O falecimento de um ente querido inaugura, no plano jurídico, a imediata transmissão da herança aos seus herdeiros, de acordo com o “princípio de saisine”, consagrado no artigo 1.784 do Código Civil. Pode parecer contraditório mas, por mais que a Lei diga que a transmissão da herança aconteça automaticamente, ainda assim será necessário o Inventário para regularizar a transferência do patrimônio e a quitação de eventuais dívidas deixadas pelo falecido com a herança. A recusa ou a simples demora dos herdeiros em iniciar o Inventário, como já dissemos aqui várias vezes, cria um perigoso cenário jurídico, que não apenas impede a livre disposição do patrimônio regularizado, mas também o expõe a sérios riscos de deterioração, desvio e perda, gerando um caldo de insegurança e potencial conflito familiar. O citado artigo 1.784 decreta:

“Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança TRANSMITE-SE, DESDE LOGO, aos herdeiros legítimos e testamentários”.

É importante anotar que a responsabilidade de iniciar o inventário não recai exclusivamente sobre uma única pessoa (geralmente a viúva ou viúvo, se existente no caso concreto, ou ainda, o filho mais velho). O artigo 616 do Código de Processo Civil estabelece um rol de legitimados concorrentes, conferindo a QUALQUER UM DOS INTERESSADOS o direito de requerer a sua abertura. Em outras palavras, podem requerer a abertura do Inventário o cônjuge ou companheiro sobrevivente, qualquer um dos herdeiros, o legatário, o testamenteiro e até mesmo o credor do falecido ou dos herdeiros. Dessa forma, a inércia dos demais familiares não pode jamais obstar que um único herdeiro, sentindo-se prejudicado, tome a iniciativa e provoque o Poder Judiciário para dar início ao processo sucessório.

Como também se sabe, a demora na abertura do inventário acarreta consequências gravosas a todos: a primeira é de natureza fiscal, com a INCIDÊNCIA DE MULTA sobre o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), cujo prazo para recolhimento começa a contar do óbito. Consultar a legislação tributária aplicável é importante e o Advogado que conduzir o Inventário certamente se encarregará disso. Outro aspecto importante é que os bens ficam “congelados”, não podendo ser vendidos, financiados ou transferidos legalmente. O risco mais alarmante, contudo, é a DILAPIDAÇÃO PATRIMONIAL, onde um ou mais herdeiros na posse dos bens podem, de má-fé, vender ativos, contrair dívidas em nome do Espólio, ou simplesmente deixar de zelar pela sua conservação, diminuindo o montante a ser partilhado. E isso é grave.

Visando coibir tais abusos o ordenamento jurídico prevê mecanismos de controle e responsabilização: o herdeiro que toma a iniciativa de abrir o inventário pode requerer para si o encargo de INVENTARIANTE, tornando-se o administrador oficial dos bens do Espólio. Uma vez nomeado, ele terá o dever de representar o Espólio, arrolar todos os bens e dívidas e, ao final, prestar contas de sua gestão. Se houver suspeita de que esteja ocorrendo dilapidação já há algum tempo e antes mesmo da adoção dessas medidas é plenamente cabível requerer a Ação de Exigir Contas em face do herdeiro que estava na administração de fato dos bens, para que este detalhe todas as receitas e despesas desde a data do falecimento. Uma vez comprovado o desvio ou dano, o herdeiro faltoso poderá ser responsabilizado com seu patrimônio pessoal pelos prejuízos causados ao Espólio.

Infelizmente num cenário assim de provável litigiosidade e suspeita de ocultação de bens, a VIA EXTRAJUDICIAL para a realização do Inventário, realizada diretamente em Cartório, se torna inviável, sendo necessário recorrer a um Processo Judicial. A ausência de consenso e o ambiente belicoso, que é a marca desse tipo de situação torna a via judicial a única e obrigatória solução, pois somente o Magistrado terá o poder de dirimir os conflitos.

Portanto a primeira e mais crucial medida a ser adotada pelo herdeiro interessado, uma vez verificado o risco de dilapidação patrimonial da herança, especialmente num cenário onde o Inventário não tenha sido aberto intencionalmente é contratar um Advogado Especialista em Direito Sucessório. Este profissional, baseado na cautela, muito provavelmente irá notificar os demais herdeiros para que se manifestem sobre a abertura amigável do Inventário. Não logrando êxito na solução amigável/administrativa, por certo haverá o ingresso imediato da Ação de Abertura de Inventário, com pedido de nomeação de inventariante. Cumulativamente, se houver provas ou indícios fortes de dilapidação, poderá ser requerida uma medida cautelar de arrolamento de bens, para que um oficial de justiça identifique e lacre os bens, garantindo sua integridade até o final do processo. Esta atuação proativa é o único caminho para cessar os prejuízos, responsabilizar os eventuais causadores de danos e assegurar a justa partilha da herança.

Fonte: Julio Martins

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