O atual Código de Processo Civil completa 10 anos de vigência e já conta com grande acervo decisório, a propósito dos mais variados temas que sofreram mudança após sua edição.
A presente coletânea de jurisprudência, elaborada por Mirna Cianci – e destinada a dar base ao “Curso de Direito Processual Civil Aplicado”, escrito por Antonio Carlos Marcato, Mirna Cianci e Nelton Agnaldo Moraes dos Santos -, resulta de pesquisa efetuada junto ao TJ/SP e STJ, tendo por objeto a análise de decisões proferidas dentro do decênio de vigência do CPC.
Foram aqui destacados os dispositivos que sofreram modificação em relação ao diploma revogado e verificado se havia, a respeito deles, decisões jurisprudenciais, trazendo uma ilustração representativa no período de 2016 a 2025.
No primeiro quinquênio, pela falta de jurisprudência suficiente no STJ, vali-me dos julgados do TJ/SP, em complementação. A partir de 2020, a jurisprudência selecionada passou a ser exclusivamente do STJ, exceção feita aos casos em que a recente legislação modificadora de alguns dispositivos do CPC tenha sido examinada somente no âmbito estadual, caso em que foi destacada a jurisprudência do Tribunal paulista.
A partir de agora tem o migalheiro acesso à jurisprudência relativa a todas as modificações sofridas pelo CPC em 2015.
Espero que este repertório lhes seja útil!
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O tema honorários, aqui subdividido com os aspectos de maior ocorrência, também é trazido agora quanto às demais situações trazidas com as modificações do novo ordenamento.
Tema 1.153 – Tese firmada
A verba honorária sucumbencial, a despeito da sua natureza alimentar, não se enquadra na exceção prevista no § 2º do art. 833 do CPC/15 (penhora para pagamento de prestação alimentícia).
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. PROCESSUAL CIVIL. VERBAS REMUNERATÓRIAS. IMPENHORABILIDADE. ART. 833, IV, DO CPC/15. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. EXECUÇÃO. VERBA DE NATUREZA ALIMENTAR E PRESTAÇÃO ALIMENTÍCIA. DISTINÇÃO. ART. 833, § 2º, DO CPC/15. EXCEÇÃO NÃO CONFIGURADA.
1. Os autos buscam definir se os honorários advocatícios de sucumbência, em virtude da sua natureza alimentar, inserem-se ou não na exceção prevista no § 2º do art. 833 do CPC/15 – pagamento de prestação alimentícia.
2. Tese para os fins do art. 1.040 do CPC/15: a verba honorária sucumbencial, a despeito da sua natureza alimentar, não se enquadra na exceção prevista no § 2º do art. 833 do CPC/15 (penhora para pagamento de prestação alimentícia).
3. Recurso especial não provido.
(REsp 1.954.380/SP, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Corte Especial, julgado em 5/6/24, DJe de 17/9/24.)
Tema 1.190 – Tese firmada
Na ausência de impugnação à pretensão executória, não são devidos honorários advocatícios sucumbenciais em cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública, ainda que o crédito esteja submetido a pagamento por meio de RPV – Requisição de Pequeno Valor.
PROCESSUAL CIVIL. ANS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL. EXECUÇÃO. ART. 1.022 DO CPC/15. OMISSÃO ACERCA DA FIXAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. OMISSÃO INEXISTENTE. CABIMENTO DA FIXAÇÃO DE PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS EM CUMPRIMENTO DE SENTENÇA NÃO IMPUGNADO PELA FAZENDA PÚBLICA. CRÉDITO SUJEITO À RPV. NÃO CABIMENTO.
HISTÓRICO DA DEMANDA
1. Os recorrentes interpuseram Agravo de Instrumento contra decisão que negou a fixação de honorários sucumbenciais, por considerar que não houve resistência da Fazenda Pública do Estado de São Paulo ao pedido de cumprimento de sentença.
2. Na ocasião, os exequentes defenderam que a previsão do art. 85, § 7º, do CPC, tem aplicabilidade limitada aos casos que ensejem a expedição de precatórios, não afastando os honorários na hipótese de pagamento via RPV.
3. O TJ/SP negou provimento ao recurso, por considerar que “a expressão lançada se presta a deixar claro que aquela forma de regulamentação de sucumbência ali prevista se aplica aos cumprimentos de obrigação de pagar quantia certa, que é a forma de execução que enseja a expedição de precatório ou RPV ” (fl. 46).
JURISPRUDÊNCIA A RESPEITO DO TEMA
4. O STJ tem decidido que, quando o crédito está sujeito ao regime da RPV, é cabível a fixação dos honorários advocatícios em cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública, independentemente da existência de impugnação à pretensão executória.
5. A questão remonta ao decidido pela Corte Especial no julgamento dos EREsp 217.883/RS, em 2003. Na ocasião, firmou-se o entendimento de que, na execução de título judicial, ainda que não embargada, os honorários sucumbenciais seriam devidos, mesmo que o pagamento estivesse submetido ao precatório. O relator, ministro José Arnaldo da Fonseca, consignou que “o fato de o pagamento pela Fazenda Pública estar sujeito à inscrição em precatório em nada influencia na conclusão defendida. Com efeito, a forma de pagamento não interfere na vontade de pagar.”
6. A vigência da MP 2.180-35, de 24/8/01, que acrescentou à lei 9.494/97 o art. 1º-D, alterou o quadro normativo a respeito da matéria. O dispositivo tem a seguinte redação: “Não serão devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública nas execuções não embargadas.”
7. Ao julgar o recurso extraordinário 420.816/PR, o STF confirmou a constitucionalidade do art. 1º-D da lei 9.494/97, mas conferiu-lhe a interpretação de que a norma não se aplica às execuções de obrigações legalmente definidas como de pequeno valor, visto que, em tal situação, o processo executivo se acha excepcionalmente excluído do regime a que alude o art. 100, caput, da CF/88.
8. Adotando o entendimento do STF, a Primeira seção do STJ, no julgamento dos EREsp 676.719/SC, rel. ministro José Delgado, passou a afirmar que não mais seriam cabíveis honorários sucumbenciais em execução de obrigação submetida a pagamento por precatório, desde que não embargada. Quanto às obrigações de pequeno valor, decidiu-se que os honorários sucumbenciais são devidos, independentemente de impugnação. A partir de então, a jurisprudência desta Corte Superior consolidou-se no sentido de que “os honorários advocatícios de sucumbência são devidos nas execuções contra a Fazenda sujeitas ao regime de RPV, ainda que não seja apresentada impugnação.” (AgInt no REsp 2.021.231/SC, rel. ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira turma, DJe de 10/3/23).
9. Com a vigência do novo CPC, a matéria voltou a ser debatida e merece passar por um novo olhar. O julgamento dos recursos especiais sob a sistemática dos arts. 1.036 e seguintes do CPC/15 é o momento ideal para isso, diante da amplitude do contraditório, com a participação dos amici curiae, bem como dos aprofundados debates que, como de costume, se seguem.
10. A razão pela qual o STF reconheceu a constitucionalidade do afastamento de honorários nas execuções não embargadas consiste na impossibilidade de o ente público adimplir espontaneamente a obrigação de pagar quantia certa sujeita ao regime dos precatórios. O CPC/15 trouxe regramento a respeito da matéria que, no meu entendimento, atrai a aplicação da mesma ratio ao cumprimento de sentença cujo pagamento esteja submetido à expedição de RPV.
DISCIPLINA DO CPC/15
11. O art. 85 do CPC/15 prevê o pagamento de honorários sucumbenciais no cumprimento de sentença e na execução, resistida ou não. O § 7º traz uma exceção: quando o cumprimento de sentença ensejar a expedição de precatório, desde que não tenha sido impugnado. A questão federal a ser dirimida é se o § 7º do art. 85 do CPC também alcança o cumprimento de sentença que enseje a expedição de RPV.
12. O Estado de São Paulo defende que os honorários não são devidos quando o cumprimento de sentença de obrigações de pequeno valor não for impugnado. Afirma que, mesmo nesse caso, o ente seria obrigado a aguardar o início da fase executiva. Essa parece ser a orientação que merece prevalecer, sobretudo porque, à luz do princípio da causalidade, o Poder Público não dá causa à instauração do rito executivo, uma vez que se revela impositiva a observância do art. 535, § 3º, II, do CPC.
13. Realmente, no cumprimento de sentença que impõe a obrigação de pagar quantia certa, os entes públicos não têm a opção de adimplir voluntariamente. Ainda que não haja impugnação, o novo CPC impõe rito próprio que deverá ser observado pelas partes, qual seja, o requerimento do exequente, que deverá apresentar demonstrativo discriminado do crédito (art. 534 do CPC), seguido da ordem do juiz para pagamento da quantia, que “será realizado no prazo de dois meses contado da entrega da requisição, mediante depósito na agência de banco oficial mais próxima da residência do exequente.”
14. A lei processual prescreve, então, que a autoridade na pessoa de quem o ente público foi citado deve aguardar ordem do juiz para o depósito do montante devido. A partir de então, o pagamento da obrigação será feito no prazo de dois meses. Perceba-se: além de determinar que se aguarde ordem judicial, o CPC/15 confere à Fazenda Pública o prazo de dois meses para o adimplemento da obrigação.
15. Em aparente contraste, o art. 523, § 1º, do CPC – que trata de cumprimento de obrigação de pagamento de quantia certa contra particulares – prevê que, não ocorrendo o pagamento no prazo de 15 dias, o débito será acrescido de multa de 10% e, também, de honorários de advogado de 10%. Ou seja, independentemente do valor executado, o particular somente será condenado a pagar honorários sucumbenciais em cumprimento de sentença caso não pague voluntariamente no prazo de 15 dias.
16. O Poder Público, como dito, não dispõe da possibilidade de pagamento em 15 dias, já que o CPC impõe que ele aguarde a ordem do juiz da execução para a realização do depósito do montante no prazo de dois meses, contados da entrega da RPV. Diante dessa peculiaridade, o art. 534, § 2º, do CPC dispõe que não se aplica aos entes públicos a multa de 10% em caso de inadimplemento da obrigação no prazo de 15 dias. Trata-se de mais um reconhecimento, pelo CPC/15, de que as pessoas jurídicas de direito público estão impossibilitadas de adimplir espontaneamente a obrigação. Note-se: como não pode pagar voluntariamente, a única conduta que o Estado pode adotar em favor do imediato cumprimento do título executivo judicial é o de não impugnar a execução e depositar a quantia requisitada pelo juiz no prazo legal. Não é razoável que o particular que pague voluntariamente a obrigação fique isento do pagamento de honorários sucumbenciais, mas o Poder Público, reconhecendo a dívida (ao deixar de impugná-la) e pagando-a também no prazo legal, tenha de suportar esse ônus.
17. E aqui surge mais uma incongruência lógica da previsão de honorários nos cumprimentos de pequena monta não impugnados: se a Fazenda Pública não apresentar oposição ao crédito e aguardar a ordem do juiz para pagamento integral, será condenada a pagar honorários sobre a integralidade do valor devido. Por outro lado, se optar por impugnar parcialmente os cálculos apresentados pelo credor, os honorários terão como base apenas a parcela controvertida, nos termos da jurisprudência desta Corte. A propósito: AgInt nos EDcl nos EDcl no REsp 2.031.385/RS, rel. ministro Herman Benjamin, Segunda turma, DJe de 21/9/23; AgInt no AREsp 2.272.059/SP, rel. ministro Sérgio Kukina, Primeira turma, DJe de 24/8/23; AgInt no REsp 2.045.035/SP, rel. ministro Mauro Campbell Marques, Segunda turma, DJe de 23/8/23; e AgInt nos EDcl no REsp 1.885.625/RS, rel. ministro Og Fernandes, Segunda turma, DJe de 1/6/21. Nessa situação, é financeiramente mais favorável à Administração Pública a impugnação parcial da execução, ainda que com argumentos frágeis, do que reconhecer a dívida. Premia-se o conflito, e não a solução célere e consensual da lide.
18. Por tudo isso, a mudança da jurisprudência desta Corte Superior é necessária. Esse entendimento não contraria aquele firmado pelo STF no RE 420.816/PR. O STF reconheceu a constitucionalidade do 1º-D da lei 9.494/97 justamente porque o Poder Público está impossibilitado de adimplir espontaneamente a obrigação de pagar quantia certa sujeita ao regime dos precatórios.
À luz do CPC vigente, a mesma ratio deve ser estendida ao cumprimento de sentença que determine o pagamento de quantia submetida à RPV.
TESE REPETITIVA
19. Propõe-se o estabelecimento da seguinte tese: “Na ausência de impugnação à pretensão executória, não são devidos honorários advocatícios sucumbenciais em cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública, ainda que o crédito esteja submetido a pagamento por meio de RPV.”
MODULAÇÃO DOS EFEITOS
20. Os pressupostos para a modulação estão presentes, uma vez que a jurisprudência desta Corte havia se firmado no sentido de que, nas hipóteses em que o pagamento da obrigação é feito mediante RPV, seria cabível a fixação de honorários advocatícios nos cumprimentos de sentença contra o Estado, ainda que não impugnados.
21 Por isso, a tese repetitiva deve ser aplicada apenas nos cumprimentos de sentença iniciados após a publicação deste acórdão.
SOLUÇÃO DO CASO CONCRETO
22. De início, rejeitam-se as preliminares de ausência de prequestionamento e de deficiência da fundamentação do recurso especial, veiculadas nas contrarrazões do recurso especial. A questão controversa foi objeto de análise no acórdão recorrido, que de modo expresso identificou o objeto litigioso.
23. Quanto ao mérito, a Corte local decidiu a controvérsia nos termos em que a tese foi proposta. No entanto, considerando a modulação dos efeitos desta decisão, o recurso especial do particular deve ser provido.
24. Recurso especial provido, para determinar o retorno dos autos à origem para que sejam fixados os honorários sucumbenciais.
(REsp 2.029.675/SP, relator ministro Herman Benjamin, Primeira seção, julgado em 20/6/24, DJe de 1/7/24.)
Veja a íntegra da coluna.
Fonte: Migalhas
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