Ainda que o imóvel possa pertencer a mais de uma pessoa, se uma delas sozinha exerce a posse qualificada sobre o todo, com exclusividade, sem oposição, reunindo também os demais requisitos para a prescrição aquisitiva, terá usucapião sobre o todo

 

Nem sempre as soluções para os casos que nos são apresentados estarão prontas e acabadas na Lei, aguardando serem utilizadas para resolver o caso de quem nos procura. Recentemente um dos casos que nos fora apresentado tratava justamente da aquisição de um imóvel mas com pendências que impediam a aquisição de 100% do mesmo, na medida em que o outro titular encontra-se em local incerto e não sabido (não sendo possível nem mesmo afirmar se está vivo, por incrível que pareça). Ocorre que quem está no imóvel atualmente tem a posse do mesmo e o utiliza para sua moradia, nele tendo inclusive edificado.

 

Examinando a documentação foi possível aferir que a propriedade é dividida entre dois titulares, de modo que um deles pode realizar a venda de sua parte (50%) e a cessão da posse exercida sobre os outros 50%. Como já relatado aqui a posse pode ser cedida e a Lei não exige inclusive forma pública para a transação. No Rio de Janeiro o Código de Normas prevê expressamente a possibilidade da lavratura de escritura de cessão de posse, que deve servirá como título para o manejo de ação possessória própria:

 

“Art. 220. Nas Escrituras Públicas Declaratórias de Posse e de cessão de direitos de posse, deverá constar, obrigatoriamente, declaração de que a mesma não tem valor como confirmação ou estabelecimento de propriedade, servindo, tão-somente, para a instrução de ação possessória própria”.

 

É sempre conveniente recordar que ao tempo da edição da referida regra do art. 220 inexistia ainda a usucapião extrajudicial – o que por óbvio não restringe a utilização da referida escritura de posse também no bojo do procedimento extrajudicial para fins de comprovação e tempo de posse.

 

A usucapião da totalidade de um imóvel por quem exerça a posse sobre parte dela é plenamente possível como também já esclarecemos, desde que preenchidos os requisitos legais e a posse seja exercida sobre o todo, incontestadamente – ou seja, com exclusividade. A Jurisprudência pátria é nesse sentido e o julgado do superior tribunal de justiça é claro e didático:

 

“STJ. REsp 1840561/SP. J. em: 03/05/2022. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. FRAÇÃO IDEAL DE IMÓVEIS DE COPROPRIEDADE (…). BENS QUE SE REGEM PELO INSTITUTO DO CONDOMÍNIO. POSSE INDIRETA E EXCLUSIVA DA EX-ESPOSA SOBRE A FRAÇÃO IDEAL PERTENCENTE AO CASAL DOS IMÓVEIS DESCRITOS NA EXORDIAL. (…). AUSÊNCIA DE OPOSIÇÃO (…) E DE REIVINDICAÇÃO DE QUALQUER DOS FRUTOS QUE LHE ERAM DEVIDOS. LAPSO TEMPORAL TRANSCORRIDO SUFICIENTE À AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE. PROCEDÊNCIA DA USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. (…). 4. Nesse contexto, possui legitimidade para usucapir em nome próprio o condômino que exerça a posse por si mesmo, sem nenhuma oposição dos demais coproprietários, tendo sido preenchidos os demais requisitos legais. Precedentes. 5. Ademais, a posse de um condômino sobre bem imóvel exercida por si mesma, com ânimo de dono, ainda que na qualidade de possuidor indireto, sem nenhuma oposição dos demais coproprietários, nem reivindicação dos frutos e direitos que lhes são inerentes, confere à posse o caráter de ad usucapionem, a legitimar a procedência da usucapião em face dos demais condôminos que resignaram do seu direito sobre o bem, desde que preenchidos os demais requisitos legais. (…)”.

 

Fonte: Jornal Jurid

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