Processo: REsp 1.891.498-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Segunda Seção, por unanimidade, julgado 26/10/2022. (Tema 1095).

 

Ramo do Direito: Direito Civil, Direito do Consumidor

 

Tema: Compra e venda de imóvel. Alienação fiduciária em garantia. Registro em cartório. Inadimplemento do devedor. Resolução do contrato. Lei n. 9.514/1997. Incidência. Código de Defesa do Consumidor. Inaplicabilidade. Tema 1095.

 

Destaque

 

Em contrato de compra e venda de imóvel com garantia de alienação fiduciária devidamente registrado em cartório, a resolução do pacto, na hipótese de inadimplemento do devedor, devidamente constituído em mora, deverá observar a forma prevista na Lei n. 9.514/1997, por se tratar de legislação específica, afastando-se, por conseguinte, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

 

Informações do inteiro teor

 

O debate circunscreve-se à prevalência, ou não, da regra do art. 53 do Código de Defesa do Consumidor em detrimento das disposições legais contidas nos artigos 26 e 27 da Lei n. 9.514/1997, bem ainda os requisitos necessários para a perfectibilização do procedimento de resolução contratual de contrato de aquisição de bem imóvel garantido por cláusula de alienação fiduciária.

 

Segundo o art. 53 do CDC, ainda que se trate de contrato de compra e venda de imóvel vinculado à alienação fiduciária, não se afigura razoável a existência de cláusula que estabeleça a perda total das prestações pagas em benefício do credor fiduciário que pleitear a resolução do contrato com base no inadimplemento do devedor, pois tal ensejaria inegável enriquecimento indevido dada a retomada do produto alienado e a manutenção, sem qualquer decote ou restituição, dos valores pagos pelo adquirente, ainda que sobejem o montante da dívida.

 

O diploma consumerista não estabeleceu um procedimento específico para a retomada do bem pelo credor fiduciário, tampouco inviabilizou que o adquirente (devedor fiduciário) pudesse desistir do ajuste ou promover a resilição do contrato. Apenas delineou consistir em prática abusiva a ocorrência do bis in idem acima referido por ensejar enriquecimento indevido.

 

No outro limite, estão os artigos 26 e 27, da Lei n. 9.514/1997, os quais proclamam que, também na hipótese de inadimplemento, pelo devedor, das obrigações advindas do contrato de alienação fiduciária em garantia de bem imóvel – ou, nos termos da lei (artigo 26, caput) vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante – consolidar-se-á a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.

 

A Lei n. 9.514/1997 delineou todo o procedimento que deve ser realizado, principalmente pelo credor fiduciário, para a resolução do contrato garantido por alienação fiduciária – por inadimplemento do devedor – ressalvando ao adquirente o direito de ser devidamente constituído em mora, realizar a purgação da mora, ser notificado dos leilões e, especificamente, após realizada a venda do bem, receber do credor, se existente, a importância que sobejar, considerando-se nela compreendido o valor da indenização de benfeitorias, depois de deduzido o quantum da dívida e as despesas e encargos.

 

Nessa extensão, há, portanto, diversamente do que aparenta, uma convergência entre o disposto no artigo 53 do CDC e os ditames da Lei n. 9.514/1997, pois, evidentemente, em ambos os normativos, procurou o legislador evitar o enriquecimento indevido do credor fiduciário, seja ao considerar nula a cláusula contratual que estabeleça a retomada do bem e a perda da integralidade dos valores, seja por prever o procedimento a ser tomado, em caso de inadimplemento e as consequências jurídicas que a venda, em segundo leilão, por valor igual ou superior à dívida ou por lance inferior impõe, tanto ao credor como ao devedor fiduciário.

 

Esse procedimento especial não colide com os princípios trazidos no art. 53 do CDC, porquanto, além de se tratar de Lei posterior e específica na regulamentação da matéria, o § 4º, do art. 27, da Lei n. 9.514/1997, expressamente prevê, repita-se, a transferência ao devedor dos valores que, advindos do leilão do bem imóvel, vierem a exceder (sobejar) o montante da dívida, não havendo se falar, portanto, em perda de todas as prestações adimplidas em favor do credor fiduciário.

 

Nesse sentido, no que se refere ao afastamento das normas do Código de Defesa do Consumidor na hipótese de resolução do contrato de compra e venda de bem imóvel com cláusula de alienação fiduciária, há que se averiguar a presença de requisitos próprios da Lei n. 9.514/1997, a saber, o registro do contrato no cartório de registro de imóveis, o inadimplemento do devedor e a constituição em mora.

 

Aos demais casos, em que não verificadas tais circunstâncias, não se aplica a tese vinculante que ora se propõe, nada impedindo que, amadurecido o debate em torno da interpretação extensiva do conceito de inadimplemento, possa haver revisão dos limites do presente julgado.

 

Portanto, a tese proposta não abarca situações em que ausentes os três requisitos: registro do contrato com cláusula de alienação fiduciária, inadimplemento do devedor fiduciário e adequada constituição em mora.

 

No outro extremo, se inexistente o inadimplemento (falta de pagamento) ou, acaso existente, não houver o credor constituído em mora o devedor fiduciário, a solução do contrato não seguirá pelo ditame especial da Lei n. 9.514/1997, podendo se dar pelo ditame da legislação civilista (artigos 472, 473, 474, 475 e seguintes) ou pela legislação consumerista (artigo 53), se aplicável, dependendo das características das partes por ocasião da contratação.

 

Alude-se à aplicação da legislação civilista, pois é inegável que nem todos os contratos de compra e venda imobiliária formados com pacto adjeto de alienação fiduciária são regidos pelo Código de Defesa do Consumidor, notadamente quando a própria legislação especial, que instituiu a alienação fiduciária imobiliária, expressamente permite no artigo 22 da Lei n. 9.514/1997 que a alienação fiduciária “poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, podendo ter como objeto imóvel concluído ou em construção, não sendo privativa das entidades que operam no SFI” elencadas no artigo 2º do normativo.

 

É admitida, assim, a contratação entre particulares, pacto que não será de adesão, pois estarão ambas as partes em igualdade de condições, com a prevalência dos princípios da bilateralidade e comutatividade.

 

Por derradeiro, as balizas eventualmente postas ao equacionamenrto da questão envolvendo os negócios com garantia fiduciária não impõem qualquer risco econômico ao sistema, pois é inegável que a garantia fiduciária constitui elemento de fundamental importância para a expansão do crédito imobiliário, em favor, também, dos consumidores, na medida em que estes podem ter acesso a melhores taxas de juros, pondo em relevo o interesse coletivo do tema em debate e a necessidade de uniformização, por meio do presente recurso especial repetitivo, da orientação jurisprudencial no sentido da observância do procedimento estabelecido pelos artigos 26 e 27, da Lei n. 9.514/1997, desde que cumpridos os requisitos citados, de modo a oferecer a todos os envolvidos segurança jurídica.

 

Fonte: Informativo de Jurisprudência STJ

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