O REsp 2.189.143/SP redefine o divórcio, estabelecendo-o como direito potestativo e imediato, sem condições adicionais, contrariando normativas restritivas anteriores

Recentemente, ao julgar o REsp 2.189.143/SP, por unanimidade, sendo relatora a ministra Nancy Andrighi, a 3ª turma do STJ deu um passo decisivo rumo à consolidação de um novo paradigma no Direito das Famílias, mais sintonizado com os valores contemporâneos da sociedade brasileira e com a principiologia constitucional que rege as relações familiares.

Certamente, o supracitado acórdão redefinirá os contornos do instituto do divórcio no ordenamento jurídico pátrio.

Trata-se de uma decisão relevante que finalmente acolheu anseio há muito esperado pela doutrina e pela sociedade, desde a promulgação da EC 66/10, a qual instituiu o divórcio como um direito potestativo de natureza extintiva, desvinculado de prazos, contraditório, atribuição de culpa ou quaisquer outros requisitos de ordem subjetiva ou objetiva.

Nesse contexto, a 3ª turma do STJ, sob a relatoria da ministra Nancy Andrighi, proferiu uma decisão de grande relevância, alicerçada em sólidos fundamentos de direito material e processual. A decisão reconheceu não apenas a mudança de paradigma trazida pela EC 66/10, mas também reafirmou princípios constitucionais como a autonomia privada, a dignidade da pessoa humana e a celeridade processual, consolidando o entendimento de que o direito ao divórcio é potestativo e imediato e que não deverá ficar atrelado à resolução de questões acessórias:

Sendo assim, em síntese, conforme o decisum:

  • Para o exercício do direito de divórcio, basta a manifestação de vontade de um dos cônjuges e a apresentação da certidão de casamento atualizada;
  • A decisão que decreta o divórcio é definitiva e irrecorrível quanto à sua eficácia extintiva do vínculo conjugal, devendo ser proferida por meio de julgamento parcial de mérito, nos termos dos arts. 355 e 356 do CPC.

Importante salientar que no âmbito extrajudicial, a possibilidade de formulação unilateral do pedido de divórcio já encontrava previsão em normativas estaduais, como o provimento 6/19 da Corregedoria-Geral de Justiça de Pernambuco e o provimento 25/19 da CGJ do Maranhão, além de ser objeto do pedido de providências CNJ 0003491-78.2019.2.00.0000.

Todavia, mesmo nos Estados de Pernambuco e do Maranhão, onde existiam normativas administrativas expressas autorizando a realização do divórcio unilateral (também denominado divórcio impositivo, administrativo ou por averbação), previa-se, como condição para o requerimento do divórcio impositivo, a inexistência de filhos incapazes ou de nascituro.

Em sede legislativa, a perspectiva de divórcio unilateral – pela via extrajudicial – vem sendo tratada nos PL 3.457/191 e 4/25 (reforma do CC), especialmente no art. 1.582-A2 deste último.

Diante da relevância do precedente firmado no REsp. 2.189.143/SP, impõe-se a necessidade de reinterpretação do § 2º do art. 34 da resolução CNJ 35/07, recentemente alterado pela resolução CNJ 571/24, cujo teor dispõe:

“Art. 34. As partes devem declarar ao tabelião, no ato da lavratura da escritura, que não têm filhos comuns ou, havendo, indicar seus nomes, as datas de nascimento e se existem incapazes.

§ 2º. Havendo filhos comuns do casal menores ou incapazes, será permitida a lavratura da escritura pública de divórcio, desde que devidamente comprovada a prévia resolução judicial de todas as questões referentes à guarda, visitação e alimentos deles, o que deverá ficar consignado no corpo da escritura. (negrito acrescentado)

Por sua vez, o Código de Normas da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (provimento 87/22), no art. 476, § 1º, adotava critério menos restritivo, permitindo a lavratura da escritura de divórcio mesmo na presença de filho incapaz ou nascituro, desde que comprovado o ajuizamento de ação judicial própria ou, alternativamente, o compromisso de ajuizá-la em trinta dias, com a devida menção no ato notarial.

Entretanto, o dispositivo da norma estadual fluminense foi modificado pelo provimento 78/24, de 21/10/24 (parágrafo único do art. 489), com o objetivo de adequá-lo às disposições da nova resolução CNJ 571/24, a qual passou a exigir a prévia resolução de questões subjacentes, como alimentos, guarda e visitação.

A análise comparativa dos dispositivos supramencionados torna evidente que ambas as normas administrativas impõem condicionantes ao exercício do direito ao divórcio, ao exigirem a prévia resolução das questões relativas a alimentos, guarda e visitação. Essa exigência, contudo, mostra-se em desacordo com a orientação mais recente firmada pelo STJ.

Reitere-se que, à luz do julgamento do REsp. 2.189.143/SP, restou consolidado que o exercício do direito ao divórcio, por sua natureza eminentemente potestativa, não pode ser condicionado à prévia resolução, tampouco ao compromisso de resolução de questões acessórias, ainda que relacionadas à guarda, à visitação ou aos alimentos, nem mesmo à existência de filhos incapazes ou de nascituro.

Ressalte-se que tanto a decisão unânime do STJ, quanto as normas administrativas e os projetos legislativos apresentados neste artigo tratam especificamente do exercício do divórcio de forma unilateral. Assim, considerando que essas disposições admitem o divórcio impositivo, mesmo sem a resolução prévia de questões acessórias, com ainda mais razão devem as partes poder requerê-lo consensualmente pela via extrajudicial – mesmo nos casos em que existam filhos incapazes ou pendências relacionadas a alimentos, guarda ou visitação.

Ao se optar pela via extrajudicial, que pressupõe consenso entre as partes quanto à dissolução do vínculo, não se justifica restringi-la com exigências que contrariam a ratio decidendi do referido julgado.

Destarte, revela-se premente a atualização hermenêutica da resolução CNJ 35/07, especialmente de seu art. 34, § 2º, à luz do entendimento firmado pelo STJ, a fim de assegurar a plena eficácia do direito fundamental ao divórcio como expressão da autonomia privada e da dignidade da pessoa humana.

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1 Brasil. Senado Federal. Disponível em < https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/137242>

2 “Projeto de Lei nº 4/2025 – Art. 1.582-A. O cônjuge ou o convivente, poderão requerer unilateralmente o divórcio ou a dissolução da união estável no Cartório do Registro Civil em que está lançado o assento do casamento ou onde foi registrada a união, nos termos do § 1º do art. 9º deste Código. § 1º O pedido de divórcio ou de dissolução da união estável serão subscritos pelo interessado e por advogado ou por defensor público. § 2º Serão notificados prévia e pessoalmente o outro cônjuge ou convivente para conhecimento do pedido, dispensada a notificação se estiverem presentes perante o oficial ou tiverem manifestado ciência por qualquer meio § 3º Na hipótese de não serem encontrados o cônjuge ou convivente para serem notificados, proceder-se-á com a sua notificação editalícia, após exauridas as buscas de endereço nas bases de dados disponibilizadas ao sistema judiciário. § 4º Após efetivada a notificação pessoal ou por edital, o oficial do Registro Civil procederá, em cinco dias, à averbação do divórcio ou à da dissolução da união estável. § 5º Em havendo, no pedido de divórcio ou de dissolução de união estável, cláusula relativa à alteração do nome do cônjuge ou do requerente para retomada do uso do seu nome de solteiro, o oficial de Registro que averbar o ato, anotará a alteração no respectivo assento de nascimento, se de sua unidade e, se de outra, comunicará ao oficial competente para a necessária anotação. § 6º Com exceção do disposto no § 5º, nenhuma outra pretensão poderá ser cumulada ao pedido unilateral de divórcio ou de dissolução de união estável, especialmente, pretensão de alimentos, arrolamento de bens, guarda de filhos, partilha de bens, exclusão do ex-cônjuge ou convivente de plano de saúde, alteração do domicílio da família, ou qualquer outra medida protetiva ou acautelatória..”

Fonte: Migalhas

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