Apelação n° 1016260-14.2023.8.26.0590
Espécie: APELAÇÃO
Número: 1016260-14.2023.8.26.0590
Comarca: SÃO VICENTE
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação n° 1016260-14.2023.8.26.0590
Registro: 2025.0000379972
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1016260-14.2023.8.26.0590, da Comarca de São Vicente, em que é apelante THIAGO SALMOIRAGHI DE SOUZA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO VICENTE.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 10 de abril de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1016260-14.2023.8.26.0590
Apelante: Thiago Salmoiraghi de Souza
Apelado: Oficial de Registro de Imoveis e Anexos da Comarca de São Vicente
VOTO Nº 43.759
Direito registral – Apelação em dúvida – Registro de imóveis – Apelação desprovida.
I. Caso em Exame
1. Apelação interposta contra sentença que manteve óbices ao registro de formal de partilha extraído de inventário. O recorrente alega decadência do prazo para lançamento dos tributos e ausência de partilha per saltum, pedindo provimento do apelo e inscrição do título judicial.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste em determinar se: há necessidade de retificação da partilha; a não observância de cláusulas testamentárias impede o registro; o recolhimento dos tributos incidentes sobre os atos levados a registro deve ser comprovado.
III. Razões de Decidir
3. A origem judicial do título não o torna imune ao juízo de qualificação registral.
4. A sucessão por representação não opera per saltum, mas somente ocorre na situação de herdeiros pré-mortos,. Na hipótese de herdeiros pós mortos, deve-se respeitar a ordem de falecimentos e quinhões atribuídos.
5. O desrespeito à cláusula testamentária impede o registro do formal.
6. É dever do registrador fiscalizar o recolhimento dos tributos decorrentes dos atos praticados na serventia extrajudicial.
IV. Dispositivo e Tese
7. Recurso desprovido.
Tese de julgamento: 1. A qualificação registral do título judicial é necessária, mesmo com origem judicial. 2. A sucessão per saltum é vedada, devendo ser respeitada a ordem cronológica dos óbitos. 3. O teor das declarações de última vontade deve ser observado. 4. Cabe ao Oficial fiscalizar o correto recolhimento dos tributos incidentes sobre atos levados a registro
Legislação Citada:
– Lei nº 8.935/94, art. 30, XI; CTN, art. 134, VI.
Jurisprudência Citada:
CSM/SP, apelação nº 1110734-55.2024.8.26.0100, Rel. Des. Francisco Loureiro, j. em 5/12/2024.
CSM/SP, apelação nº 1005840-69.2022.8.26.0400, Rel. Des. Francisco Loureiro, j. em 31/10/2024.
CSM/SP, apelação nº 1001702-88.2024.8.26.0400, Rel. Des. Francisco Loureiro, j. em 17/10/2024.
CSM/SP, apelação nº 1016124-17.2023.8.26.0590, Rel. Des. Francisco Loureiro, j. em 13/6/2024.
CSMSP, Apelação Cível nº 1123982-06.2015.8.26.0100, Rel. Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças, DJE de 07/12/2016.
Trata-se de apelação interposta por Thiago Salmoiraghi de Souza contra a r. sentença de fls. 633/637, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Registro de Imóveis de São Vicente, que, em dúvida inversamente suscitada, manteve os óbices ao registro na matrícula nº 110.825 de formal de partilha extraído do processo de inventário nº 0017655-90.2007.8.26.0114, que tramitou perante a 1ª Vara de Família e Sucessões de Campinas.
Alega o recorrente, em síntese, que o prazo para o lançamento do ITCMD decorrente da morte José Malta foi fulminado pela decadência há anos e que não houve partilha per saltum. Afirma que o formal está em termos, pede o provimento do apelo e a inscrição do título judicial (fls. 643/649).
A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 673/675).
É o relatório.
O formal de partilha apresentado a registro foi corretamente desqualificado.
Pela leitura da manifestação do Oficial de fls. 589/595, nota-se que o impedimento ao registro do título se deu por quatro motivos distintos: a) necessidade de retificação da partilha; b) não observância de cláusulas testamentárias; c) falta de comprovação do recolhimento do ITBI causa mortis; d) havendo partilha desigual, falta de comprovação do recolhimento do ITCMD.
Todos os óbices se sustentam.
A necessidade de retificação da partilha decorre da vedação à transmissão causa mortis na forma per saltum. Essa prática vedada se dá quando a transmissão de bens ocorre diretamente aos descendentes dos herdeiros pós mortos, sem respeitar a ordem cronológica dos óbitos.
E como destacado pelo registrador (fls. 590), as partilhas decorrentes dos falecimentos sucessivos de José Malta Souza, de sua viúva meeira Lucília e de sua herdeira filha Maria incorreram no equívoco da transmissão per saltum, na medida em que foram ignoradas as transmissões ocorridas por ocasião de cada um dos óbitos.
A impossibilidade de registro do título nessas condições vem sendo reiteradamente afirmada neste Conselho, inclusive em precedentes recentes de minha relatoria:
“DIREITO SUCESSÓRIO – INVENTÁRIO CONJUNTO – PARTILHA PER SALTUM – JUÍZO DE DESQUALIFICAÇÃO REGISTRAL – DÚVIDA PROCEDENTE – APELAÇÃO DESPROVIDA. Caso em exame. 1. Inventariante/interessada, ora recorrente, sustenta a registrabilidade do formal de partilha, fundada na prevalência da sentença judicial transitada em julgado, na economia processual e na sucessão/substituição processuais. 2. Suscitada a dúvida, irresignada com o julgamento procedente, que reconheceu a inadmissibilidade da inscrição da sucessão direta mortis causa da avó para os netos, apelou.
Questão em discussão. 3. Qualificação registral do título judicial. 4. Amplitude do controle confiado ao Oficial de Registro. 5. Direito de representação. 6. Sucessão por transmissão. 7. Observância das normas que regem e orientam a sucessão legítima e os serviços registrais.
III – Razões de decidir. 8. A origem judicial do título não o torna imune ao juízo de qualificação registral. O dissenso não tem por objeto uma ordem judicial. 9. A admissibilidade de inventários conjuntos não altera nem abrevia as cadeias sucessórias. 10. O direito de representação pressupõe o passamento de herdeiro antes do autor da herança, distinguindo- se da sucessão por transmissão, que se dá quando o herdeiro falece após o de cujus, sem ter aceito ou repudiado a herança. 11. A sucessão representativa não opera per saltum , et omisso medio. 12. As sucessões devem ser feitas de modo individualizado, com as declarações e partilhas em separado e o pagamento dos tributos devidos para cada um dos fatos geradores, respeitando a ordem de falecimentos, a disponibilidade e o quinhão então atribuído a cada sucessor. Diretrizes não seguidas. 13. A transmissão avoenga, direta da avó para os netos, aqui configurada, somente seria possível caso os filhos fossem todos pré-mortos. 14. Havendo filhos pós mortos, a sucessão se dá por transmissão, vedada a sucessão per saltum , a que se nega registro, pois, além de lesar o erário, é ofensiva aos princípios da legalidade, da continuidade e da disponibilidade.
IV – Dispositivo. Desprovimento do recurso. Confirmada a recusa de registro” (CSM/SP – apelação nº 1110734-55.2024.8.26.0100, Rel. Des. Francisco Loureiro, j. em 5/12/2024).
“Registro de imóveis – Dúvida – Recusa de ingresso de formal de partilha extraído de ação de inventário.
Título judicial que se sujeita à qualificação registral – Anuência a exigência, com promessa de atendimento no curso do processo administrativo – Dúvida prejudicada – Análise dos óbices para orientação de futura prenotação. Ofensa ao princípio da continuidade (partilha per saltum) – Necessidade de partilhas sucessivas – Apresentação de certidão de homologação do ITCMD pela Fazenda Estadual conforme o título a ser retificado. Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido” (CSM/SP – apelação nº 1005840-69.2022.8.26.0400, Rel. Des. Francisco Loureiro, j. em 31/10/2024).
“Registro de imóveis – Dúvida – Carta de sentença notarial – Partilha decorrente de inventário conjunto – Ofensa ao princípio da continuidade – Necessidade de aditamento do título para constar dois planos de partilha – Apelação desprovida” (CSM/SP – apelação nº 1001702-88.2024.8.26.0400, Rel. Des. Francisco Loureiro, j. em 17/10/2024).
A não observância de cláusulas testamentárias constantes em declarações de última vontade também justifica a desqualificação.
Com efeito, restou demonstrado que José Malta Souza e Lucilia Capelline de Souza, avós do ora apelante e de Luciano Albert Salmoiraghi, instituíram cláusulas restritivas sobre o quinhão dos herdeiros netos, disposições não observadas no título apresentado a registro (fls. 590/591).
Sobre a obrigação do Oficial de zelar pelo correto cumprimento da declaração de última vontade do falecido, acórdão deste Conselho por mim relatado:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA JULGADA PROCEDENTE – ESCRITURA DE INVENTÁRIO COM TESTAMENTO E PARTILHA – ESCRITURA LAVRADA COM BASE NO ITEM 130 DO CAPÍTULO XVI DAS NSCGJ – INOBSERVÂNCIA DA VONTADE DA TESTADORA – HERDEIROS TESTAMENTÁRIOS QUE RECEBEM PARCELA DO PATRIMÔNIO BEM INFERIOR AO QUE PRETENDIA – A TESTADORA OFICIAL QUE, JUNTAMENTE COM O TABELIÃO QUE LAVROU A ESCRITURA, DEVE ZELAR PELO CORRETO CUMPRIMENTO DA DECLARAÇÃO DE ÚLTIMA VONTADE – DESQUALIFICAÇÃO QUE SE JUSTIFICA – RECURSO NÃO PROVIDO” (CSM/SP – apelação nº 1016124-17.2023.8.26.0590, Rel. Des. Francisco Loureiro, j. em 13/6/2024).
Finalmente, é conhecido o dever que o registrador possui de fiscalizar o recolhimento dos tributos decorrentes dos atos praticados na serventia extrajudicial (cf. artigo 30, XI, da Lei nº 8.935/94 e artigo 134, VI, do CTN), de modo que correta a exigência de comprovação do recolhimento de impostos ou da concessão da isenção respectiva.
Assim, havendo óbito ocorrido sob a vigência da Lei Estadual nº 9.591/1966, revogada pela Lei Estadual nº 10.705/2000, a comprovação do recolhimento do ITBI causa mortis se faz necessária. Tanto é assim que o juiz que presidiu o inventário determinou diversas vezes a juntada do comprovante do recolhimento do tributo (fls. 591), o que não foi atendido.
E tendo havido partilha desigual entre herdeiros de mesma classe (Thiago e Luciano), imprescindível a juntada ou de comprovante do recolhimento do tributo incidente sobre a doação levada a efeito ou de prova de que a autoridade tributária concedeu a isenção. Como o apelante não fez nem uma coisa nem outra, procede a exigência.
Nem se argumente que o direito de constituir o crédito tributário foi fulminado pela decadência, uma vez que tal matéria não pode ser analisada nesta via administrativa. Nesse sentido:
“Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente, impedindo-se o registro de Escritura Pública de venda e compra, englobando cessão – Ausência de recolhimento de imposto – ITBI que é devido pela cessão e pela venda e compra – Impossibilidade de reconhecimento de inconstitucionalidade e de decadência ou prescrição pela via administrativa – Recurso desprovido” (CSMSP, Apelação Cível nº 1123982-06.2015.8.26.0100, Rel. Desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, DJE de 07/12/2016).
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 29.04.2025 – SP)
Fonte: DJE
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