Apelação Cível nº 1098934-30.2024.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1098934-30.2024.8.26.0100
Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1098934-30.2024.8.26.0100

Registro: 2024.0001125678

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1098934-30.2024.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes DIRCE MONTEIRO MARCONDES, APMONTEPAR PARTICIPAÇÕES LTDA, ADRIANNE MONTEIRO MARCONDES LYRIO e PAULO RICARDO MONTEIRO LYRIO, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 13 de novembro de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1098934-30.2024.8.26.0100

APELANTES: Dirce Monteiro Marcondes, APMONTEPAR PARTICIPAÇÕES LTDA, Adrianne Monteiro Marcondes Lyrio e Paulo Ricardo Monteiro Lyrio

APELADO: 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 43.628

Registro de Imóveis – Instrumento particular de conferência de bens – Integralização de capital social – Bens recebidos por testamento gravados com cláusula de inalienabilidade – Impossibilidade de registro – Caracterização de alienação de bens – Transferência da nua-propriedade, com reserva de usufruto, se mostra insuficiente a afastar a incidência da cláusula restritiva – Afastamento da incidência da cláusula que depende do ajuizamento de ação própria de cancelamento da cláusula na esfera judicial – Imposto de Transmissão Inter Vivos de Bens Imóveis – Imunidade prevista no art. 156, § 2º, I, da CF que deve ser reconhecida pela autoridade fiscal – Inteligência da Legislação do Município de São Paulo – Óbices mantidos – Recurso não provido.

Trata-se de apelação interposta por Dirce Monteiro Marcondes e outros contra a r. sentença de fls. 73/77, proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do 2º Registro de Imóveis da Capital, que manteve a negativa de registro nas matrículas nº 40.264, 40.265, 40.266, 40.273, 40.274, 40.279, 40.280, 40.292, 40.293, 40.294, 40.295, 40.297, 40.313, 40.314, 40.315, 40.316 e 40.317 de instrumento particular por meio do qual a nua-propriedade dos imóveis mencionados é transferida de um dos sócios para a empresa Apmontepar Participações Ltda..

Os apelantes sustentam, em síntese, que as cláusulas restritivas firmadas por disposição testamentária há mais de cinquenta anos não podem subsistir, pois contrariam o atual Código Civil e os direitos constitucionais de propriedade e sucessão previstos na Constituição Federal de 1988; que essas cláusulas devem ser interpretadas de forma restritiva, flexibilizando seus efeitos; que a conferência de bens se limita à nua-propriedade dos imóveis, mantendo a usufrutuária seus direitos sobre os bens. Alegam, ainda, há imunidade de ITBI sobre a operação cujo registro foi negado, na forma do art. 156, §2º, I, da Constituição Federal. Pedem, ao final, a reforma da sentença, para determinar o registro do instrumento particular apresentado a registro (fls. 83/98).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 129/132).

É o relatório.

Neste procedimento de dúvida, discute-se o registro de instrumento particular de alteração contratual da sociedade empresária Apmontepar Participações Ltda., por meio do qual Dirce Monteiro Marcondes, proprietária de dezessete imóveis matriculados no 2º RI da Capital (fls. 12/45), transmite a nua-propriedade de cada um deles à empresa Apmontepar Participações Ltda..

Por dois motivos a integralização do capital social mediante a conferência da nua-propriedade dos imóveis foi negada pelo registrador, decisão essa confirmada pela MM. Juíza da 1ª Vara de Registros Públicos da Capital (fls. 73/77): a) as cláusulas vitalícias de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade impostas em testamento impedem a operação; b) não há prova nem do recolhimento de ITBI nem de concessão de isenção/imunidade tributária.

O primeiro óbice está correto.

Sobre a existência de alienação de bens na espécie, cito precedente deste Conselho, relatado pelo então Corregedor Geral de Justiça Hamilton Elliot Akel:

“A alegação de que não há alienação, mas mera transferência de bem, carece de sentido. Alienação é termo lato, que indica exatamente a transferência do bem de uma titularidade a outra. Na hipótese, a transferência da pessoa física para a pessoa jurídica que, embora microempresa, não se confunde com sua sócia majoritária.

O fato é que, como exposto pelo Oficial, a cláusula de incomunicabilidade foi imposta, pelos doadores – pais da interessada –, com duas condicionantes: o bem só poderia ser alienado com sua anuência, se vivos e, se falecidos, poderia ser alienado com sub-rogação do vínculo.

Sub-rogação faz-se pela via judicial – procedimento de jurisdição voluntária – e nessa via é que se verificará a oportunidade e conveniência de, eventualmente, se transferir o gravame para cotas sociais ou algum outro bem indicado. O que não se pode é ignorar a cláusula, que foi imposta em ato gracioso, o que afasta, por si só, o inconformismo quanto à manutenção da imposição do ônus” (CSM/SP – apelação nº 1036521-30.2014.8.26.0100, j. Em 23/2/2015).

Está claro que a pessoa jurídica tem personalidade jurídica distinta das personalidades de seus sócios e autonomia patrimonial. Disso decorre que a integralização tipifica ato de alienação em sentido amplo, vedada, portanto, pelo art. 1.911 do Código Civil.

A transferência à sociedade empresária apenas da nuapropriedade dos imóveis, reservando a proprietária o usufruto em seu favor, ao contrário do alegado no recurso, não torna viável o registro da operação. Com efeito, as cláusulas de inalienabilidade foram impostas em relação a cada um dos bens imóveis recebidos por Dirce (fls. 12/45).

O desdobramento do direito de propriedade dos bens realizado no instrumento – com a conferência apenas da nuapropriedade dos imóveis – não passa de uma forma de tentar contornar a cláusula de inalienabilidade imposta por testamento. Elementar que o direito real de usufruto desdobra a propriedade: a substância é atribuída ao nu-proprietário e o proveito ao usufrutuário.

Ora, o negócio cujo registro foi negado, embora se circunscreva à nua-propriedade, não deixa de ser uma transferência de bens para outrem, operação que a cláusula de inalienabilidade impede.

Ainda, como bem concluiu a MM. Juíza Corregedora Permanente, inaplicável ao caso o art. 2.042 do Código Civil[1], uma vez que tudo ocorreu na vigência do Código Civil de 1916, inclusive a inscrição do formal de partilha que faz referência à cláusula de inalienabilidade (fls. 13, por exemplo).

Note-se que havendo prova de que a inalienabilidade imposta pelo testador ou pelo doador se tornou injustificável, é possível seu afastamento, inclusive sem sub-rogação do vínculo. Isso, porém, não pode ser reconhecido nesta via administrativa, devendo os interessados ajuizar ação própria na esfera judicial.

Não cabe ao Conselho Superior da Magistratura, em sede de apreciação de procedimento de dúvida, cuja natureza é eminentemente administrativa, invadir a seara jurisdicional e reconhecer que as cláusulas restritivas perderam a sua função protetiva, ou que limitam de modo ilícito o direito de propriedade.

A segunda exigência formulada, relativa à comprovação do pagamento do ITBI ou de concessão de isenção/imunidade tributária, também se sustenta.

Embora a imunidade prevista no art. 156, § 2º, I, da Constituição Federal[2] pareça ser aplicável à espécie, o art. 19, I, da Lei do Município de São Paulo nº 11.154/1991, que dispõe sobre o ITBI, assim preceitua:

Art. 19. Para lavratura, registro, inscrição, averbação e demais atos relacionados à transmissão de imóveis ou de direitos a eles relativos, ficam obrigados os notários, oficiais de Registro de Imóveis ou seus prepostos a:

I – verificar a existência da prova do recolhimento do Imposto ou do reconhecimento administrativo da não incidência, da imunidade ou da concessão de isenção;

Ou seja, mesmo em caso de imunidade do ITBI, cabe ao registrador, na forma do art. 289 da Lei nº 6.015/73[3], exigir prova do reconhecimento administrativo da não incidência do tributo.

É o caso, portanto, de manutenção da r. sentença prolatada.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Nota:

[1] Art. 2.042. Aplica-se o disposto no caput do art. 1.848, quando aberta a sucessão no prazo de um ano após a entrada em vigor deste Código, ainda que o testamento tenha sido feito na vigência do anterior, Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916 ; se, no prazo, o testador não aditar o testamento para declarar a justa causa de cláusula aposta à legítima, não subsistirá a restrição.

[2] Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

(…)

II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

(…)

§ 2º O imposto previsto no inciso II:

I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;

[3] Art. 289. No exercício de suas funções, cumpre aos oficiais de registro fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício. (DJe de 26.11.2024 – SP)

Fonte: DJE

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