Nesta oportunidade, nos debruçaremos em entender e como aplicar, na prática, o Tema 1.261 do STJ, no recente julgamento de precedente qualificado do REsp 2093929/MG

Recentemente (13/6/25), o STJ publicou acórdão que julgou recurso especial submetido ao rito dos recursos repetitivos (precedente qualificado de observância obrigatória – CPC, art. 927, III), de bastante relevância para uma matéria demasiada sensível: a “exceção da exceção” da impenhorabilidade do bem de família ofertado como garantia real.

No leading case (REsp 2093929/MG), discutiu-se o alcance ou não da (im)penhorabilidade de imóvel de rigor caracterizado como bem de família, que foi ofertado como garantia real para pagamento de dívida, sob a luz do art. 3º, inciso V, da lei 8.009/1990.

Rememora-se que a legislação debatida visa resguardar (art. 1º, caput), com amparo da Constituição Federal (art. 6º, caput), que o imóvel residencial da entidade familiar é impenhorável e não pode responder por qualquer tipo de dívida, salvo apenas nas hipóteses que a própria lei entende como exceções.

Estas aludidas exceções estão dispostas no art. 3º da mesma lei, existindo atualmente 6 cenários em que a regra não se aplica, dentre elas a prevista no inciso V, o qual disciplina que a impenhorabilidade do bem de família não é oponível para execução de hipoteca sobre o imóvel, quando oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar.

É sobre esta exceção que o STJ julgou o recurso especial sob o regime dos repetitivos, tendo em vista que não obstante se pode concluir que quando ofertado como garantia o imóvel perde a proteção da impenhorabilidade, a interpretação deste dispositivo legal (art. 3º, V, da lei 8.009/1990) há anos vinha se consolidando no sentido de que o crédito vinculado à garantia deveria ter sido revertido em benefício da entidade familiar, como por exemplo menciono dois julgados do STJ em 2020 e 2022:

  • AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – EMBARGOS À PENHORA – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DOS EMBARGANTES. 1. Segundo entendimento adotado por este STJ, somente será admissível a penhora do bem de família quando a garantia real for prestada em benefício da própria entidade familiar, e não para assegurar empréstimo obtido por terceiro ou pessoa jurídica, sendo vedada a presunção de que a garantia fora dada em benefício da família, de sorte a afastar a impenhorabilidade do bem, com base no art. 3º, V, da lei 8.009/1990. Súmula 83 do STJ. 2. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp 1.401.722/SP, relator ministro Marco Buzzi, 4ª turma, julgado em 4/5/20, DJe de 8/5/20.)GRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. GARANTIA HIPOTECÁRIA. EMPRÉSTIMO. EMPRESA FAMILIAR. BENEFÍCIO DA ENTIDADE FAMILIAR. REEXAME. SÚMULAS 5 E 7/STJ. ÔNUS DA PROVA. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC de 2015 (enunciados administrativos 2 e 3/STJ). 2. É possível a penhora do único imóvel residencial quando dado em garantia de dívida contraída por empresa familiar, salvo se provado que o ato de disposição não beneficiou a família. 3. Na hipótese, rever a conclusão do tribunal local, no sentido de que o empréstimo contraído por empresa familiar se reverteu em benefício da família, esbarra no óbice da súmula 7/STJ. 4. Considera-se deficiente de fundamentação o recurso especial que não indica com clareza e precisão os dispositivos legais supostamente violados pelo acórdão recorrido, circunstância que atrai a incidência, por analogia, da súmula 284 do STF. 5. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1.806.412/PR, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª turma, julgado em 14/2/22, DJe de 22/2/22.)

Resumidamente falando, o imóvel, ainda que ofertado como garantia real, poderia ser considerado como impenhorável, se o crédito não beneficiou a entidade familiar, sobretudo se ofertado em favor de terceiro ou até mesmo em favor de pessoa jurídica, da qual o(s) proprietário(s) não fazem parte.

Tendo em vista os inúmeros processos com esta problemática, o STJ então entendeu por bem afetar um caso sob o regime dos repetitivos, para definir se realmente se consolidará a “exceção da exceção”, e também como se definirá o ônus da prova em demonstrar se o crédito foi ou não revertido em favor da entidade familiar, que é o que trata o Tema 1261 recentemente julgado no REsp 2093929/MG, tendo sido fixada, em última análise, a seguinte tese:

  1. A exceção à impenhorabilidade do bem de família nos casos de execução de hipoteca sobre o imóvel, oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar, prevista no art. 3º, V, da lei 8.009/1990, restringe-se às hipóteses em que a dívida foi constituída em benefício da entidade família;
  2. Em relação ao ônus da prova, a) se o bem for dado em garantia real por um dos sócios de pessoa jurídica, é, em regra, impenhorável, cabendo ao credor o ônus de comprovar que o débito da pessoa jurídica se reverteu em benefício da entidade familiar; e b) caso os únicos sócios da sociedade sejam os titulares do imóvel hipotecado, a regra é da penhorabilidade do bem de família, competindo aos proprietários demonstrar que o débito da pessoa jurídica não se reverteu em benefício da entidade familiar.

A tese fixada acima servirá, na hipótese de trânsito em julgado, para aplicação dos comados inerentes à observância dos precedentes qualificados (CPC, art. 311, II; art. 332, II; art. 927, III; art. 932, IV, “b”, V, “b”; art. 988, §5°, II; dentre outros). No entanto, o acórdão publicado traz lições bastante interessantes sobre o motivo pelo qual a tese foi fixada (ratio decidendi), incluindo até mesmo a aplicação do instituto nemo potest venire contra factum proprium, e delimitando o porquê, no caso concreto, o imóvel foi considerado penhorável:

  • DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO AO RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS. BEM DE FAMÍLIA. EXECUÇÃO DE HIPOTECA. PENHORABILIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO. I. Caso em exame 1. Recurso especial interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que manteve a penhora de bem de família dado em garantia hipotecária, com base no art. 3º, V, da lei 8.009/1990. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em saber se a penhora de imóvel residencial oferecido como garantia real, em favor de terceiros, pelo casal ou pela entidade familiar, exige comprovação de que o proveito se reverteu em favor da entidade familiar, e como se distribui o ônus da prova nas garantias prestadas em favor de sociedade na qual os proprietários do bem têm participação societária. III. Razões de decidir 3. O STJ, a fim de compatibilizar a manutenção da efetividade da garantia hipotecária e seu caráter erga omnes com a necessária proteção à moradia da família, ao interpretar a exceção à impenhorabilidade prevista no art. 3º, V, da lei 8.009/1990, orientou-se no sentido de que se cuida de hipótese de renúncia à proteção legal, mas restringe sua abrangência somente para aqueles casos em que a dívida foi constituída em benefício da entidade familiar. 4. Ao ofertar o bem para a constituição da garantia hipotecária, a atitude posterior dos próprios devedores tendente a excluir o bem da responsabilidade patrimonial revela comportamento contraditório. O nemo potest venire contra factum proprium tem por efeito impedir o exercício do comportamento em contradição com a conduta anteriormente praticada, com fundamento no princípio da boa-fé e da confiança legítima, sendo categorizado como forma de exercício inadmissível de um direito. Nessa concepção, consubstancia-se em forma de limite ao exercício de um direito subjetivo propriamente dito ou potestativo, ou, mais propriamente, à defesa do bem oferecido em garantia. 5. Quando os únicos sócios da empresa devedora são os titulares do imóvel hipotecado, presume-se a penhorabilidade do bem, sendo ônus dos proprietários demonstrar que a dívida não se reverteu em benefício da entidade familiar. 6. No caso concreto, as proprietárias do imóvel são as únicas sócias da sociedade empresária devedora, presumindo-se a penhorabilidade do bem, sem prova que ilidisse a presunção de benefício da entidade familiar. IV. Dispositivo e tese 7. Recurso não provido. Tese de julgamento: Para os fins do art. 1.036 do CPC/15, fixam-se as seguintes teses relativamente ao Tema 1.261: I) a exceção à impenhorabilidade do bem de família nos casos de execução de hipoteca sobre o imóvel, oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar, prevista no art. 3º, V, da lei 8.009/1990, restringe-se às hipóteses em que a dívida foi constituída em benefício da entidade familiar: II) em relação ao ônus da prova, a) se o bem for dado em garantia real por um dos sócios de pessoa jurídica, é, em regra, impenhorável, cabendo ao credor o ônus de comprovar que o débito da pessoa jurídica se reverteu em benefício da entidade familiar; e b) caso os únicos sócios da sociedade sejam os titulares do imóvel hipotecado, a regra é da penhorabilidade do bem de família, competindo aos proprietários demonstrar que o débito da pessoa jurídica não se reverteu em benefício da entidade familiar. Dispositivos relevantes citados: lei 8.009/1990, art. 3º, V; CPC/15, art. 1.036. Jurisprudência relevante citada: STJ, EAREsp 848.498/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 2ª seção, julgado em 25/4/18; STJ, AgInt no REsp 1.929.818/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 11/3/24; STJ, AgInt no REsp 1.924.849/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª turma, julgado em 9/10/23. (REsp 2.093.929/MG, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, 2ª seção, julgado em 5/6/25, DJEN de 13/6/25.)

De toda sorte, se confirmou no julgamento que quando o crédito garantido pelo imóvel não beneficiou a entidade familiar da parte que indicou o bem, não deve ser aplicada a exceção do art. 3º, V, de modo que o imóvel ainda será impenhorável, mormente quando inexistir prova em sentido contrário.

Fixou-se, também, porém, a distribuição do ônus da prova para tal desiderato, se concluindo que, se ofertado por um sócio de pessoa jurídica, a impenhorabilidade ainda é presumida, sendo ônus do credor produzir prova em contrário e, de outro lado, se o imóvel é de titularidade de todos os sócios da empresa, é do devedor o ônus de comprovar que o crédito não foi revertido em benefício da entidade familiar, se presumindo pela penhorabilidade.

Na prática, portanto, em defesa de qualquer das partes interessadas, devemos ter como objetivo principal demonstrar a finalidade e destinação do crédito, cumprindo-se com o ônus probatório nos dois cenários estabelecidos no Tema 1.261, visando comprovar se a entidade familiar (titulares do imóvel) foram ou não beneficiados com o crédito garantido pelo imóvel, afim de viabilizar a correta e obrigatória aplicação do recente precedente qualificado do STJ.

Fonte: Migalhas

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