Sugere-se a criação de marco regulatório, certificações e incentivos para data centers sustentáveis, com controle social e garantias jurídicas ambientais
No compasso da era digital, os data centers tornaram-se tão invisíveis quanto indispensáveis. São eles que, em silêncio e com voracidade energética, sustentam a vida digital contemporânea: mantêm vivos os fluxos de dados que alimentam redes sociais, plataformas de streaming, operações bancárias, pesquisas científicas e sistemas públicos. Se nossa sociedade hoje é movida a dados, esses centros são suas usinas.
Esse protagonismo, no entanto, tem um preço. À medida que o volume global de informações cresce de forma exponencial – impulsionado pela Internet das Coisas, computação em nuvem e inteligência artificial – a demanda de capacidade de processamento e armazenamento avança a passos largos, arrastando consigo uma necessidade energética alarmante. Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), o consumo de eletricidade por centros de dados foi estimado, em 2024, em 415 TWh, representando 1,5% do consumo total de eletricidade, com previsão de aumento nos próximos anos.1
Diante desse cenário, surge uma questão incômoda, mas inadiável: qual o verdadeiro custo ambiental desses centros de processamento? Se, por um lado, essas infraestruturas digitais possibilitam avanços tecnológicos e melhorias em eficiência em diversas áreas da vida humana, por outro, seu impacto sobre o meio ambiente não pode mais ser tratado como uma externalidade invisível, especialmente no contexto de uma sociedade que busca um desenvolvimento econômico verde.
Além disso, de acordo com relatório do Morgan Stanley, o setor global de data centers emitirá 2,5 bilhões de toneladas de CO2 até 20302. Isso reflete, em termos simples, a pegada de carbono, que representa a quantidade total de gases de efeito estufa (GEE) – medidos em toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e) – emitidos direta ou indiretamente por uma atividade, organização, produto ou indivíduo.
Ao encararmos tais dados, evidencia-se uma urgência em efetivar-se a transição energética em escala global, tendo em vista que, neste caso, a grande parte das celeumas ambientais decorrem, ou se relacionam, com consumo energético em grande escala. Nesse sentido, a mitigação dos impactos tangencia os seguintes pontos:
(i) Emissão de gases de efeito estufa (GEE): Entre os principais impactos ambientais desses centros, destaca-se a emissão de gases de efeito estufa, uma verdadeira sombra projetada pelo funcionamento incessante dos servidores e dos sistemas de resfriamento. Estimativas recentes indicam que os data centers são responsáveis por cerca de 2% das emissões globais de GEE e que quase metade desse montante provém do consumo intensivo de energia elétrica, evidenciando o peso energético que sustenta a vida digital contemporânea.
(ii) Demanda energética baseada em fontes fósseis: Em diversas regiões do mundo, a demanda energética dos data centers concentra-se, de forma preocupante, em fontes fósseis. Embora iniciativas de transição para energias renováveis estejam em curso, a realidade é que uma parcela significativa das operações ainda depende de matrizes elétricas intensivas em carbono, perpetuando um ciclo de emissões elevado e dificultando a concretização de metas de neutralidade climática.
No cenário regulatório e de responsabilidade ambiental, normas internacionais emergem como bússolas para a necessária transformação. O Acordo de Paris, ao estabelecer metas globais para a contenção do aquecimento global, pressiona diretamente o setor de tecnologia a repensar suas matrizes energéticas e práticas de operação. Padrões como a ISO 14001, focada em sistemas de gestão ambiental, e a ISO 50001, voltada à eficiência energética, oferecem trilhas concretas para a redução da pegada de carbono dos data centers.
Governos também desenham seus papéis nesse compasso verde. Nos Estados Unidos, empresas líderes como Google e Amazon alinham-se a incentivos para operação 100% renovável; na União Europeia, o Green Deal impõe regulamentos rigorosos de eficiência e transição energética; no Brasil, por sua vez, iniciativas ainda em fase de amadurecimento começam a estimular a adoção de infraestruturas mais sustentáveis. Enquanto isso, instituições privadas utilizam certificações, como a LEED (Leadership in Energy and Environmental Design), para validar os compromissos energéticos assumidos.
Não obstante, no cenário nacional temos que a instalação de um data center está sujeita a diversas regulamentações que abrangem licenciamento ambiental, normas de eficiência energética e controle de poluição. O processo de licenciamento ambiental, exigido pelos órgãos de controle subnacionais ou pelo IBAMA, varia conforme o impacto da operação e a localização. Além disso, deve atender a normas do CONAMA relativas ao controle de poluição sonora e atmosférica, bem como às exigências da ANEEL para eficiência energética, com foco na ISO 50001. A lei de resíduos sólidos impõe a gestão adequada de lixo eletrônico, enquanto normas da ABNT asseguram a segurança estrutural e de construção.
Porém, como o Brasil é membro signatário do acordo de Paris, temos, pelas metas estipuladas pela COP 25, a necessidade de diminuição das emissões atmosféricas, cujo compromisso foi positivado por meio da Política Nacional sobre Mudanças do Clima (Lei 12.187/2009 – PNMC); assim, além de respeitar o arcabouço regulatório, deve ser observado o compromisso climático do País para redução das emissões atmosféricas.
De frente a isso, a crescente preocupação global com as mudanças climáticas impõe ao setor de tecnologia, em especial aos data centers, a necessidade de profundas revisões em seus modelos de operação, visando a redução da pegada de carbono digital. Este cenário se torna ainda mais premente ante a constatação de que esses centros são responsáveis por parcela significativa das emissões de GEE oriundas da atividade tecnológica. Nesse contexto, urge a adoção de políticas e práticas que promovam a sustentabilidade, a responsabilidade socioambiental e a plena integração dos princípios ESG (Environmental, Social and Governance) às operações.
Sob essa ótica, o futuro dos data centers aponta para a incorporação intensiva de fontes de energia renovável, como solar, eólica e hidrelétrica, bem como a participação ativa em projetos de neutralização de carbono, incluindo o investimento em créditos de carbono e iniciativas de reflorestamento. Dessa forma, a utilização de tecnologias inovadoras como o resfriamento por imersão – que substitui sistemas tradicionais de ar-condicionado e reduz o consumo de energia – e o emprego de computação quântica e edge computing figuram como tendências inexoráveis. Essas tecnologias não apenas diminuem a dependência energética, mas também melhoram a eficiência computacional, minimizando a geração de calor e otimizando o uso dos recursos.
A integração dos critérios ESG no setor de data centers não se mostra como mera tendência, mas como imperativo jurídico e ético. Empresas de tecnologia têm sido crescentemente pressionadas por seus stakeholders e pelo mercado financeiro a adotar práticas sustentáveis e transparentes. Essa pressão de mercado, amparada por consumidores mais conscientes e investidores atentos à responsabilidade socioambiental, impõe aos operadores de data centers a implementação de mecanismos robustos de governança, transparência na divulgação de dados ambientais e responsabilidade social.
Todavia, é imperioso reconhecer que, para que haja avanços efetivos, é necessário fortalecer os instrumentos regulatórios existentes e criar outros mais rigorosos. Isso porque a ausência de regulamentações específicas e de fiscalização eficaz no tocante às emissões de carbono digital propicia a perpetuação de práticas prejudiciais ao meio ambiente. Assim, torna-se imprescindível que o Estado atue de maneira firme, editando normas que obriguem a mensuração e a divulgação da pegada de carbono e incentivem práticas de mitigação.
Nesse contexto, a advocacia ambiental desponta como protagonista na defesa do interesse público e na promoção da sustentabilidade. Cabe aos especialistas em Direito do Ambiente não apenas a atuação contenciosa, mas também a propositura de políticas públicas que incentivem a inovação sustentável e a responsabilidade socioambiental. A título de exemplo, a promoção de benefícios fiscais para data centers que adotem energia renovável, a exigência de certificações ambientais e a concessão de créditos para investimento em tecnologias verdes são medidas que podem fomentar a transição para um setor tecnológico menos poluente.
Outrossim, é fundamental reconhecer que a transformação estrutural do setor não se concretizará sem a mobilização de toda a cadeia produtiva e do consumidor final. Desse modo, a educação ambiental digital, a indução de práticas responsáveis de consumo e o incentivo à economia circular – mediante o reaproveitamento e a reciclagem de equipamentos de TI – são medidas imprescindíveis para a efetivação de um modelo de desenvolvimento sustentável.
Destarte, para que os data centers possam, de fato, transitar para operações verdadeiramente net-zero, é imperativo combinar inovação tecnológica, regulamentação rigorosa, incentivos econômicos e comprometimento socioambiental. Assim, a integração dos princípios ESG, a redução da pegada de carbono digital e a atuação ativa da advocacia ambiental são vetores essenciais para assegurar que o progresso tecnológico se desenvolva em harmonia com a preservação ambiental e a justiça intergeracional.
Propõe-se, portanto, a adoção de um marco regulatório específico para data centers sustentáveis, a criação de programas de certificação e incentivo, e o fortalecimento do controle social sobre as práticas corporativas, como garantias jurídicas indispensáveis para a proteção do meio ambiente e para a construção de um futuro mais sustentável.
1 INTERNATIONAL ENERGY AGENCY. Energy and AI. Paris: IEA, abril de 2025. Disponível em: https://iea.blob.core.windows.net/assets/dd7c2387-2f60-4b60-8c5f-6563b6aa1e4c/EnergyandAI.pdf. Acesso em: 29 abr. 2025.
2 TERRA. Setor global de data centers emitirá 2,5 bilhões de toneladas de CO2 até 2030, diz Morgan Stanley. Terra, 26 abr. 2024. Disponível em: https://www.terra.com.br/byte/setor-global-de-data-centers-emitira-25-bilhoes-de-toneladas-de-co2-ate-2030-diz-morgan-stanley,1d34469a1ddc775ebce243e420f7b04begh1femg.html. Acesso em: 28 abr. 2025.
Fonte: Migalhas
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