Em recente decisão, o Supremo Tribunal Federal reafirmou que a taxa Selic não deve ser aplicada durante o “período de graça” constitucional dos precatórios, ou seja, o intervalo entre a emissão do precatório pelo tribunal competente e o seu pagamento dentro do prazo previsto pela Constituição Federal.
Esse entendimento foi consolidado em julgamento no final de outubro de 2024, no âmbito do Recurso Extraordinário (RE) 1.515.163, analisado sob o rito da repercussão geral, vinculando essa decisão a todos os casos similares em tramitação na Justiça.
Os precatórios, que representam dívidas judiciais reconhecidas contra entes públicos, seguem uma ordem de pagamento estabelecida pela Constituição. De acordo com o §5º do artigo 100, precatórios emitidos até 2 de abril de um ano devem ser pagos até o final do exercício seguinte, enquanto aqueles autuados após essa data têm até dois exercícios posteriores para serem quitados.
Durante esse período de graça, não há atraso no pagamento, o que afasta a aplicação da taxa Selic, que engloba tanto juros de mora quanto correção monetária. A correção dos valores, portanto, deve ser feita exclusivamente pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), índice definido pelo STF para reajuste dos precatórios.
O caso analisado pelo STF envolveu uma ação previdenciária contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), em que o beneficiário solicitava a atualização de um saldo complementar de precatório pela taxa Selic, com base na Emenda Constitucional (EC) 113/2021.
Contudo, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) rejeitou a aplicação da Selic, fundamentando que, dentro do prazo constitucional, não há mora por parte da Fazenda Pública que justifique a aplicação de juros. O STF confirmou esse entendimento, ressaltando que a interpretação adequada da EC 113/2021 deve ser feita em harmonia com o artigo 100 da Constituição, que prevê apenas a correção monetária durante o período de graça.
O ministro relator, Luís Roberto Barroso, destacou que a aplicação da Selic nesse período implicaria reconhecer um atraso inexistente, contrariando a jurisprudência do Supremo, especialmente a Súmula Vinculante 17, que veda a incidência de juros de mora no prazo constitucional. A decisão final reafirmou que, durante o período de graça, a Selic não deve ser utilizada, garantindo a segurança jurídica para credores e devedores no cumprimento dos pagamentos de precatórios.
Impactos do julgamento
Além de pacificar o entendimento jurídico, a decisão traz importantes repercussões econômicas. Ao estabelecer que a atualização dos precatórios durante o período de graça será feita exclusivamente pelo IPCA-E, o STF fornece previsibilidade tanto para os credores quanto para investidores interessados nesse tipo de ativo financeiro. Fundos de investimentos, empresas e investidores individuais que adquirem precatórios poderão calcular com maior precisão o valor de seus títulos, uma vez que a decisão elimina as divergências entre tribunais que, até então, aplicavam índices de forma heterogênea.
É relevante o destaque aos regimes de pagamento adotados pelos entes federativos. Enquanto a União e estados como Espírito Santo e Alagoas estão em regime geral — honrando seus precatórios dentro dos prazos constitucionais —, a maioria dos estados e municípios encontra-se em regime especial, enfrentando dificuldades para realizar os pagamentos no prazo devido. Para esses entes em regime especial, a decisão do STF reforça que o IPCA-E será aplicado durante o período de graça, mas, uma vez ultrapassado o prazo constitucional, a atualização passará a ser feita pela taxa Selic, justamente para compensar o atraso.
A tese de repercussão geral fixada pelo STF determinou que a taxa Selic, prevista na EC 113/2021, não incide no prazo constitucional de pagamento dos precatórios estabelecido pelo §5º do artigo 100 da Constituição, devendo ser aplicada apenas a correção monetária prevista nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4.357 e 4.425. Esse posicionamento uniformiza o entendimento sobre o tema e estabelece critérios claros para a atualização dos valores devidos, evitando a caracterização indevida de mora por parte da Fazenda Pública durante o período de graça.
Com essa decisão, o STF reforça a segurança jurídica sobre o tema, trazendo transparência e previsibilidade tanto a credores originários e investidores de precatórios, como aos entes públicos e ao sistema financeiro como um todo.
Fonte: Conjur
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