As presentes linhas possuem como foco o estudante de Direito, ou mesmo jovem advogado, que se interessa pelo desenvolvimento de uma carreira focada na arbitragem. Em especial, aqueles que têm como objetivo a atuação como árbitro.
Muito se tem discutido sobre em que um estudante universitário ou profissional em início de carreira deve focar quando almeja desenvolver uma carreira na arbitragem. Dentre as mais variadas lições, tem-se ganhado destaque o profundo estudo do Direito Material, em especial o Direito Civil e o Direito Comercial. Ganha destaque, ainda, o estudo desgarrado da arbitragem em relação à prática processual civil, especialmente no que concerne às diferenças que existem entre a advocacia exercida em âmbito judicial e arbitral1.
Não há dúvida de que ambas as lições acima possuem a sua razão de ser no estudante ou profissional em início de carreira que almejam exercer a função de árbitro. Mas não parece ser suficiente.
Primeiramente, deve-se levar em consideração o que é a profissão e o que significa ser árbitro. A atuação como árbitro é equivalente à prestação de um serviço de natureza jurisdicional por pessoas físicas, as quais, por sua vez, são indicadas pelas partes litigantes. Em outras palavras: árbitro não é árbitro de profissão, mas está árbitro, cumprindo uma missão confiada pelas partes, que os(as) indicam, e de forma temporária2. E o mais importante: a missão jurisdicional assumida pelo árbitro se resume numa verdadeira obrigação de resultado, isto é, cabe ao árbitro proferir uma sentença exequível ou passível de ser cumprida3, garantindo-se, assim, a efetiva resolução do litígio4.
Em seguida, a menção genérica ao estudo do Direito Material não parece conter a precisão necessária à aspiração ao exercício da função de árbitro. Pessoas são nomeadas como árbitro em razão da confiança das partes na sua condição moral e técnica para o exercício de tal múnus. Evidentemente que uma parte envolvida num litígio envolvendo infraestrutura terá a intenção de indicar pessoa especializada no assunto, o que é diferente de ser um especialista. Especializada diz respeito à experiência que tal pessoa possui em determinado ramo da indústria. Tal pessoa terá, inevitavelmente, que dominar e aplicar o Direito Material específico à determinada controvérsia, o qual variará conforme a discussão travada no processo.
Já o aludido desgarramento do estudante ao processo civil igualmente não parece ser recomendado. Arbitragem é processo e, apesar das diferenças sistêmicas entre processo arbitral e processo judicial5, suas raízes teóricas são semelhantes às do processo civil6, com a diferença de que quem julgará o litígio serão árbitros indicados pelas partes, imparciais e independentes, assim como o juiz estatal7. Trata-se de atividade contenciosa semelhante à que se desenvolve nos tribunais estatais, com a diferença de que se litigará em âmbito privado, levando-se e conta a autonomia da vontade das partes e a consequente flexibilidade procedimental (lei 9.307/96 ou “Lei de Arbitragem”, art. 21, § 2º8), e ter-se-á em mente que o contencioso arbitral se desenvolve com previsibilidade, em etapas e tem por finalidade a entrega de uma sentença final, que não é passível de recurso9. Dominar a teoria geral do processo e atuar nas lides forenses é fundamental ao estudante ou jovem advogado que procura se inserir no mercado da arbitragem e pretende assumir a função judicante10. Trata-se de ponto fundamental para que o profissional saiba identificar as diferenças entre esses dois campos procedimentais.
Feitas essas breves considerações, o que se propõe nessas linhas é procurar demonstrar um método que pode ser ainda mais útil ao estudante ou advogado em início de carreira, caso um dia pretenda atuar como árbitro: o aprendizado por experiência. Segundo renomados autores, o aprendizado por experiência:
“Consiste em fazer com que os estudantes aprendam diretamente com a experiência. Eles refletem sobre o que fazem, pensam, sentem durante uma situação que vivem ou observam (experiência). Munidos desses elementos, os aprendizes contrastam os eventos com a teoria e vivenciam uma nova experiência”11.
Tal tipo de método pode ser aplicado com sucesso ao estudante de Direito ou mesmo o advogado em início de carreira na arbitragem. Aprender e desenvolver a nobre função jurisdicional não encontra plena suficiência nos estudos jurídicos, notadamente no estudo do Direito Material. É preciso ir além.
Na prática, o aprendiz, ao aplicar tal método, já desenvolverá suas atividades na seara arbitral e observará como as demais pessoas envolvidas num determinado assunto agirão. Isso se dá por meio do exame das ordens processuais e sentenças que são emitidas pelo tribunal arbitral, mas, especialmente, pelas condutas adotadas pelos árbitros no decorrer do processo e nas audiências. Isso vai desde a audiência para discussão e assinatura do termo de arbitragem, passando para uma audiência de exposição oral do caso, até a audiência de instrução. Nesta última, em especial, o aprendizado baseado em experiência prévia ganha ainda mais relevância, visto que o estudante ou advogado em início de carreira poderá identificar, por exemplo, as razões pelas quais a contradita de uma testemunha é ou não indeferida e os motivos de tal decisão, a razão pela qual eventuais perguntas formuladas pelos advogados em inquirições e contra inquirições são deferidas ou indeferidas, e porque um tribunal arbitral, a depender da situação, instiga as partes a tentarem suspender o curso do processo para ingressarem em procedimento de mediação (fenômeno conhecido como “janela de mediação”12).
A experiência aludida no parágrafo anterior pode se dar, na prática, preferencialmente pelos estágios realizados nas bancas de advocacia atuantes em contencioso e arbitragem, pela assessoria aos profissionais que usualmente exercem a função de árbitro, pela atuação junto ao secretariado das câmaras arbitrais ou por meio da participação em competições de arbitragem. Nessas últimas, conquanto o tribunal arbitral que avalia os estudantes não julgue a causa constante no problema proposto, e, com isso, não se aprende a “função jurisdicional”, o estudante imerge em um caso fictício que aborda aspectos de Direito Material e Processual similares aos encontrados na prática cotidiana. De forma experimental e sob pressão, os estudantes procuram responder adequadamente às perguntas formuladas pelos árbitros. E, aplicando-se o aprendizado por experiência, observam as perguntas formuladas à equipe adversa e as respostas apresentadas. Aprende-se o que fazer e o que não fazer.
Ao aplicar o aprendizado por experiência complementado pelo estudo do Direito Material e Processual, o estudante ou advogado em início de carreira na arbitragem poderá, além de “integrar conceitos e interpretações de materiais jurídicos” com exemplos da realidade”, avaliar o próprio desempenho em situações concretas (aprender a aprender)” e “identificar e compreender razões para comportamentos de outras pessoas em situações concretas”13.
Em relação ao último ponto citado, é de especial importância que o estudante identifique e compreenda o porquê de determinadas condutas, comportamentos e decisões emitidas pelos árbitros durante um processo arbitral. Ao almejar exercer a função de árbitro, deve o estudante, em adição ao profundo estudo do Direito Material e do Direito Processual, absorver a essência da função jurisdicional, e, a esse respeito, o aprendizado por experiência ajudará o aprendiz não apenas nos aspectos materiais e processuais relativos à função que almeja exercer, mas, ainda, a valorizar a ética profissional e o trabalho realizado com esforço e excelência14.
Como relatado nessas linhas, o aprendizado por experiência na seara arbitral tem a sua razão de ser e pode ser aplicado com sucesso pelo estudante ou advogado em início de carreira15.
1 A esse respeito, diz Selma Lemes: “Nesta linha, faz-se necessário advertir que o treinamento recebido para os embates forenses, as ferramentas processuais utilizadas, entre elas, os infindáveis recursos processuais não se coadunam com a prática arbitral. O profissional do Direito que desejar atuar em arbitragem, como já mencionamos em trabalhos pregressos, deve deixar a armadura de gladiador para o foro e utilizar a vestimenta de cavalheiro do século XXI. Este profissional deve, preponderantemente, focar a negociação e a pacificação do litígio. Compete ao profissional um papel de colaboração efetiva na obtenção da rápida solução da demanda arbitral. Enfim, não se aperfeiçoa à prática arbitral o advogado extremamente beligerante; este, logo, perceberá que está em descompasso com o ambiente arbitral, que prima pelo diálogo e consenso constantes”. (LEMES, Ferreira Selma. A arbitragem e o estudante de Direito. Revista Direito ao Ponto, Edição de maio/09, 4, p. 26-28).
2 Segundo o entendimento de Selma Lemes: “Indaga-se o que é estar árbitro? Estar árbitro é mais do que investido para resolver a controvérsia. É ser uma pessoa disciplinada e sensível, ter disponibilidade de tempo para analisar convenientemente a demanda, preparar-se para as audiências, ter prontidão e iniciativa, não retardar as decisões e os despachos durante o procedimento arbitral (…) Enfim, estar árbitro é um ser humanista e atuar, também, como um diplomata”. (LEMES, Selma Ferreira. Notas sobre o Árbitro e o Procedimento Arbitral. In: BAPTISTA, Luiz Olavo; VISCONTE, Debora; ALVES, Mariana Cattel Gomes; PALMA, Tania F. Rodrigues (Org.). Estudos de Direito: uma homenagem ao Prof. José Carlos de Magalhães. São Paulo: Atelier Jurídico, 2018, pp. 750-751.)
3 Segundo o art. 31 da Lei de Arbitragem: “A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo”.
4 Ver, a esse respeito. NUNES, Thiago Marinho. Breves notas sobre os bastidores da atividade do árbitro. In: MUNIZ, Joaquim de Paiva; MENDES, Lucas V.R. da Costa Mendes (coord.). Práticas de Arbitragem: técnicas, agentes e mercados. Rio de Janeiro: CPA, 2020, p. 192-193.
5 Ver, a esse respeito, por todos: PARENTE, Eduardo de Albuquerque. Processo arbitral e sistema. São Paulo: Atlas, 2012.
6 Segundo Ricardo de Carvalho Aprigliano: “Compreender que arbitragem é processo, que se insere no âmbito de sua teoria geral, que compartilha dos mesmos fundamentos de todo e qualquer processo, mas que se realiza com nuances e diferenças, é fundamental para evitar o pior dos mundos.” (APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Fundamentos Processuais da Arbitragem. São Paulo: EDC, 2023, p. 204).
7 Processo civil e arbitragem constituem, assim, “instrumentos heterônimos de solução de conflitos”, na visão de Donaldo Armelin: “[…] apresenta, no seu conjunto, estrutura semelhante à do processo civil, até porque ambos são instrumentos heterônimos de solução de conflitos, nos quais emerge a existência de terceiro desinteressado ao qual se atribui autoridade suficiente para o deslinde do litígio.” (ARMELIN, Donaldo. Prescrição e arbitragem. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo: RT, 15, p. 69, out.-dez. 2007).
8 A esse respeito, afirma Selma Lemes: “O que difere o processo arbitral do judicial é a simplificação da forma, respaldada na liberdade, na flexibilidade e na igualdade. Estes três valores estão positivados na LA na forma de princípios. Assim é que o art. 21, § 2º determina que o processo arbitral observe e albergue nas regras estabelecidas pelas partes e a livre convicção racional do árbitro (independência e imparcialidade) para decidir”. (LEMES, Ferreira Selma. A arbitragem e o estudante de Direito. Revista Direito ao Ponto, Edição de maio/09, 4, p. 26-28).
9 Ver, a esse respeito: NUNES, Thiago Marinho Nunes. Processo Arbitral: início, meio e fim. Migalhas, abril 2023. Disponível aqui. Acesso em: 11 jan. 2025.
10 Ver, nesse sentido: RODRIGUES JR., Otavio Luiz. Entrevista com José Emílio Nunes Pinto. Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 22. ano 7. p. 335-352. São Paulo: Ed. RT, jan.-mar. 2020, p. 343-344.
11 FEFERBAUM, Marina; KLAFKE, Guilherme Forma. Metologias ativas em direito: guia prático para o ensino jurídico participativo e inovador. São Paulo: Atlas, 2020, p. 99.
12 Previsto no art. 16 da lei 13.140/15 (Lei de Mediação): “Ainda que haja processo arbitral ou judicial em curso, as partes poderão submeter-se à mediação, hipótese em que requererão ao juiz ou árbitro a suspensão do processo por prazo suficiente para a solução consensual do litígio”.
13 FEFERBAUM, Marina; KLAFKE, Guilherme Forma. Metologias ativas em direito: guia prático para o ensino jurídico participativo e inovador. São Paulo: Atlas, 2020, p. 99.
14 A esse respeito, ver: SCHWARTZ, Michael Hunter, HESS, Geral F. e SPARROW, Sophie M. What the Best Law Techers Do. United States: Harvard University Press, 2013, p. 22.
15 Além do aprendizado baseado em experiencias, merece ser anotado o método estruturado, preconizado pelo Professor Daniel Dias, qual, voltado, a princípio ao estudante que aspira a advogar determinada tese jurídica, pode ser adaptada a quem procura solucionar, na qualidade de um terceiro independente e imparcial, determinado conflito. A respeito de tal método, leciona o citado docente: “A resolução estruturada do caso deve ser capaz de mostrar a um leigo em Direito, que conhece os fatos e tem acesso aos dispositivos legais relevantes, os problemas jurídicos do caso e explicar de forma convincente a solução que está sendo dada. O método estruturado “deve consequentemente servir para convencer as pessoas do resultado encontrado” pessoas que, em regra, detêm apenas pouco ou nenhum conhecimento jurídico prévio. Uma resolução estruturada é bem-sucedida se, depois de lê-la, um leigo puder julgar os fatos do caso de maneira juridicamente correta”. (DIAS, Daniel. Metodologia de Resolução de Casos Jurídicos. 2ª ed. São Paulo: RT, 2024, p. 42).
Fonte: Migalhas
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