Este presente artigo descortina a problemática da destinação dos emolumentos dos Ofícios de Registros e Notas, diante das normativas contemporâneas
 
Inicialmente, deve-se contextualizar que os serviços notariais e registrais são de extrema importância no exercício da cidadania, no planejamento urbano de imóveis, nas informações destinadas ao controle estatístico e na otimização da recuperação de créditos. Nessa senda, para administrar de forma efetiva estas instituições notórias, os agentes que as coordenam e as administram, chamados de delegatários ou em colaboração, posicionam-se para agir com compliance e accountability para atender à população e ao poder público. Por conseguinte, a contraprestação do serviço notarial deve ser efetuada de maneira condizente com o tipo de atuação e de dificuldade de cada ato preestabelecido.
 
Nesse ângulo, é cediço que a remuneração dos Ofícios pode ser efetivada na forma de emolumentos pagos pelos próprios requerentes dos registros, denominados sujeitos passivos. Todavia, por vários fatores geográficos, econômicos e sociais, muitas instituições têm dificuldade de financiar melhorias no tocante ao atendimento, devido ao déficit orçamentário e aos inúmeros repasses aos fundos judiciário e aos órgãos afins. Este artigo promove a discussão acerca da possibilidade de transferência de valores recebidos pelos órgãos notariais e registrais ao judiciário e suas consequências imediatas para o coletivo, utilizando-se da dialética de doutrinas e jurisprudências pacificadas.
 
Nesse diapasão, segundo a EC 45/2004, “as custas e os emolumentos das atividades notariais serão destinados exclusivamente ao custeio de serviços afetos às atividades específicas da justiça”. A priori, faz- se necessário esclarecer que a remuneração deste tipo de delegação foi discriminada, pelo Supremo Tribunal Federal, como taxa, por ser vinculada, impositiva e respeitar a estatalidade do serviço delegado. Destarte, muitos doutrinadores como Raphael Abs Musa de Lemos iniciaram questionamentos a respeito desta previsão alegando que não há compulsoriedade de cobrança e a destinação dos emolumentos era somente para pessoa física, ou seja, seria mais condizente com a figura de preço público ou tarifa. Outrossim, percebe-se que mesmo com a confirmação legal pelos julgados do STF, ainda há controvérsias e muitas pessoas, com especialização em Direito notarial, como o professor e doutor Regnoberto Marques de Melo Júnior, discordam das duas vertentes supracitadas argumentando um caráter privatista deste tipo de atendimento, ao concluir que o cidadão requerente é um consumidor, devendo responder ao Código de Defesa do Consumidor e ao Direito privado empresarial. Portanto, toda esta explanação requer ainda uniformização e adequação à razoabilidade jurisprudencial, entretanto, a grande questão a ser abordada é a destinação dos valores recebidos diante da cobrança destas taxas notariais.
 
Nessa linha de discussão, deve-se argumentar que o poder judiciário exerce um papel constitucional de fiscalização e normatização dos atos e fatos notariais desempenhados nos cartórios brasileiros – denominados por muitos, poder de polícia. Por conseguinte, mensalmente, é repassada ao judiciário a taxa de fiscalização, retirada dos emolumentos recebidos, de acordo com cada Estado arrecadatório e dentro da legalidade estrita. Entretanto, mesmo que as leis e as emendas constitucionais ratificassem tal repasse, há na doutrina divergências sobre a cobrança de uma controversa taxa genérica de fiscalização e não, como especificado no Código Tributário Nacional, cobrança por serviço individualizado, como correições ordinárias e extraordinárias, por exemplo. Nesse sentido, mais uma vez, volta-se à velha discussão sobre a denominação utilizada pelo STF de taxa ou preço público, pautada na dicotomia pública e privada da atuação dos cartórios.
 
Além disso, após o debate a respeito da arrecadação judiciária sobre os emolumentos notariais, pode-se descrever o enigmático repasse para entidades não integrantes do Poder Judiciário. Para exemplificar, o Estado de Goiás preestabeleceu que deveria haver um fundo de reaparelhamento especial ao judiciário, além de reserva para segurança pública, penitenciária estadual, Ministério Público, pagamento de advogados dativos e fundo da Defensoria Pública. De acordo com o Ministro Marco Aurélio Mello, “está na moda a criação de fundos de reaparelhamento olvidando-se esquivar o Estado, no tocante às receitas e às balizas constitucionais. Tanto o judiciário, quanto o Ministério Público hão de atuar a partir do que está previsto no orçamento”. Nesse prisma, quando se retiram tantos recursos dos Ofícios Notariais, ocorre um ciclo de sucateamento da atividade que vai repercutir e sobrecarregar o judiciário. A grande questão a ser exposta é que há uma grande necessidade de recursos para a atuação eficiente de órgãos públicos e entidades em colaboração, ficando difícil decidir com equidade o nível de prioridade, diante de tantas demandas.
 
Nesse diapasão, é notória e de grande valia a explanação sobre a denominada “primeira onda de acesso à justiça” pactuante com a massificação de acesso à justiça por hipossuficientes, fazendo com que tanto o Ministério Público quanto as Defensorias Públicas necessitassem de maior aporte financeiro – fato que coadunou com o reaparelhamento das instituições por meio de repasse de fundos notariais. Posteriormente, importantes recursos que seriam utilizados na melhoria e na manutenção dos cartórios tiveram que ser repassados com objetivo de suprir omissões recursais Estatais.
 
Desse modo, ao se estudar com afinco o repasse de emolumentos dos notários e registradores, infere-se que o Direito é dinâmico e acompanha as necessidades e os deveres dos indivíduos e das instituições atuantes. Nessa linha, deveria haver um equilíbrio financeiro isonômico no qual as instituições públicas pudessem atingir um nível de excelência em atendimento público compatível com o a remuneração dos agentes cartorários. Só assim, haveria a valorização dos delegatários com melhorias constantes para todos os cidadãos e para todos os poderes do Estado.