Processo 0061377-26.2024.8.26.0100
Espécie: PROCESSO
Número: 0061377-26.2024.8.26.0100
Processo 0061377-26.2024.8.26.0100
Pedido de Providências – Reclamação do extrajudicial (formulada por usuários do serviço) – A.A.S. – Juiz(a) de Direito: Fernanda Perez Jacomini VISTOS, Trata-se de representação formulada por usuária de serviço notarial, encaminhada por e-mail, em que protesta contra supostas falhas no serviço extrajudicial prestado pelo Registro Civil das Pessoas Naturais do (…). A Sra. Delegatária prestou esclarecimentos às fl. 14/16. Instada a se manifestar, a parte Representante reiterou os termos de seu protesto inaugural e teceu novas críticas à Sra. Titular e sua preposta (fls. 21/25). O Ministério Público ofertou parecer opinando pelo arquivamento do feito, ante a inexistência de indícios de falha na prestação do serviço ou de ilícito funcional por parte da Senhora Titular do Serviço Extrajudicial (fls. 31/33). Determinei à Sra. Representante que juntasse cópia integral do processo SEI 6020.2023/00335654-9, em trâmite junto ao Departamento de Transportes Públicos – DTP, do Município de São Paulo, no qual constaria procuração pública em termos diversos daqueles de fls. 18/19, segundo se extrai da narrativa da interessada. Entretanto, até a presente data não houve nova manifestação da Sra. Representante e transcorreu o prazo legal. É o breve relatório. Decido. Insurge-se a parte Representante contra supostas falhas na prestação do serviço extrajudicial pelo Registro Civil das Pessoas Naturais do (…), referindo que outorgou procuração para mandatário transferir veículo e tratar de assuntos referente a alvará de estacionamento, revogando-a em 05 de fevereiro de 2024. Apesar disso, valores que deveriam ser restituídos pelo Departamento de Transportes Públicos foram pagos ao portador da procuração, em 21 de fevereiro de 2024. Por não ter anuído com o uso da procuração para tal finalidade, solicitou a apuração dos fatos, a anulação da procuração e de seus efeitos anteriores, mormente em razão de que funcionária da Serventia Extrajudicial seria cônjuge do ex-mandatário, fato que teria ensejado o êxito daquilo que qualificou como “golpe da procuração”. A seu turno, a Senhora Titular afirmou ter lavrado e assinado a procuração pública em comento, não constando poderes para recebimento de valores extraordinários junto ao Departamento de Transportes Públicos (DTP), tampouco “poderes ilimitados”. Esclareceu que o instrumento público não foi modificado e dele sequer constavam poderes para receber ressarcimento por recolhimentos ou por pagamentos, os quais reclamam poderes especiais e extraordinários. Salientou não possuir ingerência sobre assuntos de ordem negocial, tratativas com o DTP e utilização da procuração. Ainda, asseverou ser necessária ação própria para questionar atos porventura praticados por pessoas em posse da procuração, sendo que esclareceu à Sra. Representante e seu advogado acerca da regularidade da procuração e da atuação funcional. Instada a se manifestar, a Sra. Representante reiterou seus argumentos, aduzindo que a revogação do mandato outorgado por instrumento público ocorreu em 05 de fevereiro de 2024, enquanto que os valores foram levantados no dia 21 de fevereiro de 2024, pugnando pela apuração dos atos pela Sra. Titular. Em seu parecer, o Ministério Público opinou pela ausência de ilegalidades atribuíveis à Sra. Delegatária, sendo que os demais fatos narrados são alheios à alçada notarial, não ensejando apenamento na seara censório-disciplinar. Pois bem. À luz dos esclarecimentos prestados, não verifico a ocorrência de falha na prestação do serviço extrajudicial ou ilícito funcional. De proêmio, esclareço à parte interessada que esta Corregedoria Permanente desempenha suas atividades em limitado campo de atribuição administrativa perante as Serventias de Registro Civil e Tabelionatos de (…), afetos ao poder correicional da 2ª Vara de Registros Públicos da Capital. Assim, esta seara se restringe a verificar o cumprimento dos deveres e obrigações funcionais dos Titulares e Interinos de Delegações afetas a este Juízo Corregedor. Como é cediço, os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público, de acordo com o disposto no art. 236 da Constituição Federal. À Sra. Titular cabe observar o atendimento às NSCGJ, bem como a pertinente legislação de regência, possibilitando a prestação do serviço público delegado de modo eficiente, adequado e com garantia da publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, observando-se os deveres do ofício. Nessa senda, a gestão interna das serventias constitui atribuição exclusiva de seus titulares, certo que compete à Senhora Delegatária realizar a orientação e fiscalização de seus prepostos, bem como zelar pela adequada prestação do serviço. Feitas estas considerações, sabe-se que a Sra. Oficial, no desempenho de suas funções, responde pelos atos de seus prepostos (item 7, do Capítulo XVI, das NSCGJ, e artigo 21 da Lei 8.935/1.994). Contudo, supor indícios de ilícito administrativo em razão de eventuais falhas isoladas, cometidas por colaboradores, que vem sendo devidamente orientados e fiscalizados, seria imputar ao Delegatário responsabilidade objetiva, o que não se pode conceber, haja vista que a responsabilização dos Titulares de Delegações deriva da inobservância de seus deveres funcionais, o que não se apurou. Nesse sentido, não identifico descumprimento de deveres funcionais pela Sra. Registradora ao lavrar a procuração pública indigitada, inexistindo indícios de utilização dos serviços notariais de modo desvirtuado, tampouco de conivência da Sra. Titular com o cometimento de atos ilícitos por sua preposta ou terceiros. De interesse para análise da regularidade da atuação funcional da Sra. Titular importa verificar se os deveres enquanto Oficial com competência para lavratura de procurações (por força do art. 52 da Lei nº 8.935/94) foram observados ao lavrar o instrumento público. Nessa toada, o notário: (…) deve estar atento para, na procuração pública, definir com clareza os poderes conferidos ao mandatário, tanto no que se refere ao seu alcance quanto no que tange aos seus limites. Salvo nos mandatos para mera administração, nos demais deve o notário fazer constarem poderes especiais, por exemplo, para alienação de bens, para proceder à transação, para celebrar negócios jurídicos específicos. Deve ter o cuidado de identificar o imóvel a ser alienado e as condições desejadas pelo mandante, se for o caso. Na procuração pública para doação, deve descrever o bem a ser doado e a pessoa do donatário. (Loureiro, Luiz Guilherme. Registros públicos: teoria e prática. 8ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2017, p. 1.079) Consta dos autos a procuração em comento, outorgada em 19 de novembro de 2021, sem prazo de validade, com poderes para representar a Sra. Representante, então outorgante, em assuntos relativos a veículo de categoria “Táxi Preto”, tanto para venda, quanto perante órgãos públicos, inclusive o DTP, “para tratar de todo e qualquer assunto referente ao Alvará de Estacionamento número(…)”, bem como “praticar todos os demais atos que se façam necessários ao mais amplo desempenho deste mandato, mesmo os não expressamente nominados neste instrumento, mas que por sua natureza ou necessário interesse, compreenda intervinculados aos poderes aqui conferidos” (fls. 18/19). Da respectiva cópia reprográfica se verifica a “Revogação deste instrumento de procuração”, em 05 de fevereiro de 2024. Sendo assim, não identifico poderes que indiquem falha ou ilícito cometido pela Sra. Delegatária, sendo comuns à espécie. Não obstante, conforme narrado pela Sra. Representante, inclusive em Boletim de Ocorrência (fls. 06/07), embora com o falecimento de seu esposo tivesse outorgado procuração com a intenção de transferir o veículo e alvará de Táxi, na qual não constou anuência das filhas do falecido, o mandatário recebeu valor de ressarcimento de quantias cobradas indevidamente, no montante de R$ 19.960,00, com retirada por Advogado constituído pelo outorgado, sem repassar à mandante aquilo que lhe seria devido. Como não concedeu poderes ilimitados, solicitou que “os efeitos anteriores à revogação” sejam anulados. Deduz-se que os valores mencionados pela reclamante tratem-se de restituição dos valores pagos a título de outorga onerosa para concessão da licença de táxi da extinta categoria Táxi Preto. Das versões apresentadas pela Sra. Representante e pela Sra. Titular, se infere que a Sra. Representante sustentou suposta alteração da procuração pública após sua finalização, porém inexiste documento nestes autos que comprove essa alegação, apesar de ter sido concedida oportunidade à interessada de juntar cópia integral do processo SEI 6020.2023/00335654-9, em trâmite junto ao Departamento de Transportes Públicos – DTP, do Município de São Paulo, no qual constaria procuração pública em termos diversos. Ademais, ainda que existisse a alteração, não há qualquer indício de participação da Sra titular nesse sentido, constando da certidão reprográfica o teor do instrumento público lavrado pela serventia, a qual goza de presunção de veracidade de ser cópia fiel extraída do livro no qual consta o ato notarial, não podendo ser elidida por meras suposições. Sendo assim, inexistentes indícios de que a procuração de fls. 18/19 não corresponda às notas da Sra. Notária e que sequer foi impugnado seu conteúdo, não há como se deduzir que seu teor não reproduza a vontade expressada à época pela interessada. Após anos da outorga do mandato, seria contrariar a boa fé objetiva negar ter expressado sua vontade na serventia extrajudicial, sendo vedados os comportamentos contraditórios (venire contra factum proprium). Ressalvo, todavia, ser possível que a parte discuta os limites dos poderes concedidos junto ao órgão ao qual foi apresentada a procuração (ou judicialmente). Aliás, o art. 668 do Código Civil estabelece o dever do mandatário de prestar contas de sua gerência ao mandante, transferindo-lhe as vantagens provenientes do mandato, por qualquer título que seja. Assim, se os valores de restituição foram entregues ao mandatário como representante dos interesses da reclamante e não lhe foram repassados, trata-se de questão a ser discutida pelas vias adequadas em face do outorgado em razão de quebra da confiança depositada, não nesta via administrativa, por ausência de competência para sua discussão. O fato de ter sido revogada a procuração em data supostamente anterior ao início e término do processo administrativo junto ao DTP que ensejou o pagamento ao mandatário da Sra. Representante, é alheio a esta esfera administrativa, conforme salientado pelo Ministério Público. Ademais, destaco que os efeitos da revogação independem de qualquer medida nesta via administrativa, sendo que a certidão reprográfica demonstra constar a revogação à margem da escritura. Por fim, a “anulação da procuração e de seus efeitos anteriores” dependem de pleito judicial, com observância do devido processo legal, vez que a própria Sra. Representante não nega ter participado da lavratura do ato notarial. Reforço que o uso da procuração para além dos efeitos concedidos é questão atinente à relação existente entre mandante e mandatário. Ante o exposto, reputo satisfatórias as explicações prestadas pela Senhora Titular, não vislumbrando responsabilidade funcional apta a ensejar a instauração de procedimento administrativo, no âmbito disciplinar. Não obstante, consigno à Senhora Delegatária que se mantenha atenta na orientação e fiscalização dos prepostos sob sua responsabilidade, mormente considerando que a vida pessoal de seus colaboradores não deve por sob dúvida a idoneidade dos serviços extrajudiciais objeto de sua delegação, em vista de sua função assecuratória da segurança e eficácia dos atos jurídicos que lhe são confiados. Nessas condições, à míngua de providência censório-disciplinar a ser adotada, determino o arquivamento dos autos, após o cumprimento das cautelas de praxe. Encaminhe-se cópia integral dos autos à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, por e-mail, servindo a presente como ofício. Ciência à Senhora Delegatária, ao Ministério Público e à parte Representante. I.C. – ADV: (…) (DJe de 10.03.2025 – SP)
Fonte: DJE
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