Um dos verdadeiros tormentos do Direito de Família/Sucessões, nos últimos tempos, tem sido a definição e conceito de união estável. Isto porque há um limiar muito tênue entre namoro e união estável. Tal indefinição tem levado milhares de pessoas às barras dos tribunais para que um juiz decida se aquela relação é uma família, ou não.

 

União estável é ato-fato-jurídico. É um contrato-realidade. Assim como no Direito do Trabalho, se se preenche os requisitos de uma relação de emprego, como subordinação, salário etc, não adianta dizer que não é empregado.

 

Na união estável, se se preenche os requisitos, tais como durabilidade, estabilidade, relação de dependência econômica, convivência more uxorio, publicidade, filhos etc, ou seja, se vivem como se casados fossem, tem-se ali uma família, uma conjugalidade.

 

Em razão da evolução dos costumes (principal fonte do Direito, já diziam os romanos), e da liberdade sexual, o conceito e a caracterização da união estável foi se tornando cada vez mais confusa e difusa.

 

Por exemplo, namorados às vezes vivem juntos para dividir despesas de moradia; nem sempre a relação é pública e notória, como em casos de união estáveis homoafetivas e simultâneas; muitos casais escolhem não ter filhos e querem formar apenas uma família conjugal, namorados, às vezes, têm filhos sem planejar, e formam apenas uma família parental; não é mais o tempo de cinco anos que define a união estável como dizia a Lei 8971/94, alterada pela Lei 9278/96.

 

Um tempo curto pode caracterizar uma união estável, assim como décadas de relacionamento pode não caracterizar união estável. Namoro não tem prazo de validade. Há pessoas que namoram décadas e décadas, até que a morte os separe. É bom, e saudável, que se tenha a liberdade de namorar em paz sem a preocupação da relação transformar-se em união estável. Em alguns casos é até conveniente que se faça um contrato de namoro, por mais que isso possa ser, ou parecer, um antinamoro.

 

Se faltar um desses ingredientes não significa que não se tenha ali uma família constituída pela união estável. É o exame dos elementos, em cada caso concreto, que fechará a equação — família. Deve-se somar a eles o elemento intrínseco, objetivo, e ao mesmo tempo subjetivo, que é a sexualidade. Este, paradoxalmente, também pode ajudar a aumentar a confusa, e linha tênue, entre namoro e união estável. É saudável que namorados tenham relações sexuais. Seja para um test-drive ante-casamento/união estável, ou pelo simples sexo recreativo, manifestação e consequência natural do desejo. Ela integra e constitui a conjugalidade como um elemento fundante e fundamental da família conjugal, seja do casamento ou união estável. Vitaliza ou desvitaliza a relação. Conjugalidade “é um elo amoroso-sexual mais permanente entre um casal, um núcleo de vivência afetivo-sexual com uma certa durabilidade na vida cotidiana” [1].

 

Algumas pessoas públicas, ainda que não o saibam, emprestam sua vida privada para trazer ao Direito importante reflexões, como é o caso do apresentador Gugu Liberato. O caso passou a ocupar os principais veículos de comunicação do país, em razão da disputa da herança entre filhos e a mãe, que pleiteia a anulação do testamento deixado pelo falecido, que a excluiu da herança.

 

No cerne desta discussão, e que poderá determinar novos rumos da herança, está em saber se, além da família parental ali constituída, tiveram também uma família conjugal. Não é uma resposta simples. Uma parte diz sim e a outra não. Obviamente o juiz decidirá de acordo com a prova dos autos, cuja intimidade das partes só a eles deveriam interessar.

 

Mas nesta vida real e de viés, tal intimidade, por estar também envolvendo muito dinheiro, acaba incitando a curiosidade, realçada pela notícia, que também rende dinheiro. Triste e lamentável que a intimidade desse núcleo familiar seja publicizada e desperte a curiosidade das pessoas. Mas não tem jeito. Quando o assunto é a sexualidade alheia, ela rende e vende notícias, atiça e desperta curiosidade.

 

Direito e sexualidade sempre estiveram juntos. Foi por isto que o tripé sexo-casamento-reprodução sustentou o Direito de família por séculos, embora já não sustente mais. O casamento não é mais o legitimador das relações sexuais, e nem é necessário mais sexo para se ter filhos. Família conjugal e família parental podem estar juntas ou não. Tem gente que quer casar e não ter filhos, assim como há quem queira filhos e não quer casar/viver união estável, e às vezes nem mesmo ter relação sexual, o que tem sido possível em razão da evolução da engenharia genética. São as famílias ectogenéticas e coparentais.

 

Este caso veiculado pela mídia é uma incitação à reflexão sobre a importância e interferência desse elemento, nos atos e fatos jurídicos. É preciso, então, entender o que é sexualidade, como e porque ela interessa o Direito.

 

Sexualidade é da ordem da fantasia e pode ter muitas variações. Até mesmo o assexual tem sexualidade, ainda que não vá ao ato. É uma energia libidinal e está presente em todo humano. Manifesta-se de variadas formas, inclusive por meio de relações sexuais. É o elemento intrínseco da conjugalidade, seja casamento ou união estável. Sua prática ou, as formas de sua manifestação podem ter variações inimagináveis, e envolve todo um sistema de relações, afetos, instituições, expectativas e fracassos.

 

A sexualidade está presente em todos os casais. Sem ela não há casal, não há conjugalidade. Suas manifestações podem ser particulares e específicas em cada casal. Em outras palavras, cada casal, cada família conjugal pode ter o seu código particular, até mesmo escrevê-lo em um Pacto Antenupcial ou Pós Nupcial. Não é a forma ou sua intensidade, ou a não atividade sexual que caracteriza ou descaracteriza a conjugalidade.

 

Há casais, por exemplo, que nem podem ou não querem ter uma prática convencional. Por exemplo, quando há impotência masculina, em casos de assexualidade permanente ou transitória etc. O que verdadeiramente importa, e caracteriza ou descaracteriza uma conjugalidade, não é propriamente o sexo, mas sim a sexualidade, que é maior e mais ampla que a prática dos atos sexuais, pois é da ordem do desejo. Se há, ou já houve desejo entre o casal ou ex-casal, ali está um elemento fundante, que somado aos outros elementos acima mencionados é que resolverá, às vezes difícil, equação da união estável.

 

Fonte: Conjur

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