: “A suspensão faz parar, apenas, o curso da prescrição […] mas não inutiliza o prazo decorrido antes do acontecimento da suspensão, se é que antes dêsse acontecimento já havia decorrido qualquer fração dêsse prazo de prescrição. Ao passo que a interrupção inutiliza, destrói qualquer prazo decorrido antes dela […]. A suspensão pode ser um fato preexistente ao início do curso do prazo da prescrição da ação nascida […] ao passo que a interrupção é sempre um fato superveniente ao início do curso dêsse prazo” (Da prescrição. 3. ed. Rio de Janeiro: Nacional de Direito, 1958. p. 358).

9 DANTAS, Santiago. Prescrição e decadência. Programa de direito civil. Aulas proferidas na Faculdade Nacional de Direito. (1942-1945). Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1977. p. 404.

10 Nesse sentido, afirma Silvio Rodrigues: “Os casos de interrupção da prescrição, entretanto, envolvem, em regra, uma atitude deliberada do credor. Esta atitude só é dispensada quando, em virtude de um comportamento inequívoco do devedor, reconhecendo a plenitude do direito daquele, torna-se supérfluo interromper a prescrição” (Direito civil: parte geral. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 334).

11 Segundo Eleonora Coelho e Louise Maia: “A alteração da lei, assim, imprimiu certeza e segurança jurídica à questão, além de proteger o instituto, uma vez que eventuais postergações entre o requerimento e a instituição do procedimento arbitral não impedem a justa interrupção do prazo prescricional quando a parte interessada tiver exercido tempestivamente sua pretensão”. (Arbitragem e prescrição in Comitê Brasileiro de Arbitragem e a Arbitragem: obra comemorativa ao 20º aniversário do CBAr (coord. NANNI, Giovanni Ettore, RICCIO, Karina e DINIZ, Lucas de Medeiros). São Paulo: Almedina, 2022, p. 167).

12 Nesse sentido, comentam Lucila de Oliveira Carvalho e Raquel Marangon Duffles Neves: “Diante de tal entendimento, e, com a alteração da lei de Arbitragem em 2015, não resta dúvida de que o caminho para que a parte que pretenda interromper a prescrição não é a de notificar judicialmente a outra parte, mas o de efetivamente requerer a instauração da arbitragem, apresentando formalmente o requerimento de arbitragem institucional ou ad hoc” (lei de Arbitragem Comentada (coord. WEBER, Ana Carolina e LEITE, Fabiana de Cerqueira) lei de Arbitragem Comentada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2023, p. 228).

Fonte: Migalhas

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