A Reforma Tributária no Brasil tem sido tema de grande relevância e debate, especialmente quando se trata do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). Um levantamento conduzido pelo escritório Regina Beatriz Tavares da Silva Sociedade de Advogados (RBTSSA) relevou que a reforma tem o potencial de impactar os valores do ITCMD em até nove estados do país.
A proposta de emenda à Constituição (PEC), já aprovada na Câmara dos Deputados e em tramitação no Senado, introduz a obrigatoriedade da progressividade desse tributo, ou seja, a aplicação de taxas maiores para montantes maiores e taxas menores para quantias menores. A reforma, que se propõe a uniformizar a tributação de doações e heranças em todo país, traz implicações significativas para a forma como o imposto é aplicado, como mudanças que afetam diretamente as sucessões e a transparência dos bens.
Para oferecer uma análise aprofundada dessas transformações e esclarecer os impactos, o Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal (CNB/CF) entrevistou Regina Beatriz Tavares da Silva, presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS).
Confira abaixo:
CNB/CF – Como as famílias brasileiras, especialmente aquelas envolvidas em empresas familiares, podem ser afetadas pela mudança na tributação de heranças?
Regina Beatriz: No geral, a expectativa a médio prazo é que seja verificado aumento de carga tributária em relação às transmissões por heranças. Isto porque, além das alterações relacionadas ao ITCMD indicadas na PEC nº 45/2019, que prevê a aplicação obrigatória de alíquotas progressivas para o imposto, também existem projetos legislativos estaduais que preveem majoração das alíquotas em alguns Estados. Ainda, foi apresentado projeto de alteração da Resolução do Senado Federal, que visa alterar a alíquota máxima do ITCMD para até 16%, sendo que atualmente o máximo permitido é de 8%.
Deste modo, é nítida a movimentação do poder legislativo para alterar a tributação incidente sobre as heranças, o que acarretará provável aumento de carga tributária. Ademais, a proposta visa preencher lacunas da legislação atual para alterar regras da tributação de heranças recebidas por não residentes e/ou de bens no exterior, o que gera impacto relevante às famílias que se enquadrem nestas situações.
A tributação na ocasião da transmissão ‘causa mortis’ (herança) das empresas deverá seguir as regras gerais propostas – o que implica, em suma, na aplicação de alíquota progressiva de até 8%, a depender do valor patrimonial das quotas transmitidas. De todo modo, em se falando de empresas familiares, por meio de um planejamento patrimonial e sucessório, é possível traçar alternativas a fim de mitigar o impacto das prováveis alterações na tributação, como a doação de bens imóveis e quotas societárias com reserva de usufruto, por exemplo.
CNB/CF – Como funcionam as alíquotas progressivas do ITCMD de acordo com a proposta da nova reforma tributária?
Regina Beatriz: De acordo com o atual texto da PEC nº 45/2019, as alíquotas dos Estados e DF passarão a ser obrigatoriamente progressivas, levando em consideração o valor do patrimônio transmitido por doação ou herança. Atualmente, as alíquotas podem ser aplicadas de forma fixa ou progressiva, variando entre 0 a 8%. No entanto, há um projeto de Resolução do Senado Federal, que visa majorar a alíquota máxima para 16%.
Importante esclarecer que a progressividade das alíquotas já está prevista na legislação de alguns estados, como Santa Catarina, por exemplo. Por outro lado, ao menos 9 unidades federativas precisarão atualizar as respectivas legislações para se adequar à nova regra da PEC, se aprovada – como o Estado de São Paulo, por exemplo, que atualmente estabelece alíquota fixa de 4%, independentemente do valor transmitido.
CNB/CF – Existem medidas que as famílias e empresas familiares podem tomar para se prepararem para possíveis mudanças na tributação de heranças e patrimônio?
Regina Beatriz: Sim, é possível que as famílias se antecipem, por meio de um planejamento patrimonial e sucessório, a fim de identificar as melhores alternativas de cada caso e antecipar-se às modificações da legislação tributária, valendo-se, assim, da incidência das alíquotas e bases de cálculo hoje vigentes sobre as transmissões de patrimônio.
CNB/CF – Além da questão tributária, há outros aspectos legais que as famílias devem considerar ao planejar a sucessão de empresas familiares?
Regina Beatriz – É claro que os aspectos tributários são tratados como uma das questões mais relevantes quando se fala em planejamento patrimonial e sucessório, já que o pagamento de tributos afeta o bolso dos contribuintes de forma direta e imediata. Contudo, existem outros aspectos de igual importância que precisam ser avaliados em um planejamento sucessório, principalmente questões envolvendo o direito de família e das sucessões, a fim de entender a dinâmica familiar, os regimes de bens de cada membro da família, e os desejos para perpetuação do patrimônio.
Um dos caminhos para a preservação do patrimônio e das relações entre herdeiros e sucessores é uma boa governança corporativa, que pode ser estabelecida por meio de uma sociedade patrimonial familiar, com regras claras sobre a gestão conjunta do patrimônio dispostas em contrato social, protocolo familiar e/ou acordo de sócios.
Frequentemente, a constituição de uma sociedade não é a opção mais eficiente do ponto de vista tributário, porém pode evitar conflitos judiciais entre herdeiros e sucessores, o que pode resultar em economia de recursos, tempo e desgaste emocional para todos os envolvidos.
O testamento também é uma forma de planejamento sucessório, mas, em razão das incertezas a respeito do futuro trazidas pelas propostas de reforma tributária, pode ser mais eficiente realizar a transmissão do patrimônio ainda em vida, por meio de doações.
CNB/CF – Quais são os estados brasileiros que atualmente aplicam alíquotas fixas para o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos?
Regina Beatriz: Atualmente, 9 Unidades Federativas precisarão atualizar as respectivas legislações, caso a PEC nº 45/2019 seja aprovada, já que determinam a aplicação de alíquota fixa. São eles: Alagoas, Amapá, Amazonas, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Roraima e São Paulo. Além do Estado do Piauí, que adota alíquota progressiva em caso de transmissão por herança e alíquota fixa em caso de doação.
CNB/CF – Quais são as implicações da proposta de isenção de ITCMD sobre doações para entidades sem fins lucrativos com finalidade de relevância pública e social?
Regina Beatriz: Atualmente, como regra geral, tanto as doações realizadas para entidades filantrópicas quanto os recursos doados para terceiros são tributados pelo ITCMD, exceto aquelas feitas às instituições de educação e assistência social, hoje imunes. Em outras palavras, como regra, tributa-se os recursos doados duas vezes: no recebimento pela instituição sem fins lucrativos e na destinação dos recursos às pessoas físicas ou outras entidades.
Com a alteração proposta, todas as causas filantrópicas serão beneficiadas com a não incidência do ITCMD sobre as transmissões deixadas em testamento e sobre as doações filantrópicas, desde que tenha a finalidade de relevância pública e social. As doações realizadas pelas instituições sem fins lucrativos às pessoas físicas ou outras instituições também não terão incidência de imposto, quando ocorrerem no cumprimento da finalidade social.
De maneira geral, a alteração proposta é coerente com o princípio da justiça tributária e social, uma vez que estamos transferindo recursos privados para beneficiar a sociedade.
Além disso, de acordo com a Secretaria Geral do Brasil e Sistema de Contas Nacionais (IBGE), o terceiro setor tem relevante participação no PIB nacional, que gera mais de 6 milhões de empregos. Deste modo, a isenção das doações para estas entidades poderá fomentar o setor.
CNB/CF – Como a PEC 45 aborda a transmissão por herança e doação envolvendo não residentes no Brasil? Qual a principal diferença em relação à situação atual?
Regina Beatriz: O atual texto da PEC nº 45/2019 prevê a incidência de ITCMD em relação a herança e doações relacionadas a bens no exterior e/ou doadores não residentes no Brasil, independentemente de edição de lei complementar.
A regra proposta para doações determina que, mesmo que o doador resida no exterior, incidirá o imposto no estado em que reside o donatário, sendo o bem móvel, e, se ambos residirem no exterior, incidirá o ITCMD sobre a doação de bem imóvel no estado em que está situado o bem. Já na transmissão por herança, a nova regra propõe que, na hipótese de os bens imóveis ou móveis estarem localizados no exterior, o ITCMD será devido no estado em que residia ou era domiciliado o falecido. No caso em que o falecido era residente ou domiciliado no exterior, o imposto será cobrado pelo estado de domicílio do herdeiro.
É uma proposta de alteração que também causará impactos, dado que atualmente não há regulamentação legal sobre a incidência do ITCMD sobre as transmissões por herança e doações envolvendo não residentes no Brasil e/ou bens no exterior e, por conseguinte, não há incidência do imposto nos dias de hoje.
Esta matéria já foi, inclusive, julgada pelo Supremo Tribunal Federal (Tema 825 de Repercussão Geral), que assentou a impossibilidade dos estados e do Distrito Federal de cobrarem o ITCMD nesses casos sem a edição de lei complementar nacional.
CNB/CF – Como funciona atualmente o recolhimento do ITCMD em relação ao estado onde está sendo processado os inventários?
Regina Beatriz: A legislação vigente determina que a competência para cobrança do ITCMD em relação à transmissão de bens móveis, títulos e créditos é do estado onde ocorre o processamento do inventário ou tiver domicílio o doador, e, no caso de imóvel, do estado em que este bem está localizado. Deste modo, é comum que por vezes as famílias optem por realizar inventário extrajudicial em unidade federativa com tributação sobre herança mais favorável, como o Estado do Amazonas, por exemplo, que conta com alíquota fixa de 2%.
A PEC nº 45/2019 propõe a alteração em relação à competência dos bens móveis, tais como participações societárias, investimentos ou aplicações financeiras e créditos, que passaria a ser o local do último domicílio do falecido ou do doador o estado competente para cobrança do ITCMD. Este é mais um motivo para que as pessoas planejem a sucessão de seu patrimônio.
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