O testamento sempre foi tido como um tabu no Brasil, como se a organização patrimonial pelas disposições de última vontade fossem um chamariz para a morte. Quando racionalizamos, chega a ser engraçado, mas a verdade é que ainda existe muita resistência em planejar a sucessão desta forma.

 

Entretanto, o testamento não é uma providência para os últimos dias de vida, ele é um exercício saudável da autonomia da vontade, um convite para importantes deliberações patrimoniais e um cuidado com os herdeiros. Por isso, é de se comemorar o crescimento do número de testamentos públicos no país nos últimos anos: segundo o Colégio Notarial do Brasil, entre 2012 e 2021, houve um aumento de 35,5% nas lavraturas dessa espécie de documento.

 

Por outro lado, o testamento tem aparecido nos noticiários por causa da sucessão de famosos: Gugu Liberato, Louro José, Pelé, entre outros. As notícias são de discussão entre os herdeiros, tentativas de não cumprimento do testamento ou debate sobre a interpretação do documento. A divulgação dessas disputas faz parte da curiosidade sobre a vida privada de pessoas públicas. Contudo, pode gerar uma impressão equivocada sobre a importância e a eficácia dessas disposições.

 

Testamentos são documentos seguros e consolidados para o planejamento sucessório, que permitem a alteração da participação dos sucessores na herança em relação à ordem legal, desde que respeitado o mínimo dos herdeiros necessários (metade dos bens deixados). Essas mudanças podem ser na proporção ou para destacar bens específicos para cada sucessor, por exemplo. Quando do falecimento do autor do testamento, ele será aberto pelo Juiz, que verificará o atendimento aos requisitos legais e determinará o seu cumprimento.

 

É nesse momento em que há chances de discussão pelos herdeiros. E há mesmo – não existe planejamento sucessório à prova de desentendimentos. Mas existem providências que podem diminuir o risco de questionamentos e cumprir as finalidades do planejamento: fazer valer a última vontade do testador e criar ambiente para um inventário pacífico e rápido.

 

O testamento é um documento que só depende da vontade do testador, mas a primeira providência sábia é procurar orientação especializada no tema, que indicará adequadamente como a vontade do testador se encaixa na lei e na prática judicial. Além disso, pode sugerir a melhor forma de testamento e ajudar na redação e coleta de documentos.

 

A segunda medida é a utilização de uma linguagem simples, clara e direta. Testamento não é petição e não é doutrina jurídica. Ele é escrito a partir da vontade do testador, mas, necessariamente, ele não estará presente no cumprimento para se explicar. Por isso, precisa ser redigido pensando nos seus leitores, que são o Juiz e os herdeiros. A linguagem simples não é errada ou desleixada com a técnica. Ela é um instrumento de valorização do destinatário do texto.

 

Esse ponto nos parece ter sido o problema do testamento do Gugu que, ao invés de simplesmente deixar uma parte da herança para seus sobrinhos, citava os filhos e, por isso, dispunha de mais da metade de seus bens. Acertadamente, o testamento foi tido como eficaz porque tratava de mais da metade dos bens, mas contemplava os herdeiros necessários.

 

A terceira providência que deve ser tomada é que o testamento, como qualquer modelo de planejamento, precisa de revisão. A recomendação é a releitura a cada três anos ou sempre que houver uma mudança familiar ou patrimonial relevante. O testador precisa verificar se a vontade manifestada ainda se mantém e, caso contrário, deve cuidar de revogar ou alterar sua declaração de vontade por meio de outro testamento. Aliás, a maior vantagem do testamento é a possibilidade de sua constante alteração.

 

Foi aqui que as sucessões de Marcos Paulo e de Tom Veiga (conhecido como Louro José) causaram controvérsias. Marcos Paulo, depois de ter feito seu testamento, começou um relacionamento com Antonia Fontenelle, chegou a manifestar que gostaria de inclui-la no documento, mas não fez a alteração formal. Tom Veiga, ao contrário, se separou e não fez a modificação das disposições de última vontade. Em ambos os casos, mudanças familiares importantes que não tinham correspondência no testamento.

 

Redigido com clareza, bem assessorado e sempre revisto, o testamento é um instrumento ótimo de exercício da autonomia da vontade e deve ser incentivado. Ninguém deve se acanhar por achar que o documento é para riscos e famosos ou que pode gerar desentendimentos. Testamento é para todos que querem ser protagonistas de sua sucessão.

 

*Laura Brito é advogada especialista em Direito da Família e Sucessões.

 

Fonte: Rota Jurídica

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