Inúmeras são as situações em que os contribuintes se veem impelidos a buscar socorro judicial porque, mesmo já tendo sido definida a questão de direito por meio do rito de julgamento dos precedentes vinculantes, os tribunais administrativos tributários não obedecem ao entendimento dos tribunais superiores.

O Código de Processo Civil/2015 inovou ao otimizar e prestigiar os julgamentos formadores de precedentes judiciais [1], isto a fim de implementar valores constitucionais como a isonomia e a segurança jurídica.

Precedente é um pronunciamento cujo conteúdo deve reverberar em outros casos que tenham como objeto a mesma questão solucionada do caso precedente, com a peculiaridade de, no sistema processual brasileiro, já nascer predestinado a produzir o efeito vinculante.

Sistemática essa totalmente aplicável ao processo tributário, já que, ante a falta de uma codificação processual própria para dirimir conflitos tributários, é o Código Processual Civil de 2015 sua matriz normativa.

É por isso que, no processo tributário, diante de um entendimento manifestado em julgado formado na sistemática de precedentes vinculantes, o magistrado deve, em sua decisão, explicitar os fundamentos para adotá-lo ou ao afastá-lo, nos termos do que dispõe o artigo 489, §1º, V e VI, CPC/2015 [2].

Resistência e entraves

Ainda que o CPC/2015 seja uma legislação vocacionada ao processo judicial tributário, seus pilares, especialmente o que toca a ideia de uniformidade de aplicação da lei a casos idênticos, devem orientar as decisões judiciais e administrativas, independente do ambiente em que o conflito tributário está sendo analisado, promovendo-se o mínimo de previsibilidade que se espera do sistema normativo quando cria expectativas normativas generalizantes.

Desditosamente, o que se constata, na prática jurídica, é a resistência dos tribunais administrativos de observarem as normas fixadas nos precedentes firmados no Poder Judiciário em suas Cortes de cúpula. Mesmo exercendo função jurisdicional atípica [3], vêm agindo na contramão dos objetivos constitucionais perseguidos por meio do processo, olvidando-se que o processo administrativo assume a mesma natureza do processo judicial, isto é, a de instrumento de solução de conflito de interesse, via de aplicação da norma ao caso concreto, sendo irrelevante o ambiente jurisdicional em que esse conflito é resolvido.

O processo administrativo tributário, por sua natureza (a de instrumento), ao apreciar a questão tributária nele posta e proferir uma solução qualificada ao caso concreto, deveria funcionar como um filtro e afastar a necessidade de provocação do Judiciário para resolver a questão tributária, especialmente na hipótese de haver precedente vinculante, pois o destino do conflito já está definido. Com isso, reduzir-se-ia drasticamente a litigiosidade, o abarrotamento do Judiciário com ações desnecessárias e os ônus de sucumbência da Fazenda Pública [4].

Ocorre que, no que tange à aplicação do artigo 927 do CPC/2015 ao processo administrativo, quiçá do próprio regime de vinculação às manifestações do Judiciário, há entraves postos nas próprias legislações que regulam os processos administrativos tributários. Óbices esses que acarretam insegurança jurídica e ferem a aplicação isonômica da lei tributária entre os contribuintes.

Não é demais apontar que tal postura dos tribunais administrativos vai de encontro aos princípios da boa-fé e da eficiência que regem a administração pública [5], trazendo custos desnecessários ao poder público, por figurar em processos que trarão êxito ao contribuinte.

Exemplo dessa limitação pode ser identificada no Tribunal de Impostos e Taxas do estado de São Paulo (TIT-SP) cuja legislação estabelece que o órgão somente está obrigado [6] a obedecer às decisões proferidas em ação direta de inconstitucionalidade, às decisões dotadas de efeito interpartes objeto de posterior suspensão do ato normativo por Resolução do Senado Federal e aos enunciados de Súmula Vinculante. O mesmo se dá no Processo Administrativo Tributário [7] do estado do Ceará.

Já tramitou na Assembleia Legislativa do estado de São Paulo Projeto de Lei, sob o nº 367/2020, que incluía determinação para que a administração pública estadual observasse o entendimento sedimentado em julgamento de precedente vinculante firmado no Judiciário [8]. Ocorre que a falta de interesse político resultou no arquivamento do projeto de lei, em maio do ano passado [9].

PLP 108

Moderna é a postura da administração pública federal, pois, concretizando a segurança jurídica, a unicidade e a coerência do ordenamento jurídico, dota os conselheiros que compõem o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) de competência para replicar nos processos administrativos tributários o entendimento das decisões firmadas em precedentes vinculantes. É o que está posto em seu Regimento Interno [10] (Portaria do Ministério da Fazenda nº 343, de 09 de junho de 2015).

Tudo indica que esse cenário limitante está para acabar, pois o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 108 de 2024, que dispõe sobre o processo administrativo relativo ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) determina, em seu artigo 91, inciso IV, que deverão ser observadas as decisões transitadas em julgado do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça proferidas na sistemática da repercussão geral ou dos recursos repetitivos, na forma do artigo 927, artigo 928 e artigos 1.036 a 1.041 do Código processual de 2015.

Espera-se, contudo, que essa inovação espraie suas disposições para além do contencioso administrativo do IBS, alcançando os demais tributos estaduais e municipais, mediante a atualização das leis do processo administrativo tributário pelos entes federados.

Valores como a estabilidade, a unidade e a coerência devem nortear a jurisprudência dos Tribunais Administrativos, não só a dos Tribunais Judiciais. O contribuinte, ao se socorrer da jurisdição administrativa deve obter o mesmo provimento que um contribuinte que se socorreu do Judiciário. Tudo para que seja concretizada a igualdade de tratamento entre os litigantes [11].

 

 

[1] RIBEIRO, Diego Diniz. O CPC 2015 e seus reflexos no Processo Administrativo Tributário. In: Paulo de Barros Carvalho, Priscila de Souza. (Org.).Racionalização do sistema tributário. São Paulo: Noeses, 2017, p. 223-224.

[2] Art. 489. São elementos essenciais da sentença:

§1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

[3] PRIA, Rodrigo Dalla. Direito processual tributário. 2ª edição. São Paulo: Noeses, 2021, p. 41-42.

[4] RIBEIRO, Diego Diniz. O CPC 2015 e seus reflexos no Processo Administrativo Tributário. In: Paulo de Barros Carvalho, Priscila de Souza. (Orgs.). Racionalização do sistema tributário.. São Paulo: Noeses, 2017, p. 227..

[5] PRIA, Rodrigo Dalla. Direito Processual Tributário. 2ª edição. São Paulo: Noeses, 2021, fls. 683-687.

[6] Lei 13.457/2009, art. 28.

[7] Decreto nº 32.885/2018, art. 62.

[8] Art. 28, projeto de lei nº 367/2020.

[9] https://www.al.sp.gov.br/propositura/?id=1000325252

[10] Art. 62. Fica vedado aos membros das turmas de julgamento do CARF afastar a aplicação ou deixar de observar tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob fundamento de inconstitucionalidade.

§2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional, na sistemática prevista pelos arts. 543-B e 543-C da Lei nº 5.869, de 1973 – Código de Processo Civil (CPC), deverão ser reproduzidas pelos conselheiros no julgamento dos recursos no âmbito do CARF.

[11] GONÇALVES, Carla de Lourdes; PINHEIRO, Hendrick Impactos do NCPC/15 no Processo Administrativo Fiscal. Disponível em: <https://www.ibet.com.br/wp-content/uploads/2017/07/IMPACTOS-DO-NCPC15-NO-PAT.pdf>. Acesso em: 10 jun 2024.

Fonte: Conjur

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