Para que a filiação socioafetiva seja mais valorizada e melhor trabalhada, é preciso que existam leis para pontuar e agregar todos os casos de filiação socioafetiva. Somente dessa forma é que o direito dos pais e filhos socioafetivos estarão cada vez mais assegurados

 

Atualmente o tema filiação socioafetiva passou a ter grande relevância jurídica para o direito de família e ganhou bastante notoriedade por estar vinculado de modo específico com as estruturas familiares.

 

O instituto da filiação socioafetiva apresenta-se complexo por trabalhar as relações humanas. A questão foi ignorada durante muito tempo pela sociedade paternalista, pelas normas do direito canônico e pela sociedade em geral que acreditou mais nos laços consanguíneos que nos laços afetivos.

 

É por conta do novo olhar que é lançado sobre esse tema que a doutrina e jurisprudência passaram a adotar “desbiologização” da filiação. Esse termo foi instaurado em 1979 pelo doutrinador João Baptista Villela em seu livro “Desbiologização da Paternidade” e foi considerado como precursor da verdade sociológica. Foi a partir disso que a filiação socioafetiva passou a ocupar o centro de inúmeras discussões dentro do ordenamento jurídico.

 

Por isso, a desbiologização da paternidade foi de vital importância para que a filiação socioafetiva fosse amparada juridicamente e pela sociedade. Já que antes vivia marginalizada tanto pela doutrina quanto pela legislação brasileira, apesar de sua existência ser bastante antiga.

 

Insta pontuar que o ordenamento jurídico não quer acabar ou menosprezar a filiação biológica. O que é colocado em voga é, e sempre foi, o melhor interesse da criança. De tal modo que a origem da filiação fica em segundo plano seja biológica ou socioafetiva.

 

Isso é uma vitória para todos os pais socioafetivos que sabem que não é pelo sangue que é possível dizer se alguém possui a paternidade e os laços sanguíneos não devem se sobrepor aos  laços afetivos. Essa é a posição do renomado autor Luiz Edson Fachin (1992, p.169):

 

A verdadeira paternidade pode também não se explicar apenas na autoria genética da descendência. Pai também é aquele que se revela no comportamento cotidiano, de forma sólida e duradoura, capaz de estreitar os laços de paternidade numa relação psico-afetiva, aquele, enfim, que além de poder lhe emprestar seu nome de família, o trata verdadeiramente como seu filho perante o ambiente social” (FACHIN, Luiz Edson. Estabelecimento da Filiação e Paternidade Presumida. Porto Alegre: SAFE, 1992, p. 169).

 

Na jurisprudência o entendimento é que a filiação socioafetiva existe e possui  papel relevante na construção das famílias brasileiras. O afeto é elemento essencial e é o responsável por formar e manter as famílias.

 

Entende-se, por oportuno, que a filiação socioafetiva possui maior relavância para o desenvolvimento da relação paterno-filial do que unicamente a filiação biológica.

 

O posicionamento da jurisprudência tem sido da prevalência da filiação socioafetiva sobre a filiação biológica. É desse modo que oTribunal de Justiça de Minas Gerais segue pelo caminho que considera o melhor interesse para a criança, confirma a filiação socioafetiva para casos em que esteja configurado o vínculo:

 

APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO DE FAMÍLIA – AÇÃO ANULATÓRIA DE REGISTRO DE NASCIMENTO – ANSEIO DOS AVÓS REGISTRAIS EM VER REVISTA A QUALIFICAÇÃO PATERNA NO REGISTRO DA CRIANÇA – DEMONSTRAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO PATERNO-FILIAL ENTRE O PAI SÓCIO-AFETIVO E A CRIANÇA – PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DA MENOR – PROVIMENTO NEGADO. A filiação sócio-

 

afetiva é aquela em que se desenvolvem durante o tempo do convívio, laços de afeição e identidade pessoal, familiares e morais. À luz do princípio da dignidade humana, bem como do direito fundamental da criança e doadolescente à convivência familiar, traduz-se ser mais relevante a idéia de paternidade responsável, afetiva e solidária, do que a ligação exclusivamente sanguínea. Não se encontra um verdadeiro vício do consentimento em razão de erro, na medida em que o pai registral tinha conhecimento de que poderia não ser o pai biológico da criança. (TJ-MG – AC: 10362090997408001 MG , Relator: Vanessa Verdolim Hudson Andrade, Data de Julgamento: 3/09/2013, Câmaras Cíveis / 1ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 12/9/13)

 

Importante destacar que o posicionamento em suas decisões pela prevalência da filiação socioafetiva no Tribunal de Justiça do Maranhão vem desde o início dos anos 2000 sempre levando em consideração a existência da filiação socioafetiva:

 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO. PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA. AUSÊNCIOS DE VÍCIOS DE CONSENTIMENTO.QUEM, SABENDO NÃO SER O PAI BIOLÓGICO, REGISTRA COMO SEU FILHO DE COMPANHEIRA DURANTE A VIGÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL ESTABELECE UMA FILIAÇÃO SÓCIO-AFETIVA QUE PRODUZ OS MESMOS EFEITOS QUE A ADOÇÃO, ATO IRREVOGÁVEL. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. (TJ-MA – AC: 121012005 MA, Relator: AUGUSTO GALBA FALCÃO MARANHÃO, Data de Julgamento: 27/09/2005, IMPERATRIZ) (grifo nosso).

 

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE CONTRAPROVA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE VÍCIO NA PRODUÇÃO DO EXAME DE DNA. AGRAVO RETIDO IMPROVIDO. ADOÇÃO À BRASILEIRA. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA X BIOLÓGICA. PREVALÊNCIA DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA E DA RELAÇÃO FAMILIAR CONSTRUÍDA AO LONGO DE 27 ANOS. PROVIMENTO DO APELO.

 

I – Embora se leve em consideração a existência de margem de erro, mesmo que mínima, pode a parte impugnar o DNA, mas para que seja deferida, é necessário apresentar motivos sérios, substanciais, que realmente permitam por em dúvida o resultado obtido, na medida em que o mero inconformismo da parte com o resultado do laudo pericial não é razão suficiente para que seja determinada a sua repetição. Agravo retido improvido. II – Comungo com as correntes doutrinárias que entendem que a “adoção à brasileira” não pode ser desconstituída após vínculo de socioafetividade. Ao longo de vários anos, conforme afirmação da própria autora, considerou o Sr. José Elias como pai, ou seja, por 27 anos viveram uma perfeita relação de pai e filha e pelo simples fato de não ser o pai biológico Da autora, após a morte, automaticamente o entitulou de padrastro, desconsiderando por completo a relação familiar havida entre eles. III – Não há razões nos autos que levem a justificar a nulidade do registro de nascimento. A intenção da autora é apenas de ter o nome de seu verdadeiro pai biológico em seu assento. Há de se ressaltar que o Sr. José Elias, por livre e espontânea vontade demonstrou e efetivou o interesse em ter a Apelada como filha. Não havendo nenhum erro ou coação para tal atitude que justifique a anulação do registro. (precedente do Superior Tribunal de Justiça). IV – Apelo provido. (TJMA; Apelação Cível 002444/10; Relatora Desa. Nelma Celeste Souza Silva Sarney; j. 22/6/10).

 

A terceira turma do STJ também elenca a importância da filiação socioafetiva, levando em consideração sempre o melhor interesse do filho:

 

PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO CIVIL. ANULAÇÃOPEDIDA POR PAI BIOLÓGICO. LEGITIMIDADE ATIVA. PATERNIDADESOCIOAFETIVA. PREPONDERÂNCIA. 1. A paternidade biológica não tem o condão de vincular,inexoravelmente, a filiação, apesar de deter peso específicoponderável, ante o liame genético para definir questões relativa àfiliação. 2. Pressupõe, no entanto, para a sua prevalência, da concorrênciade elementos imateriais que efetivamente demonstram a ação volitivado genitor em tomar posse da condição de pai ou mãe. 3. A filiação socioafetiva, por seu turno, ainda que despida deascendência genética, constitui uma relação de fato que deve serreconhecida e amparada juridicamente. Isso porque a parentalidadeque nasce de uma decisão espontânea, frise-se, arrimada em boa-fé,deve ter guarida no Direito de Família. 4. Nas relações familiares, o princípio da boa- fé objetiva deve serobservado e visto sob suas funções integrativas e limitadoras,traduzidas pela figura do venire contra factum proprium (proibiçãode comportamento contraditório), que exige coerência comportamentaldaqueles que buscam a tutela jurisdicional para a solução deconflitos no âmbito do Direito de Família. 5. Na hipótese, a evidente má-fé da genitora e a incúria dorecorrido, que conscientemente deixou de agir para tornar públicasua condição de pai biológico e, quiçá, buscar a construção danecessária paternidade socioafetiva, toma-lhes o direito de seinsurgirem contra os fatos consolidados. 6. A omissão do recorrido, que contribuiu decisivamente para aperpetuação do engodo urdido pela mãe,atrai o entendimento de que aninguém é dado alegrar a própria torpeza em seu proveito (nemoauditur propriam turpitudinem allegans) e faz fenecer a sualegitimidade para pleitear o direito de buscar a alteração noregistro de nascimento de sua filha biológica. 7. Recurso especial provido. (STJ – REsp: 1087163 RJ 2008/0189743-0, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 18/08/11, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 31/08/11).

 

FAMÍLIA. FILIAÇÃO. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E PETIÇÃO DE HERANÇA. VÍNCULO BIOLÓGICO. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. IDENTIDADE GENÉTICA. ANCESTRALIDADE. DIREITOS SUCESSÓRIOS. ARTIGOS ANALISADOS:

 

ARTS. 1.593; 1.604 e 1. 609 do Código Civil; ART. 48 do ECA; e do ART. 1º da Lei 8.560/92. 1. Ação de petição de herança, ajuizada em 07.03.2008. Recurso especial concluso ao Gabinete em 25.08.2011. 2. Discussão relativa à possibilidade do vínculo socioafetivo com o pai registrário impedir o reconhecimento da paternidade biológica. 3. A maternidade/paternidade socioafetiva tem seu reconhecimento jurídico decorrente da relação jurídica de afeto, marcadamente nos casos em que, sem nenhum vínculo biológico, os pais criam uma criança por escolha própria, destinando-lhe todo o amor, ternura e cuidados inerentes à relação pai-filho. 4. A prevalência da paternidade/maternidade socioafetiva frente à biológica tem como principal fundamento o interesse do próprio menor, ou seja, visa garantir direitos aos filhos face às pretensões negatórias de paternidade, quando é inequívoco (i) o conhecimento da verdade biológica pelos pais que assim o declararam no registro de nascimento e (ii) a existência de uma relação de afeto, cuidado, assistência moral, patrimonial e respeito, construída ao longo dos anos. 5. Se é o próprio filho quem busca o reconhecimento do vínculo biológico com outrem, porque durante toda a sua vida foi induzido a acreditar em uma verdade que lhe foi imposta por aqueles que o registraram, não é razoável que se lhe imponha a prevalência da paternidade socioafetiva, a fim de impedir sua pretensão. 6. O reconhecimento do estado de filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado, portanto, sem qualquer restrição, em face dos pais ou seus herdeiros. 7. A paternidade traz em seu bojo diversas responsabilidades, sejam de ordem moral ou patrimonial, devendo ser assegurados os direitos sucessórios decorrentes da comprovação do estado de filiação. 8. Todos os filhos são iguais, não sendo admitida qualquer distinção entre eles, sendo desinfluente a existência, ou não, de qualquer contribuição para a formação do patrimônio familiar. 9. Recurso especial desprovido. (STJ, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 08/10/13, T3 – TERCEIRA TURMA).

 

Portanto, a jurisprudência já demarcou que em casos que o vínculo sociológico esteja configurado, será estabelecida a filiação socioafetiva frente à filiação biológica.

 

Com isso, conclui-se que a filiação socioafetiva não é uma novidade jurídica,  e se constitui de extrema importância para o bom andamento da construção familiar, pois veio agregar valores referentes à filiação.

 

Para que a filiação socioafetiva seja mais valorizada e melhor trabalhada, é preciso que existam leis para pontuar e agregar todos os casos de filiação socioafetiva. Somente dessa forma é que o direito dos pais e filhos socioafetivos estarão cada vez mais assegurados.

 

Fonte: Migalhas

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